quinta-feira, 31 de dezembro de 2020

Sobre este ano para esquecer


Pessoalmente, a última vez que tive vontade de "pegar num ano" e dar "um chuto no traseiro" foi em 1998. Comecei esse ano com uma apendicite, que depois resultou numa peritonite grave, que afetou os meus intestinos. De meia dúzia de dias, acabei com um mês e meio, incluindo duas semanas nos Cuidados Intensivos, a lutar pela vida, com tubos por quase todos os buracos possiveis. Ter um tubo na uretra não é uma coisa fácil de se ter, mas como não podia levantar e ir à casa de banho, fazer as necessidades, foi um mal necessário. 

Mas afetou-me. Perdi doze quilos, e recuperar a minha normalidade durou muito tempo, quase três anos, até que - paradoxalmente - uma nova operação para tirar trinta centímetros de intestino delgado, fez resolver em grande medida o meu problema de saúde. Até lá, tanto entrava como saía do hospital, por vezes três semanas de cada vez, e viver um dia como se fosse uma benção. Porque a normalidade tornara-se num desejo, numa ilusão. 

Quando voltei a ter isso, tive uns quatro ou cinco anos muito bons, muito felizes, e conheci pessoas que ficaram no meu coração para o resto dos meus dias. E voltei a ter esperança.

Porque conto todo este pormenor pessoal? Porque nunca pensei que, 22 anos depois de um dos piores anos da minha vida, vivesse um ano tão pior como esse. E não fui afetado pessoalmente porque me cuidei. Nunca pensei que passasse por um ano de pandemia, onde as nossas vidas ficassem de cabeça para baixo, que tudo aquilo que conseiderávamos como habituais ou corriqueiros, de repente se tornasse num luxo. As nossas rotinas alteradas, as nossas coisas favoritas a serem adiadas ou canceladas, estar num grupo passou a ser perigoso. 

E a mesma coisa aconeceu na nossa modalidade favorita, o automobilismo.

Poucas foram as coisas que vi acontecer inalteradas. Talvez o Rali de Monte Carlo, porque é em janeiro, numa altura em que a pandemia não era grave, estava restrita à China, e as 24 Horas de Daytona. O resto foi alterado ou cancelado. Não tivemos o GP do Mónaco, a temporada de Formula 1 foi interrompida a horas de começar. Indianápolis e Le Mans aconteceram noutra data, o automobilismo parou por três meses, para ver se o pior da pandemia passava, e quando recomeçou, nunca tivemos tanta vontade de voltar a vê-los de novo. Os carros à volta dos circuitos, os pilotos a competirem na realidade e não virtualmente... voltar a vê-los de novo foi uma vitória. E num novo calendário onde se assitiu ao regresso da Formula 1 a Portugal, mais concretamente ao Autódromo de Portimão, uma estreia absoluta. Demorou doze anos, mas foi uma pandemia que deu a aquele autódromo a chance de se estrear na categoria no qual foi construida. E perante espectadores, momentos antes da segunda onda da pandemia colocar tudo na estaca zero. 

E quando voltou, as coisas regressaram de modo tão veloz como dantes. E pelo menos no meu canto, vi coisas que não esperava ver: alguém como Filipe Albuquerque ganhar um título de categoria quer no WEC, quer nas 24 Horas de Le Mans, ver outra pessoa como António Félix da Costa vencer um campeonato como a Formula E, batendo o seu companheiro de equipa, Jean-Eric Vergne, quer ants, quer depois da interrupção devido à pandemia. E venceu com categoria! 

E por fim, no MotoGP, ver Miguel Oliveira triunfar em duas provas, uma delas em casa, dominando do principio ao fim. A grande tristeza é que foi perante um autódromo vazio. 

Claro, também houve outras tristezas, de gente desaparecida, desde Stirling Moss até Rafaele Pinto, passando por John Paul Jr, Ron Tauranac, a outra metade da Brabham, e Tino Brambilla. Por aqui, perdemos logo no inicio do ano Paulo Gonçalves, no meio do Dakar saudita, Inverno Amaral, campeão de ralis em 1987, e o nosso pioneiro da Formula 1, Mario de Araújo Cabral, o nosso popular "Nicha". Assustamo-nos com Romain Grosjean, no Bahrein, e celebramos a vitória da tecnologia, que o salvou, e também com Alex Zanardi, que teve um acidente grave num passeio nos arredores de Siena, mas vimos que ele conseguiu recuperar o suficiente para ter alguns movimentos. Resta saber até que ponto. 

O que quero para 2021? Essencialmente, que voltemos ao normal. Seria a nossa grande vitória. Largar amarras, voltar a ter a liberdade de conviver, sem obstáculos ou limites. Vacinados e a ver tudo a voltar ao que era dantes. Ver corridas nos dias indicados, e as emoções a acontecerem na pista e não fora dela. Acho que termos mais do que isso será a nossa grande vitória e o nosso regresso à vida.

Dito isto, desejo-vos um Feliz 2021 para todos vocês!

1 comentário:

Guilherme disse...

Feliz Ano Novo com muita saude para voce e os seus. Um grande abraco,

Guilherme Rosa