Primeiro que tudo, uma declaração de interesses: sou benfiquista. Gosto do Benfica, mas gosto mais de futebol. Quero ver um jogo de futebol, quero ver as coisas muito para além da "clubite", e desde há muito tempo que me convenço que os verdadeiros apreciadores de futebol são uma minoria muito pequena. Os restantes noventa e muitos por cento só gostam de futebol porque é para ver o seu clube ganhar, que é para gozar na cara dos outros no dia seguinte, no trabalho ou na escola.
Porque digo isto? Um pouco de história: quando somos miúdos, até ainda antes de ir para a escola, somos forçados a "escolher" pela sociedade à nossa volta. Começa em casa, com os nossos pais, depois são as outras pessoas, o nosso grupo de amigos, que nos forçam a dizer: estás conosco ou estás contra nós? É complicado, e depois alinhamos. É assim com o futebol, ou na igreja, ou noutro lado qualquer, quer seja aqui, na Grã-Bretanha, no Brasil ou na Conchinchina. E como o futebol é o desporto de massas, é assim que o mantêm vivo. Depois podemos apanhar a coisa no momento em que está na mó de cima, em que é a equipa vencedora. Alinhamos porque é a equipa que vence, a vitória no domingo faz alimentar o nosso ego e no dia seguinte, no recreio da escolha, encontramos o menino ou a menina "do contra" e gozamos na cara. É assim, é instintivo.
E a coisa mantêm-se tão viva que os "apreciadores de futebol", essa enorme massa, não vêm os podres da competição, uma delas é o facto da International Board não mudar as regras em relação aos árbitros e da inclusão da tecnologia para os auxiliar em situações duvidosas, como foras de jogo milimétricos ou bolas que entram dentro da baliza por centímetros e vão para fora, mas que não contam porque o árbitro ou o fiscal de linha não viu. Nesse aspecto, é como o Vaticano: não vê que a tecnologia mudou, evoluiu e não deseja acompanhar os tempos, para não estragar a essência do "beautiful game". Gostam de polémica, porque assim, mantêm as rotativas a funcionar, e fazem com que as pessoas falem de futebol por dias a fio.
O famoso lance de hoje à noite, do 3-2 a favor do Porto, de facto é marcado em fora de jogo, mas é daqueles milimétricos. Umas vezes marca-se, outras não. Os árbitros são humanos e erram. Andei a noite toda a ver no Facebook as asneiras que se leram por ali, e só confirma a cada dia que passa, a minha teoria de que mais de 90 por cento não sabem ver futebol. Não sabem. Não no sentido de ver o fora de jogo, que existe, mas no sentido de colocar as mãos à cabeça e pensar: "espera aí, se a TV vê e o fiscal de linha não, quem vou confiar? Na TV. E se a TV marca melhor os fora de jogo que o árbitro, então o que é que estão ali a fazer? Mais valia meter um sensor para acompanhar as jogadas de ataque e assinalar os fora de jogo, por muito milimétricos que sejam".
Caso resolvido, certo? Errado. A FIFA sabe disso tudo, mas não quer, não lhes interessa. Os burros somos nós, que não nos revoltamos, não nos organizamos, não fazemos "lobby" para mudar as coisas por lá. Somos cegos nos nossos "clubites". Cegos nos benfiquistas que perdem, ao afirmar que a culpa é do árbitro ou do fiscal, quando esquecem que na realidade, se perdeu o jogo a partir do momento em que o Jorge Jesus tirou o Aimar no campo, o único pensador de jogo que o Benfica tem. A expulsão do Emerson e a recuperação do Porto são meras consequências.
Mas como digo, não querem ver isso. Perferem dizer que "a culpa é do fiscal de linha", o que me aborrece bastante e me faz dizer asneiras. O que eles quererão fazer com isto? Protestar na Liga de Futebol? E depois? Querem a repetição do jogo? Anular retroactivamente o golo? Repetir o jogo? Que querem? Cegos na sua clubite, não se consciencializam que só estão a fazer figura de parvos, que não interessa como, o resultado é este e não há volta a dar.
Mas os portistas que não se riam muito porque também são cegos na sua clubite. Lembram-se todos os dias, é certo, que devem tudo o que são ao Pinto da Costa, mas a esmagadora maioria pensa que ganham os campeonatos e as taças por "intervenção divina do Papa". Tendem a esquecer que tem um grande departamento de futebol, construído durante ano a fio, que sabe ler as necessidades e neste mercado de Inverno, foram às comparas. Trouxeram o Lucho Gonzalez e arranjaram o Janko, "o pinheiro" que o Paulo Sérgio implorava no inicio da época passada no Sporting. Sabem ler o mercado, e vai ser assim, enquanto não chegar o dia em que o Roman Abramovich não aparecer no Estádio das Antas com um camião cheio de dinheiro para os comprar. Até lá, sou o primeiro a reconhecer que os campeonatos e as taças já tem um destino traçado, pelo menos em oito das dez vezes. Para esta geração, o F.C. Porto é o maior, e daqui a menos de dez anos passará o Benfica em numero de campeonatos e taças.
Adeptos? Talvez daqui a duas gerações. Mas só se mantiverem a pedalada, o que realisticamente não acredito. O Pinto da Costa não bebeu a poção da imortalidade, o Antero Henrique não bebeu a poção da imortalidade, tal como o José Maria Pedroto não bebeu, e como todos os outros clubes, corre sempre o risco de "guerra civil", quando desaparecer a "cola" que os mantêm unidos. E sem colas, ou parafusos, não há estrutura que aguente.
E a mesma coisa acontece no Benfica: o Luis Filipe Vieira é um génio de finanças e "marketing". Mas tem um obstáculo formidável pela frente, e já viu que será muito dificil derrubá-lo. E vai rezar para que o Pinto da Costa vá primeiro do que ele. Sim, estou há muito tempo convencido disso: ambos os presidentes ficarão nos seus lugares de modo perpétuo. Sairão dos seus cadeirões no dia em que morrerem, quais Kim-il Sungs de trazer por casa. Os dois principais clubes de Portugal mais se assemelham, por estes dias, a um Vaticano ou se perferiem, Pyongyang.
No final, digo isto: se acabarem no primeiro lugar, para mim, deveriam dar a taça não ao Vitor Pereira, mas sim ao Antero Henrique, o chefe do departamento de futebol do Porto. Este treinador é um "idiota útil", porque na realidade, só prova que é a máquina do Porto que ganha. Podem meter quem quiser, até o macaco Adriano, que já sabemos quem no final do ano irá levar as faixas. Embora diga esta noite que ele hoje arriscou... e ganhou. A próxima vez que Vitor Pereira viverá uma coisa destas vai ser quando treinar um Recreativo do Libolo ou a Liga Muçulmana, porque não é um treinador excepcional. Nem é um treinador por ali além. Aliás, é o ex-adjunto do André Villas-Boas, outro exemplo acabado da velha frase do Mário Wilson, mas aplicado ao FCP: "Qualquer um que treine o Porto, arrisca-se a ser campeão". Oito em cada dez vezes, isso é real.
Quanto ao outro lado... não quero dizer nada, por enquanto. Só digo isto: terça-feira há o jogo com o Zenit. Veremos como o Benfica reagirá a mais este desaire. Espero que o Jorge Jesus consiga refletir sobre este tempo que vive e como sacudir esta crise. Porque caso contrário, será o Nigel Mansell dos treinadores do Benfica: podia ganhar todos os campeonatos, mas vai perder mais do que ganhou.
Espero estar enganado.
No final, parabéns ao Porto, porque os vencedores são o que são porque lutaram para conseguir. E tiveram sorte no final. Fico triste pelo Benfica, porque não merecia perder. E sempre que isto acaba assim, lembro-me daquela velha frase que o Gary Lineker disse, num calorento dia de junho de 1990: "o futebol são onze contra onze e no final ganha a Alemanha".
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