terça-feira, 5 de julho de 2022

A imagem do dia


Aqueles que nascem em berço de ouro tem a chance de escolher o que fazer da sua vida. Seguem uma paixão e ele não os largará enquanto existirem na face desta Terra. E por vezes, conquistam uma fama que os faz abrilhantar ainda mais o seu berço de ouro. Alan de Cadenet é um desses exemplos: filho de um inglês e de uma francesa, apaixonou-se pelo automobilismo e marcou uma época em Le Mans, há quase meio século.

Contudo, até ao dia em que viu uma namorada sua trocá-lo por um piloto, a sua paixão era outra: fotografia. Nascido a 27 de novembro de 1945, o seu pai era tenente na Força Aérea Francesa - mais tarde, o filho seria proprietário de um Spitfire - aproveitou os "Swinging Sixties" em Londres e andava a fotografar tudo que tivesse a ver com moda e música. E até teve algum sucesso - uma das suas filhas seguiu-o nessa profissão - mas no dia em que esse incidente ocorreu, começou a interessar-se pelo automobilismo, nem que fosse para ter vantagem sobre a concorrência masculina. Teve sucesso... mas nem sempre. Cadenet contou certo dia que, correndo ao volante de um Bristol AC, apareceu uma mulher que ficou encantado por ele e o convidou para passar na sua casa. Contudo, quando lá foi, descobriu que Mike Hailwood, um dos poucos pilotos que se deu bem nas duas e quatro rodas, tinha lá chegado antes!

Mas o bichinho do automobilismo tinha mordido, e no final dos anos 60, na casa dos seus vintes, já corria em eventos de Endurance e GT's, ganhando troféus e dinheiro, nada de especial para quem tinha uma boa fortuna. Contudo, quando não conseguiu comprar um Ferrari 312PB à fábrica, decidiu que o melhor seria construir o seu próprio chassis. Isso passou-se em 1972, e com o seu amigo Chris Craft, que já tinha inscrito para duas corridas de Formula 1 no ano anterior num velho Brabham BT33, recorreu aos serviços de um jovem Gordon Murray para desenhar o seu primeiro De Cadenet. Ele fez o carro nas horas vagas, porque o seu trabalho principal era o de desenhar chassis para a Brabham.

Com base Lola, o T380, o carro entrou na edição de 1975 com ele a guiar, mais Chris Craft. Um dos melhores exemplos de "gentleman driver", acabou na 14º posição, e terceiro na sua classe, o de 3 litros. Encorajado com essa prestação, regressou em 1976 com o mesmo chassis e com Craft a seu lado. Tudo isso contra Porsches, com o 936 e os Alpine-Renault, com o A442 Turbo. De Cadenet mostrava-se como construtor privado, é certo, mas do outro lado do canal, outro seguia os seus passos: o francês Jean Rondeau, que como ele, também guiava os seus chassis.

Num fim de semana de muito calor - o verão de 1976 iria ser o mais quente até então - os Alpines e Porsches iam para a frente, mas logo a seguir, o carro de De Cadenet seguia-os, não muito longe. Ao fim de uma hora, eram quintos, e beneficiavam com o calor, que dava cabo dos Porsches e dos Alpines, mas também dos Rondeau. E pelas nove da noite, o Datsun 260Z do suíço Andre Haller despistava-se e pegava fogo, causando ferimentos fatais para o piloto, apesar da pronta assistência dos bombeiros e dos comissários de pista.

A meio da corrida, o carro era quinto, onze voltas do líder, o Porsche 935 de Jacky Ickx e de Gijs Van Lennep, passando entre os pingos de chuva - leia-se, problemas mecânicos e as armadilhas da pista - e pela manhã, quando parou nas boxes para trocar de pneus, um parafuso preso fê-los perder oito minutos, mas não os lugares da frente. O terceiro lugar era deles, mas quando o Mirage de Francois Migault e Jean-Louis Lafosse perdeu a tampa, na última hora da corrida, as chances de chegarem ao segundo lugar começaram a ser reais. Contudo, não foi suficiente, apesar de terem ficado a uma volta do segundo posto.

Mas aos 30 anos, De Cadenet tinha conseguido um grande feito: um pódio com o seu próprio carro. Contudo, nos anos seguintes, esse feito foi ofuscado por tudo o que alcançou Jean Rondeau, culminando com a sua vitória na edição de 1980, com o seu próprio carro. Nesse ano, De Cadenet, ao lado de Francois Migault, num outro chassis seu, acabou em sétimo lugar. Ele iria correr até 1986, e pelo meio, ainda iria ganhar corridas no Mundial de Endurance, como os 1000 km de Silverstone e as Seis Horas de Monza, ambos em 1980, e ao lado da "Raínha Africana", a sul-africana Desirée Wilson.

Mas De Cadenet - falecido na Califirnia no passado sábado aos 76 anos - foi muito mais do que um gentleman driver. Era um apaixonado por tudo que lhe interessava. Colecionou Alfa Romeos, apresentou programas de televisão, foi conselheiro da Royal Mail em relação à sua coleção de filetelia - foi um filatelista apaixonado. Os seus filhos, um, Alexander, se tornou escultor e artista de vanguarda e a filha, Alexandra, se tornou fotógrafa e apresentadora de televisão. 

Nos últimos anos, a sua figura era presente em eventos de automóveis antigos, especialmente os "concours" de sítios como Pebble Beach e Amelia Island, nos Estados Unidos, e em Goodwood, no Reino Unido, onde entretinha todos com o seu charme, a sua capacidade de contar boas histórias e os seus enormes conhecimentos das coisas que amava. Um verdadeiro "homem da Renascença", apaixonado por tudo o que tocava, como não existe mais. Ars longa, vita brevis, Alain.  

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