O seu talento era inversamente proporcional à sua postura perante a sociedade. Era daqueles que bastava a sua capacidade natural de guiar um carro para chegar aos primeiros lugares. E tudo o resto não interessava. E o seu carisma era mais do que suficiente para que em vez de ser censurado pelos seus atos, fosse admirado. Não fico surpreendido que nestes tempos que correm que Hollywood esteja a fazer um filme sobre ele, sobre o seu rival e sobre a temporada em que ambos se degladiaram. Que coincidiu com o ano do meu nascimento.
Se estivesse vivo, James Hunt faria hoje 65 anos. A sua postura de vida encurtou a sua existência, apesar de ter sido um dos sobreviventes desses anos mortais. Para ficaram com algumas ideias, o seu primeiro pódio foi na Holanda, em 1973, numa corrida mais conhecida pelo acidente mortal de Roger Williamson e das tentativas desesperadoras de David Purley de o salvar das chamas. Viu o seu maior rival, Niki Lauda, a ter um grave acidente na pista mais desafiadora do calendário, em Nurburgring e viu o preço que ele teve de pagar no corpo por ter sobrevivido a algo que à partida, teria sido fatal.
Claro que penso que Lauda deveria ter vencido o título, por aquilo que fez e passou. Mas não censuro a sua atitude no GP do Japão, a última corrida desse campeonato. Afinal de contas, chovia bastante naquele dia na zona do Mont Fuji e a corrida tinha sido adiada por mais de uma hora. Lauda queria a corrida cancelada e não concordava na sua realização naquelas condições. Ele entrou no carro, deu uma volta e foi-se embora. Simples. E ainda hoje em dia não se arrepende dessa sua atitude.
Mas também considero que o título fica bem entregue a James Hunt. Teve uma chance e aproveitou-a, gozou o tempo que esteve na Formula 1. Primeiro através da Hesketh, uma equipa feita de propósito para ele, através das aventuras de um jovem nobre britânico, Lord Alexander Hesketh, que adorava carros e não se importava de "rebentar" o dinheiro que tinha recebido de herança. Aliás, a sua chegada à Formula 1 foi das mais insólitas que conheço: estavam na Formula 2 sem alcançar resultados, e Hesketh decidiu que a solução seria... ir para a Formula 1, porque "assim fracassavam em grande". O resultado foi mais ao contrário, porque nos dois anos que existiram, venceram uma corrida e subiram oito vezes ao pódio.
Depois da aventura Hesketh, Hunt foi para a McLaren porque o lugar tinha vagado. Emerson Fittipaldi decidiu juntar-se ao seu irmão na aventura da Copersucar e James Hunt era o melhor piloto que andava por aí. E aconteceu na melhor altura, porque Hesketh... estava falido. O resto é história, claro. Mas em 1978, a McLaren estava na mó de baixo, na decadência, superado por uma Lotus com o efeito-solo, Brabham, Ferrari e até equipas como Wolf, Ligier e Fittipaldi, que ainda corriam com um só carro.
A sua vida festeira, de "playboy", tinha levado a melhor e a sua motivação tinha abaixado bastante. Para piorar as coisas, um dos seus melhores amigos no "paddock", Ronnie Peterson, tinha morrido em Monza, num acidente em que ficou envolvido, em conjunto com o Arrows de Riccardo Patrese. Hunt acusou-o de ter sido o instigador do acidente, quando na realidade foi tão vítima como Peterson. Se tivessemos de encontrar culpados, o britânico era mais causador do que o italiano... somente anos depois é que ambos fizeram as pazes.
Hunt foi para a Wolf, mas desistiu de vez a meio de 1979. Com os carros de lado, a sua vida foi uma mera espiral descendente. O alcool, as drogas e os maus investimentos fizeram-no entrar nas noticias pelos piores motivos. A sua ilha nesses tempos negros era o seu trabalho de comentador na BBC, e provavelmente, Hunt ficou na memória de tanta gente como Murray Walker, pelos seus comentários sem papas na lingua, falando mal das chicanes móveis e dos desajeitados do pelotão daquele final dos anos 80, como René Arnoux (que nunca soube sair na hora certa, arrastando-se pela Ligier), Philippe Alliot e Andrea de Cesaris. Certo dia, no Mónaco, disse que certas declarações feitas por Arnoux sobre adaptação aos carros atmosféricos nada mais eram do que "bullshit" (tretas). No ar, na BBC.
Hunt foi sempre assim: verdadeiro. Quer fosse na pista ou fora dela. Percebo porque é o Kimi Raikkonen o considera ser seu ídolo. E provavelmente ainda o recordamos com ternura, após estes anos todos. Só espero que o Ron Howard faça um retrato fiel dele no filme que aí vêm.
2 comentários:
E não custa lembrar que o jornalista Tom Rubython lançou recentemente uma biografia, "The Shunt", que me arrependo até agora de não ter comprado quando pude. Mas dizem que o material é de primeira.
Eis um que respeito e que merecia um filme.
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