terça-feira, 19 de setembro de 2023

A(s) image(ns) do dia




Se anteriormente, falei sobre o triunfo de Nigel Mansell na CART americana, hoje falo no "fracasso" que foi a passagem de Michael Andretti na Formula 1, no carro da McLaren. Apenas sete pontos e um pódio - ironicamente, na sua última corrida, em Monza, dias antes de ser dispensado e substituído por Mika Hakkinen - tudo num carro onde Ayrton Senna conseguiu 53 pontos e três vitórias, na altura em que o americano foi dispensado. 

De uma certa maneira, afirmar que Andretti filho não era um grane piloto é um erro. Tinha talento, mas quando a cabeça não está no lugar, e o ambiente não é favorável, não interessa muito se conseguisse fazer magia com o carro. Aliás, o pai, Mário Andretti, disse anos depois a Marshall Pruett, um dos míticos jornalistas da Road & Track americana, um resumo do que foi a sua passagem pela McLaren:

"A melhor maneira para resumir a situação é que ele chegou na melhor equipa do campeonato na pior altura possível", ele afirmou, em 2018.  

E era verdade. A McLaren ficara sem os motores Honda, que lhe deram quatro títulos de pilotos e outros tantos de Construtores. E pela primeira vez em mais de uma década, era obrigado a andar com motores cliente, neste caso os Ford de oito cilindros, cujo cliente principal era a Benetton, que nessa altura tinha um jovem prodígio chamado Michael Schumacher, do qual esperavam grandes feitos. Mas Senna - e o MP4/8, diga-se de passagem - eram capazes de tirar alguns coelhos da cartola, capazes de disfarçar a sua inferioridade perante o Williams FW15C, que toda a gente sabia ser o melhor chassis do campeonato, e o Benetton B193.

Mas toda a gente julgava que Senna não fosse competir em 1993 na McLaren. Sequer na Formula 1. Tinha feito o teste na CART, com um Penske, em Phoenix, e se falava que só queria competir na Williams, numa espécie de "tudo ou nada". No final, as coisas foram resolvidas em cima da hora, com a McLaren e a Marlboro a darem um milhão de dólares por corrida ao brasileiro, e depois um contrato até ao final da temporada. 

A equipa estava aliviada, mas o grande prejudicado era... ele. Afinal, tinha sido contratado para quê? 

Pediam a Andretti que se assentasse de imediato, e isso... nunca teve muito desse espírito. Para piorar as coisas, a Formula 1 em 1993 era altamente eletrónica. Para alguém como ele, era um outro mundo, porque na CART, era tudo analógico. E nesse ano, tinha entrado a regra de que os pilotos tinham um máximo de 23 woltas para andar nas sessões de treinos em todos os fins de semana de Grande Prémio. E para quem não conhecia os circuitos, era muito pouco. 

Também atiraram para ele a ideia de que fazia como o pai, que entrava e saia de aviões, em travessias transatlânticas. Aparentemente, não queria morar na Europa. Andretti, anos depois, afirmou que isso era um disparate completo.

Não teria feito nada”, começou por afirmar. “Não, não teria feito nada. As pessoas não têm qualquer noção [do que se passou]. Eu mesmo estando lá – em primeiro lugar, quando eu estava lá [na McLaren], eles diziam ‘está tudo bem, podes ir embora’, quando eu estava na oficina, sabe? Então o que eu ia fazer? Girar meus polegares? Nunca saí do fuso horário quando estaria lá… graças a Deus pelo Concorde porque eu poderia estar lá, de uma ponta a outra, em seis horas.

E pensava, você leva tanto tempo [guiando] dali até ao Mónaco, então não houve problema lá. Eu simplesmente rio quando vejo as pessoas [fazerem essa afirmação]. Eles são tão sem noção. Mas eles adoraram usar isso. Essa é a desculpa que todo mundo usa, mas ninguém sabe a verdade sobre tudo o que aconteceu.

E para piorar as coisas, puro azar. Os seus acidentes nas três primeiras corridas do ano - menos de duas voltas em Kyalami, Interlagos e Donington Park juntos! - só piorou as coisas para o seu lado. E a pressão acumulou-se, claro. Porque do outro lado existia o terceiro piloto, Mika Hakkinen, que andava a testar as máquinas que atiravam para ali - foi na altura no 12 cilindros da Lamborghini, por exemplo -  e cedo começou a afirmar que era um talento a ser desperdiçado, depois das duas temporadas que tinha passado na Lotus.  

Claro, ninguém via o resto. Apesar de ser sempre batido por Senna na qualificação, nunca ficava longe dele, e o quinto lugar final em Barcelona parecia ser um bom resultado. Mas quando ele alcançava os seus primeiros dois pontos, já o brasileiro tinha... 32.

No final, é irónico que a sua grande corrida tenha sido em Monza, numa pista onde 11 anos antes, o seu pai também tinha acabado nessa mesma posição, num Ferrari, e numa corrida onde ele andou sem cometer erros, onde - ironicamente - a corrida do seu companheiro de equipa acabou na oitava volta na traseira do Ligier de Martin Brundle na travagem para a variante Roggia. 

E sobre o resto, o seu pai explica sucintamente o que é que foi a sua passagem pela Formula 1: um luxo muito caro.

Ele foi para lá, contratado pelo Ron Dennis porque o Ayrton Senna estava de saída, mas o negócio não estava fechado. Além disso, ele contratou Mika Hakkinen da Lotus. Na época, pegou [Hakkinen] basicamente de graça. E como o acordo do Ayrton com a Williams ainda não tinha amadurecido na época, o Ayrton vai ficar e você tem dois pilotos bem pagos por lá, mais um terceiro piloto, um bom, quase de graça, sem fazer nada. Quase no minuto em que a temporada começou, Michael estava em uma posição muito difícil porque ele era o indesejado, sem dúvida.

Hoje em dia, 30 anos depois do que aconteceu e sabendo das suas ambições de ter uma equipa na Formula 1, passa-me sempre pela cabeça que Andretti junior, um dos melhores pilotos que a América mostrou, filho de campeão, e um dono de equipa bem sucedido na IndyCar, Formula E e na IMSA, tem alguns assuntos por resolver na categoria máxima do automobilismo.      

Sem comentários: