sexta-feira, 12 de agosto de 2016

Um almoço com Chris Amon (parte 3)

(continuação do capitulo anterior)

Na terceira e última parte desta entrevista feita pela britânica Motorsport em junho de 2008, o neozelandês Chris Amon, falecido na semana passada aos 73 anos, vitima de cancro, fala sobre a sua passagem por March, e de como foi convencido por Max Mosley e Robin Herd de que o projeto seria centrado nele, e que na realidade, as coisas não correram assim tão bem. Tanto que, quase 40 anos depois, Amon ainda reclamava de parte do salário que Mosley disse que iria pagar. E não era um qualquer: ele foi para Bicester por cem mil libras, uma fortuna na época.

Sobre a temporada de 1970, queixa-se da falta de desenvolvimento do chassis, que até era simples, e conta que a vitória de Pedro Rodriguez em Spa-Francochamps poderá ter sido ilegal, embora não tanha provas concretas sobre isso...

"Robin Herd poderia ter feito um carro muito melhor do que o 701, mas eles tinham que ter algo simples porque havia seis ou sete pilotos naquele ano. Esta era a equipa que ia ser centrada à minha volta... 

O carro não era mau no início - Stewart e eu empatamos na qualificação em Kyalami, e eu ganhei em Silverstone [na International Race], em abril. Mas não havia nenhum desenvolvimento, por isso nunca recebi melhorias. Não era mau nos circuitos velozes, mas noutros lugares, como Brands Hatch, era horrível.

"Em Spa eu era líder, na frente de Jackie e Jochen, e eu podia vê-los cada vez mais pequenos nos meus espelhos. Então, de repente havia esse maldito BRM para cima de mim. Pedro Rodriguez - ele tinha sido oitavo no grid, um bom par de segundos mais lento do que eu e Jackie na qualificação. Eu pensei, 'de onde diabos ele veio?'. Ele só voava quando me passou. Eu vou atrás dele, e eu vi que a única maneira que eu poderia passar por ele era fazendo o Masta Kink a fundo, e fazê-lo descer a colina. Eu nunca andado a fundo até então, mas na última volta eu fiz isso. Eu andei a fundo entre os prédios - fiquei muito perto da parede - e eu passei por ele em Stavelot. Isso foi quando eu quebrei recorde de volta. Mas na subida até a colina ele passou de novo. Aubrey Woods, depois de abandonar a BRM, disse-me que eles construíram um motor de 3,5 litros. Ele não disse quando é que o usou, mas eu tenho certeza quando foi.

"Meu negócio com a March era de que Mosley me pagaria cem mil libras em quatro parcelas trimestrais. Eu recebo o primeiro, de 25 mil libras, mas ele ainda me deve 75 mil. Muito dinheiro na altura, e hoje em dia não é um valor menosprezível. Tivemos uma reunião com advogados, e ele me disse coisas como eu tinha de ficar para plano secundário de modo que os rapazes da March poderiam manter os seus empregos. Fui muito mole.

[Em junho de 1970] almocei com Jochen em Londres, e ele me disse que queria parar. Ele estava com medo da fragilidade do seu Lotus. Um mês depois, ele ganhou mais um par de corridas, e como ele estava a caminho do título, ele me disse que ele tinha decidido fazer mais um ano. Em seguida, ele morreu em Monza. Olhando para trás, eu não sei como eu lidei com tudo isso. Penso que havia uma grande quantidade de coisas que está sendo empurrado para o fundo da minha mente".

Cansado da March, Amon recebe uma oferta da Matra para correr em 1971. Equipa de fábrica, com os seus V12, dois poucos a combater o dominio dos DFV V8 da Cosworth - a par da Ferrari e da BRM - dava a Amon uma chance de correr pelos lugares na frente, pelo menos nos circuitos mais velozes. Como em Monza, onde conseguiu a pole-position no (agora) mitico GP de Itália de 1971, onde deixou fugir uma chance de vitória porque... o seu visor foi arrancado.

"Matra me fez uma oferta para 1971. O V12 deles não era fantástico, mas foi uma lufada de ar fresco depois de deixar a March. Fiquei com eles por dois anos, e eu ganhei o GP da Argentina, apesar de que era uma corrida extra-campeonato. Fez corridas de carros de Endurance, também. Em Monza, eu faço a pole à frente da Ferrari de Ickx, o que me agradou. Eu estava liderando a nove voltas do fim e eu tentei remover a capa da minha viseira, e toda a maldita viseira voou. Enquanto eu estava lidando com 320 por hora, sem qualquer protecção para os olhos, perdi-me do grupo e eu terminei em sexto".

Depois da Matra, Amon foi para a Tecno, que fazia a sua passagem pela formula 1, depois de ter sido um construtor bem sucedido de chassis na Formula 2, graças aos irmãos Pedrazani. Contudo, Amon aterra no meio do furacão, com as brigas entre Luciano Pedrazani e David Yorke. Para piorar as coisas, foram construídos dois chassis completamente diferentes (!) e a meio de 1973, Amon decide largar a equipa de vez. Pouco depois, a Ferrari lhe pergunta se quer juntar-se à equipa, mas a Martini veta a ida para a Scuderia.

Em 1974, decide montar a sua própria equipa, mas o esforço é frustrante, pois ao fim de quatro corridas, termina o dinheiro e ele aposenta o carro. A meio do ano, Bernie Ecclestone oferece-lhe o lugar na Brabham, mas este recusa por lealdade ao projeto Amon. Esse lugar iria depois para José Carlos Pace. Depois de passagens curtas pela BRM, em 1974 e 75, assina para a Ensign, uma equipa construida dois anos antes pelo engenheiro Mo Nunn, que conseguia fazer bons chassis com pouco dinheiro. Correndo em 1975 e 76, Amon consegue fazer milagres com o carro, culminando com um quinto lugar em Espanha e um terceiro lugar da grelha em Anderstorp, na Suécia. Mas o acidente de Niki Lauda, em Nurbugring faz pensar no final da carreira, aos 33 anos de idade, mas desgastado com tudo.

"O [chassis] Ensign não era mau de todo, mas não havia dinheiro. Estava tudo contado, tinhamos motores com dois anos de idade, emprestados pelo Bernie. Em Zolder, andava em quinto quando uma roda traseira saiu, acabando embrulhado nas cercas de proteção. Em Anderstorp era o quarto classificado quando a suspensão dianteira quebrou-se e bati forte nas barreiras.

"Em Nürburgring, Niki Lauda sofreu o acidente, e eu fiquei chocado com o tempo que levaram para que a ajuda chegasse até ele. Eu sabia que a Ensign era frágil, eu sabia que eu estava planeando parar no final da temporada, mas não queria acabar morto. Então, antes do reinício, eu disse para o Mo, 'Eu não posso confiar no carro, e eu não quero dirigi-lo neste circuito". Esse foi o final do nosso relacionamento. Frank Williams pediu-me para dirigir no Canadá; Eu saí com os pneus frios na treinos, exagerei, fiz um pião, e bati em T pelo Harald Ertl. Então decidi ir para casa", concluiu.

Pendurado o capacete de vez, regressou à sua quinta na Nova Zelândia, onde se dedicou à agricultura, ajudou a criar três filhos com a sua mulher inglesa, até 2003, altura em que vendeu a sua quinta. A partir dos anos 80, foi consultor para a Toyota New Zealand, ajudando a marca em vários eventos, incluindo ser piloto de testes para chassis Camry e Corona. Em 1999, fez uma aparição no Goodwood Festival of Speed, onde foi recebido como um herói. Essa foi uma das raras aparições no automobilismo, e só regressou algum tempo depois, quando a Ferrari comemorou em 2007 o seu 60º aniversário.

"Eles me convidaram para as comemorações do 60º aniversário, mas o convite chegou três dias antes do evento. Então, mandei um e-mail para De Montezemolo e disse: 'Se estiver por aqui no 75º aniversário, pode me avisar com mais tempo?'", riu-se.

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