domingo, 19 de junho de 2022

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Exemplos de atores a correr não faltam por aí. Já falei muito de Steve McQueen e de Paul Newman, mas não foram só americanos a tentarem o volante. Outras nacionalidades também tentaram a sua sorte, e este até tem "pedegree" para isto. 

Nestas 24 Horas de Le Mans de 1980, a Kremer Racing inscreveu três Porsche 935, dois oficiais. O numero 41, pilotados pelos americanos Danny Ongais e Ted Field, e o francês Jean-Louis Lafosse, e o número 42, guiado pelos alemães Rolf Stommelen e Axel Plankenhorn, mais o japonês Tetsu Ikuzawa, e um oficioso, o número 43, que era do Team Maladreau, guiado pelos franceses Anne-Charlotte Verney, Xavier Lapeyre e Jean-Louis Trintignant

Dos três, nenhum chegou ao fim, e o número 43 foi o que esteve mais tempo em pista, pois uma falha na transmissão, na 18ª hora, o obrigou a abandonar a corrida. Se Verney foi uma das mais versáteis mulheres-piloto do seu tempo, Trintignant foi um dos melhores atos da sua geração. Mas não era um corpo estranho no automobilismo, bem pelo contrário: carregava um dos mais conhecidos apelidos em França, e alguns dos seus papéis mais memoráveis tinham como cenário o automobilismo.

Nascido a 11 de dezembro de 1930, Trintignant era sobrinho de Louis e Maurice. Do primeiro, pouco ou nada deve ter visto, porque morreu quando testava o seu Bugatti em Peronne, tinha ele três anos. De Maurice, viu mais: chamado "Le Petoulet" - apelido que ganhou porque quando foi buscar o seu Bugatti no celeiro onde tinha estado durante a guerra para participar na Coupe de La Libertation, em setembro de 1945, o escape estava entupido por causa de... caganitas de rato - ele teve uma carreira bem longa, quase chegando aos 50 anos a competir, e entre as suas maiores conquistas ficaram dois GP's do Mónaco e uma 24 Horas de Le Mans, bem como 15 temporadas na Formula 1, de 1950 a 1964.

Jean-Louis não foi piloto de automóveis, mas gostava de correr. E como não queria ser advogado, virou-se para o cinema e o teatro, aquilo do qual gostava. Teve os melhores realizadores franceses do último meio século, desde Roger Vadim a Jean-Pierre Jeunet, e também alguns excelentes realizadores europeus, sobretudo Costa-Gavras, Bernardo Bertolucci, Ettore Scola ou mais recentemente, Michael Hanecke. E claro, filmes marcantes como "Z", "O Conformista" e "Amour".

Mas há um realiador e um filme que vale a pena falar, porque envole o automobilismo: "Une Homme et Une Femme", de 1966, realizado por Claude Lelouch, com Trintignant como piloto de automóveis - há cenas dele guiando um Ford GT40 em Le Mans e Montlhéry - que encontra Anouk Aimée, e se apaixonam. O filme foi um enorme sucesso na altura e teve sequelas: em 1986, ambos se reencontram, com ele como um dos organizadores do Rally Dakar - há uma participação especial de Thierry Sabine, o fundador da prova, e que acabaria por morrer num acidente de helicóptero no Mali - e em 2019, com "Os Melhores Anos da Vida", praticamente o último filme que Trintigant fez, já quase nonagenário, e com uma segunda vida como ator, depois de "Amour". 

Mas há mais filmes marcantes com ele ao volante, ou no "banco do pendura": em 1962, tinha atuado em "Il Sorpasso", de Dino Risi, onde ele percorre meia Itália num Lancia Aurelia branco descapotável e durante esse tempo conhece o seu condutor, Bruno, personagem interpretada por Vittorio Gassman. Personalidades contrastantes - um é tímido, outro é expansivo - fica a conhecer que o seu condutor está a escapar dos problemas de casamento e de uma família que começa a ser disfuncional para ele. E quanto ao título? Traduzido, significa "A Ultrapassagem". Essencialmente é a maneira como os italianos queriam ultrapassar os carros naquele tempo: manobras agressivas e potencialmente perigosas para passar camiões, por exemplo.

Jean-Louis Trintignant, um dos atores franceses mais significantes dos últimos 60 anos, morreu na sexta-feira aos 91 anos. Foi um ator que gostava muito de carros e conduzia bem. Ars longa, vita brevis.

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