quinta-feira, 9 de maio de 2019

Como está, é uma tarefa impossivel

O Brasil é governado por incompetentes? Depende da perspectiva. Se quiserem, de uma certa forma, pergunto a mim mesmo quando é que foi governado de modo eficaz. Mas digo isto por causa do acordo que ontem foi anunciado, afirmando que o GP do Brasil irá para o Rio de Janeiro em 2020, em substituição de São Paulo, onde corre em Interlagos desde 1990.

Segundo falam, os custos de construção da pista, no Parque Deodoro, estão orçados em 850 milhões de reais (192 milhões de euros), e segundo falam, ai ser tudo feito em sete meses. Daí falarem que em 2020, haverá pista.

Há alguns problemas nesse acordo, O primeiro dos quais é óbvio: o Rio... não tem autódromo. Jacarépaguá foi arrasada em 2012 para dar lugar ao parque olímpico, que foi construído para os Jogos de 2016, apesar dos protestos dos automobilistas. Fala-se desde então num autódromo no Parque Deodoro, uma antiga instalação militar, mas desde então não houve nem obras de limpeza no local. Em suma, é algo do qual "para carioca ver".

Segundo, os representantes falaram que a transferência para o Rio tinha a ver com uma alegada dívida que o Circuito de Interlagos têm, envolvendo participação pública. Na verdade, segundo conta o site Grande Prêmio, a SPTuris, que gere Interlagos, não há dívidas nas contas, e até estão a gastar cerca de 2,1 milhões de reais (481 mil euros) para reformar as boxes do autódromo. Logo, estão a usar dados falsos para justificar a retirada antecipada do contrato atual. E nem a estrutura dirigente da Formula 1 sabe disto. 

Este acordo é cómico, mas pode ser trágico. Por vários motivos. O acordo afirma que o autódromo será construído nesse local, com dinheiro privado, e em 2020, a Formula 1 estará lá. Mas... sem autódromo, sem plano de construção e financiamento, e atropelando os acordos atuais, poderá fazer com que a Formula deixe de ir ao Brasil, lugar onde vai desde 1973. Neste momento, o acordo que tem assinado vai até 2020, no Autódromo José Carlos Pace, em São Paulo, e também calha no mesmo ano onde terminam os acordos com a Rede Globo de Televisão, que são lucrativos e garantem ao Brasil que pode ver as corridas em sinal aberto, algo cada vez mais raro de se ver um pouco por todo o mundo.

Rasgar todos os acordos - apesar do governo dizer que "as negociações estão avançadas" - é contraproducente. E revela também imenso desconhecimento de como as coisas são feitas no mundo da Formula 1.

Primeiro que tudo: a Formula 1 não constrói autódromos. Nunca construiu e nunca construirá. Todos os autódromos onde Bernie Ecclestone trouxe a Formula 1, na Ásia, foram construídos por estados. Seja ele o estado central ou governos locais, foram eles que o fizeram. Aliás, fizeram quase tudo, a troco de quase nada, pois a Formula One Management, por exemplo, tinha direitos sobre a publicidade estática dos autódromos. Os donos dos circuitos podiam cobrar os bilhetes e pouco mais. Tudo o resto ia para a FOM. E ainda cobrava valores altos para receber a Formula 1 por ano. Os países árabes recebem a Formula 1 a troco de 60 milhões de dólares por ano, porque tem dinheiro. E são os governos que constroem e pagam para os receberem porque os seus bolsos são muito fundos. Ora, o governo do estado do Rio de Janeiro... está falido. A cidade está falida, tem os seus próprios problemas - o crime está a ficar sem controlo, e os governantes tem dificuldades em controlá-la - onde é que vão arranjar dinheiro para pagar todos os anos para receber a Formula 1 no Brasil? 

Até posso falar de um exemplo que conheço bem, porque segui de perto a obra. O Autódromo de Portimão foi construído entre o inicio de 2007 e o final de 2008, com boa parte do dinheiro a ser privado. Irlandês, para ser mais preciso. O governo fez do autódromo um projeto de interesse nacional, ou seja, havia prioridade nos dinheiros investidos e facilidades burocráticas. Mas houve algum investimento local, nomeadamente da câmara municipal de Portimão. O projeto custou, ao todo, cerca de 240 milhões de euros e era abrangente: autódromo, kartódromo, um complexo de vivendas de luxo e hotéis de cinco estrelas. O autódromo foi inaugurado em novembro de 2008 debaixo de fanfarra... e no preciso momento em que rebentava a bolha financeira na Irlanda. Resultado? A firma de investimento faliu, os bancos que o financiaram foram resgatados, e a firma por trás do autódromo teve de pedir proteção contra os credores para evitar entrar em falência. E a câmara de Portimão é, per capita, uma das mais endividadas do país. O autódromo já está melhor em termos de finanças, mas em muitos aspectos, foi um buraco negro.

E pior: o grande objetivo, a Formula 1, não foi alcançado.    

Mas também, de tantas promessas de erguer um autódromo, até agora, os cariocas não viram nada. Ter um contrato até pode ser um estímulo para que a pista seja construída, mas temos que seja algo "para inglês ver". Fala-se que existem muitos obuses por explodir (aquilo foi um antigo campo de tiro), e até nesse aspecto, pode demorar um ano para tirar tudo. Pensando que para construir uma pista, pode demorar outro ano, mesmo que comece amanhã, se calhar lá para o final de 2021 tudo poderá estar pronto. 

Mas no final, na melhor das chances, São Paulo poderá ficar com a Formula 1 por muitos e bons anos. Na pior, a Formula 1 pode sair do Brasil para não mais voltar.

Post-Scriptum: Segundo conta o Américo Teixeira Junior, o atual contrato com Interlagos tem uma clausula de opção que vai até 2025, e e há relativamente pouco tempo, ela foi acionada pela Perfeitura de São Paulo. Logo, toda esta história do Rio receber a Formula 1 em 2020 tem tudo cara de "fake news".

1 comentário:

Unknown disse...

Segundo alguns rumores, querem dar o nome de Ayrton Senna ao hipotético circuito no Rio. Seria um pouco esfregar ainda mais sal na ferida, uma vez que Senna era nativo de São Paulo, de ondem querem tirar o GP.

No passado, diziam os rumores também, que o GP saiu do Rio (Jacarepaguá) para Sâo Paulo (Interlagos) no inicio dos anos 90, porque o piloto brasileiro principal tinha passado de Piquet para Senna.