Algum dia ele tinha que ir. Nem mesmo Matusalém viveu para sempre, caso ele algum dia tenha existido. Mas aquele dia que muitos brasileiros achavam na brincadeira que não iria acontecer, aconteceu: Oscar Niemeyer, o arquitecto de Brasilia, morreu na quarta-feira à noite, aos 104 anos, após ter estado debilitado durante várias semanas.
Achei engraçado quando andei a ver alguns obituários do arquitecto brasileiro, quer no Brasil, quer fora dele. A esmagadora maioria é de elogio à sua vasta obra. Teve claro, o controverso elogio de um dos comentaristas da revista Veja, que o chamou de "meio génio, meio idiota", devido às suas convições politicas. Pode ter querido querbrar o politicamente correto, mas foi um gesto perfeitamente... idiota. Outro dos elégios fúnebres foi o do The Guardian, escrito por um jornalista que... já morreu. Em 2008, para ser mais exacto. Claro, é bom ter algo feito para ser usado depois, mas o irónico é que o autor morrer antes do sujeito em causa. Enfim, são duas historietas para serem contadas para as gerações vindouras.
Sempre admirei Niemeyer. Primeiro, em criança, porque achava os seus edificios diferentes, por serem autenticas naves espaciais. Depois, já em adulto, pelo facto de ele ter consciência. Sim, ele era comunista e ateu, mas para dizeres que não acreditas em Deus, não precisas de ser comunista. Eu sou ateu e laico, mas repugna-me as atitudes de muitos que se consideram de esquerda, porque julgam que tem o "rei na barriga". Prefiro ser independente, pensar por mim mesmo e ter uma mente aberta para coisas novas.
Mas não estou aqui para falar de politica. Falo de um arquitecto que marcou uma era e nos marcou a todos. Foi alguém que teve a oportunidade única de desenhar uma cidade, ele e a equipa onde esteve integrado, chefiada por Lucio Costa - outro que viveu muito tempo como Niemeyer, 96 anos para ser mais exato - algo que muitos gostariam de fazer, mas só muito poucos conseguiram. E esse grupo desenhou uma coisa chamada Brasilia, idealizada por Juscelino Kubisheck, que o tinha conhecido e admirado em Belo Horizonte, às suas obras como a Igreja da Pampulha. Após estar tudo desenhado, assistiu à inauguração e os primeiros 52 anos da sua existência, tempo mais do que suficiente para assistir, também, a um bom pedaço da história do Brasil.
Niemeyer projetou dezenas, centenas de edificios no Brasil. E como já disse, uma cidade, com a ajuda de Lucio Costa. Deixou a sua marca: Pampulha, Copan, Alvorada, Esplanada dos Ministérios, Catedral de Brasilia, Edificio Mondatori, Memorial da América Latina, Museu de Arte Contemporânea de Niteroi... Aqui em Portugal, desenhou um casino no Funchal. Mas houve outras coisas que ele não conseguiu construir. Uma delas foi o Maracanã, que apresentou o seu projeto a concurso, mas perdeu. Anos depois, confessou o alivio por ter perdido o concurso, pois o seu projeto contemplava uma grande área VIP.
Espalhou a sua marca no Brasil e no resto do mundo. Essa parte aconteceu em 1965, depois de se ter exilado para Paris, escapando da ditadura militar que se tinha instalado no seu país, apenas quatro anos depois de ter construído Brasilia. Construiu a sede do PC francês, o jornal L'Humanité, a Universidade de Constantine, na Argélia, entre outros. Antes disso, tinha projetado, em conjunto com Le Corbusier, a sede das Nações Unidas. Só regressou em 1985, quando a democracia foi reinstaurada no seu país.
Sobre a razão porque ele se distanciou das retas de Le Corbusier e passou para o seu oposto, disse um dia: "Não é o ângulo reto que me atrai, nem a linha reta, dura, inflexível, criada pelo homem. O que me atrai é a curva livre e sensual, a curva que encontro nas montanhas do meu país, no curso sinuoso dos seus rios, nas ondas do mar, no corpo da mulher preferida. De curvas é feito todo o universo, o universo curvo de Einstein."
Viveu como viveu: feliz com a profissão que escolheu e com as obras que projetou. Estas ficarão durante centenas, senão milhares de anos. Provavelmente, por pensar que nada existe para alem desta vida, dedicou-a a fazer coisas para que as gerações futuras possam admirar. Se calhar, deveria ser esse o seu objetivo. Se o foi, conseguiu. Ars lunga, vita brevis.
Viveu como viveu: feliz com a profissão que escolheu e com as obras que projetou. Estas ficarão durante centenas, senão milhares de anos. Provavelmente, por pensar que nada existe para alem desta vida, dedicou-a a fazer coisas para que as gerações futuras possam admirar. Se calhar, deveria ser esse o seu objetivo. Se o foi, conseguiu. Ars lunga, vita brevis.
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