quarta-feira, 27 de setembro de 2017

"Williams", uma apreciação critica

"I feel the need, the need of speed". É isso que Frank Williams diz no inicio deste documentário sobre a sua vida e a sua carreira, e é isso que o guiou: a necessidade de correr. Não é um documentário feito a correr, é verdade, mas é um documentário sobre uma das personagens miticas da Formula 1, que está neste meio há mais de 40 anos. E é também a história de uma familia que está ligada a este meio, cuja vida se entrelaça com a competição.

E essencialmente, o documentário gira à volta dessa familia. Frank Williams está lá, dá a cara, a sua equipa também está lá, vêm-se bons episódios na temporada de 2015, onde Valtteri Bottas subiu ao pódio no México, por exemplo, mas no essencial, fala-se da sua familia. Ele, Frank, a sua filha, Claire Williams, o filho Jonathan, e uma ausente muito presente, quase um fantasma: Virgina "Ginny" Williams, mulher de Frank e mãe de Claire, morta em 2013, aos 66 anos, vitima de cancro. Foi Ginny que escreveu em 1991 a biografia "A Diferent Kind of Life", a base deste filme. Ali, ela conta como o conheceu (iria casar-se dali a três meses com outro homem) e como ao fim de um ano, abandonou-o para viver com Frank. Tudo isso no final dos anos 60, quando ele era um piloto muito competitivo e tentava montar a sua equipa com Piers Courage, o seu primeiro piloto. E o testemunho (póstumo) de Ginny para o filme são as gravações que fizera para a biografia, contando os altos e baixos da equipa, que também a considerava como sua. Em suma, uma parceria perfeita.

Cerca da meia hora do filme, Williams fala dos pilotos que perdeu (Courage e Senna), e perguntar se ele chorou pela morte de alguns dos seus pilotos, referiu aquela característica inglesa do "stiff upper lip", de que não se deve mostrar emoções. Especialmente na cena em que falaram sobre a morte de Ayrton Senna, pois ele foi ao seu funeral, em São Paulo. Ginny chegou a dizer-lhe para que "não te atrevas a chorar" no dia do seu funeral, mas ele confessou que ainda se sentia responsável após esse tempo todo, pois para ele, aquilo teve tanto impacto quanto o acidente mortal de Piers Courage, 24 anos antes.

E foi esse "stiff upper lip" que os guiou na vida, especialmente quando Williams sofreu o seu acidente de estrada e esteve à beira da morte por diversas vezes. E isso é contado dessa maneira por uma das testemunhas, Peter Windsor, pelos pilotos presentes, como Nelson Piquet e Nigel Mansell, e por engenheiros e projetistas como Patrick Head e Frank Dernie.

Ali também se fala sobre o seu momento mais baixo do automobilismo. Em 1976, a equipa foi comprada por Walter Wolf, que o chamou de Wolf-Williams, e depois, no verão desse ano, Wolf o despediu. Sete semanas depois de ter sido impedido de entrar nas instalações da sua equipa de então, Jody Scheckter venceu o GP da Argentina, e Ginny disse que odiou esse dia, porque sentira que essa vitória lhe tinha sido injustamente tirada. E que Frank estava com uma depressão, do qual só saiu quando surgiu Patrick Neve e um patrocínio de 185 mil libras da cerveja belga Belle-Vue, o suficiente para comprar um March e iniciar a sua segunda vida como construtor. E depois, os sauditas, Patrick Head e o resto é história.

Não há propriamente um seguimento cronológico das coisas, pois tudo está presente na sua vida: o seu acidente que mudou a vida, as gravações de Ginny para fazer "A Diferent King of Life", a biografia que escreveu sobre Frank, e as poucas emoções que ambos emanavam, mas que por dentro, mostravam ser um casal poderoso. Tudo isto entrecotado com imagens da equipa atual na temporada de 2015, e das dificuldades em chegar ao topo, de onde já esteve, pois como se sabe, agora são uma equipa do meio do pelotão, a par de um Force India, por exemplo.

É um documentário honesto, tão honesto que tem marcas de brutalidade, especialmente quando Dernie e Head fazem descrições de Mansell, por exemplo. Nada fica para trás: a luta que Ginny teve para o salvar a sua vida, depois do seu acidente, em 1986, de como o cuidou na sua reabilitação (por mais de uma vez, ele esteve à beira da morte), fala-se da má relação entre Claire e Jonathan, que hoje em dia toma conta do departamento de herança da Williams (os clássicos), as indiscrições de Frank fora de pista, as relações difíceis com alguns pilotos, a sua obsessão pelo automobilismo, ao ponto de nunca ter passado férias com a familia... tudo.

Em suma, vale a pena ver, não só para para conhecer o "tio Frank", mas também a extraordinária familia que está por trás disto. É tão bom como "Senna" e arrisca a ficar na história como um dos filmes que todo o automobilista deve ver no futuro, como "Le Mans", "Grand Prix" ou "Rush".

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