segunda-feira, 15 de junho de 2020

A imagem do dia (II)

A "estória" das 24 Horas de Le Mans de 1980 foi um misto de sortes e azares, mas o resultado ficou na História, com H grande. Ali, a ambição de um francês se tornou real, e ao consegui-lo, bateu uma lenda do automobilismo em geral e da própria Endurance e de Le Mans em particular.

Desde 1975 que Jean Rondeau queria vencer em Le Mans com o seu próprio carro. O tempo dos construtores já tinha ido há muito, e por ali era com construtores, com tudo de fábrica, feita de modo profissional, e pagando bem aos seus pilotos. Porsche, Ferrari, Matra, e outros, tinham feito a sua parte nesta história, mas Rondeau era diferente. Era jovem, ambicioso e uma obsessão em mente.

Quando no final de 1975, as equipas francesas decidiram ir embora da Endurance, achou que ele deveria pegar no bastão que tinham deixado cair (havia a Renault, mas eles já tinham outros objetivos em mente). E ele decidiu construir um carro baseado nos regulamentos do Grupo 6, com motor Ford Corsowrth DFV V8 de 3 litros, igual aos da Formula 1. Em 1976, venceu a classe GTP, com o Inaltera (nome do seu patrocinador), com Henri Pescarolo e Jean-Pierre Beltoise ao volante, sendo oitavo na geral.

Nos anos seguintes, e com os novos modelos, as coisas melhoraram. Em 1979, com os pilotos de ralis Jean Ragnotti e Bernard Darniche ao volante, acabou em quinto na geral, mas o que queria, acima de tudo, era vencer na sua prova. Afinal de contas, ele tinha nascido ali, em Le Mans, a 13 de maio de 1946.

Em 1980, alinhou dois carros. Ele guiaria ao lado de Jean-Pierre Jassaud, que vencera dois anos antes no Alpine-Renault A442, ao lado de Didier Pironi, enquanto no outro bólido, estariam Henri Pescarolo e Jean Ragnotti. Outro Rondeau estaria na pista, mas era belga, guiado pelos irmãos Jean-Pierre e Phillipe Martin, bem como o britânico Gordon Spice.

Foi um duelo entre carros do Grupo 6 e os do Grupo 5, especialmente os Porsche 935. Contudo, eles tinham um nesse grupo 6, com as cores da Martini e guiado pela dupla Jacky Ickx e Reinhold Joest. Era oficialmente um 908/80 - batizado de Franken-Porsche pelos jornalistas - mas na realidade era um chassis 936 de 1977, do qual trocaram de placas, dizendo que era um 908. 

Foi um fim de semana chuvoso. Ickx deixou andar, para evitar ficar cego no "spray" dos outros carros e esperar que o tempo melhorasse. Na frente, os 935 mandavam, primeiro a ser John Fitzpatrick. A seguir, um BMW M1 guiado por outro rei da chuva, Hans-Joachim Stuck. Rondeau não estava longe dos da frente. Pouco depois, a chuva passou e Joest, que tinha ido para o lugar de Ickx, estava na frente, depois do belga ter feito o trabalho de recuperação.

Foi à noite que o duelo começou. Rondeau estava na sua cola e foi para a frente quando uma peça do sistema de injeção de combustível - uma correia - se partiu no carro de Ickx. As reparações demoraram 15 minutos, e voltou no segundo lugar. O belga acelerou e por volta da uma da manhã, já tinha em vista as luzes do Rondeau. Ele lá passou, mas a liderança trocou diversas vezes por causa dos reabastecimentos a da troca de pilotos. Ao amanhecer, o Porsche parecia que tinha a vitória na mão...

Parecia, mas pelas 10 da manhã, a sua caixa de velocidades quebrou. A troca foi rápida, mas eles não estavam suficientemente distantes do seu rival e este passou calmamente para o comando, chegando a ter três voltas de avanço. Tudo indicava que a história iria ser feita, mas iria haver mais um episódio quando... voltou a chover. 

Ali, Ickx passou ao ataque, colocando pneus de chuva, apesar desta não ser tão intensa. Jassaud manteve os slicks, porque ainda conseguia navegar em algumas partes do circuito. O belga conseguiu "comer" uma volta, mas o tempo esgotava. Na última volta, a chuva aumentou e Jassaud despistou-se. Parecia que o sonho iria acabar ali, mas ele não conseguiu danificar o carro. Perdeu tempo, mas ele iria cortar a meta no primeiro lugar. O sonho que Rondeau perseguiu por toda sua vida tinha-se concretizado. O lugar na história era dele.

Jean Rondeau morreu em dezembro de 1985 num acidente quando o seu carro ficou preso numa passagem de nível e foi colido por um comboio. Os seus carros andaram até 1988 na prova que mais amava, e quase todos estão em museus e coleções privadas. Contudo, há precisamente 40 anos, vivia a sua melhor hora. 

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