quarta-feira, 1 de maio de 2024

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Quando as coisas acontecem, então se forem acidentais, as pessoas querem entender o porquê. Hoje em dia, todos sabemos que, de acordo com a lei italiana, aquele Grande Prémio não poderia ter continuado depois do acidente mortal de Roland Ratzemberger. Se tivessem feito isso, Ayrton Senna teria saído vivo de Imola. 

Mas isso sabemos agora. Mas ninguém coloca esta questão: quantos e quantos não teriam contestado a decisão de cancelar a corrida, caso tivesse acontecido o sábado, 30 de abril? Quantos não teriam falado que "esse Ratzenberger, quem era ele par cancelar uma corrida?". Poderiam não ter sido muitos, mas garanto que teriam falado. 

A data é hoje, mas já andei a ler nesse mundo que é as redes sociais, gente a afirmar que os eventos de Imola como "o maior crime do automobilismo" (as aspas são minhas). Há gente que quer um culpado, um mau da fita, alguém para apontar e chamar de "assassino" e outras coisas mais. 

Sejamos honestos: não foi um crime. Foi um acidente. Trágico, mas não passou disso. Qualquer coisa para além disso não existe, e quem procure alguma explicação nesse sentido faz por má-fé. 

Temos de encarar o que aconteceu como se encaram os acidentes aéreos. Porque, primeiro, não há uma coisa, há muitas causas. E segundo, com o esmiuçar do acidente, tem de se compreender o que aconteceu e depois, aconselhar e recomendar as mudanças necessárias para que se aprendam e evitem mais acidentes no futuro. Assim é muito mais eficaz que apontar este e aquele como culpado e colocar numa prisão por determinado tempo. Se fosse assim, não aprenderiam nada, os erros persistiam e mais pessoas morreriam. 

Muitos querem apontar culpados na Williams: Adrian Newey, Frank Williams, Patrick Head. Nenhum deles é, porque primeiro, sabem que é perigoso. E segundo, ninguém constrói máquinas para matar ativos importantes como os pilotos. Os carros de Newey tem fama de serem super-apertados. Conto uma história dos tempos da March. Quando foi apresentado o CG89, Ivan Capelli, o sue piloto, entrou no carro para fazer o seu shakedown, e saiu algumas voltas depois, com sangue nos cotovelos, porque sempre que trocava de caixa de velocidades, batia com ele no chassis. Ao fim de algum tempo, a dor era tal que teve de parar.

É assim que se deve entender porque é que a barra de direção foi modificada. As mãos roçavam no chassis quando virava no carro. Ele queixou-se. E toos sabiam que o piloto, para ser eficaz, precisa de estar totalmente concentrado na corrida, logo, qualquer incómodo é uma distração. Mexer na barra de direção era mais fácil e mais rápido que alargar o chassis - existiu uma modificação a meio do ano, o FW16B, e Senna sabia que isso iria acontecer. Com o tempo, no sitio da reparação apareceu uma fratura, que alargou gradualmente. 

Mas em Imola, não estava numa situação critica. Para acontecer, houve um outro fator. E esse aconteceu na partida do Grande Prémio. Quem se recorda, sabe que o Benetton de J.J. Letho ficou parado na grelha, e momentos depois, foi atingido em cheio na traseira pelo Lotus de Pedro Lamy. Destroços espalhados, e o Safety Car entrou na pista por seis voltas. Nesse tempo, todos os carros tinham fundo plano, para evitar o efeito-solo. Ao circular a uma velocidade baixa - cerca de 100 km/hora - a pressão dos pneus baixou o suficiente para aproximar ainda mais os carros do solo, forçando-os a bater no asfalto. E na entrada da curva Tamburello, existia uma camada que tinha sido reasfaltada, e tinha uma diferença de pouco menos de um centímetro para cima. É pouco, mas com o carro ainda mais abaixado, rasparia no chão, causando mais faísca. 

O resto é o que se sabe: um carro mais rápido, muito mais perto do solo, um ressalto que faz alargar uma racha que se tornou critica, ao ponto de ele não responder. 

Mas mesmo assim, poderia ter-se safado. E há exemplos anteriores de gente que bateu forte e saiu incólume: Nelson Piquet, Gerhard Berger, Michele Alboreto. No caso do Berger, cinco anos antes, até o chassis incendiou-se, por causa de uma rutura do depósito de gasolina, algo que só voltaria a ver mais de 30 anos depois, no Bahrein, com Romain Grosjean. O azar dos azares foi a barra de proteção da suspensão, que penetrou no capacete. 

E a conclusão é esta: se não tivessem mexido na barra de direção, Senna estaria vivo. Verdade. Mas se não tivesse havido o acidente na partida, Senna estaria vivo. E se não tivesse batido na Tamburello, Senna estaria vivo. Se a barra de direção tivesse quebrado na Tosa, ele sairia incólume, e estaria a ver Schumacher a ganhar, com o alemão a comemorar 30 pontos no campeonato e ele, zero. E ele a sair do circuito a ser ainda mais assediado por jornalistas e fãs para saber o que estava a acontecer. E se calhar, a colocar tudo em dúvida. 

Hoje em dia, Adrian Newey, no seu livro "How to Build a Formula 1 Car", afirma que se sente responsável por aquilo que aconteceu. Não gosta de falar do FW16, não gosta de falar de Imola, sabe que a sua carreira está manchada pelo acidente mortal de um dos melhores pilotos da sua geração. E ele terá esse remorso até ao último dos seus dias, apesar de ter ganho títulos na Williams, McLaren e Red Bull, e de ser laudado como um dos melhores projetistas de todos os tempos, ao lado de gente como Gordon Murray, John Barnard, Rory Bryne, Colin Chapman, Gordon Coppuck, Steve Nichols ou Tony Southgate. E muitos dos grandes projetistas da Formula 1 tem sombras. Jim Clark, Jochen Rindt e Ronnie Peterson perderam as suas vidas nas criações do fundador da Lotus. Perguntem a Gordon Murray sobre Elio de Angelis, por exemplo.

Responsáveis? Sim. Criminosos? Não. Ninguém projeta carros para matar ocupantes. Não de forma consciente. Volto a afirmar: quem pensa dessa maneira, age em má-fé.

E, tentando ser pedagógico, frio e racional sobre aquilo que aconteceu, lamento. Foi uma tragédia. A atitude dos organizadores, especialmente a FOM, de Bernie Ecclestone, é repreensível. A atitude de "o espetáculo tem de continuar" não é entendível, nem na altura, nem depois. Mas depois pergunta-se: quem poderia adivinhar na sexta-feira o que aconteceria no domingo? Ninguém, não existem bolas de cristal. Mas há quem ache, por aí, que temos. Sobre essa gente, desisti de entender. Não querem ser entendidos. E se não querem ler as nossa explicações, então, o problema deixa de ser nosso e passa a ser deles. 

Já refleti tempo suficiente sobre isto e cheguei às minhas conclusões. Aceito, estou em paz. A vida segue. Prefiro falar e pensar no legado de Imola: aconteceram coisas que hoje em dia ainda são válidos. O degrau de madeira que existe debaixo dos carros é uma consequência dessa corrida, por exemplo. O HANS é outra consequência apesar de ter aparecido anos depois, em 2002. E foi por causa disso tudo que tivemos 20 anos sem uma morte na Formula 1. E há uma terceira, que por vezes acho exagerada: a preocupação com a segurança, especialmente em condições adversas, como a chuva. E isso aconteceu ainda mais depois do acidente mortal de Jules Bianchi, no GP do Japão de 2014, que aconteceu debaixo de um tufão. 

Para finalizar: não existe um grau zero de segurança. Os carros não serão - nunca serão - cem por cento seguros, o piloto nunca terá cem por cento de certeza que está protegido, não acontecerão mais acidentes mortais na Formula 1. Mas estará muito mais perto desse marco que antes. É o que interessa. E nos bilhetes estará sempre a seguinte frase: "motorsport is dangerous".            

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