sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

O piloto do dia - Jacky Ickx (1ª parte)

Foi um dos melhores pilotos da sua geração. Um dos mais ecléticos de sempre, especialmente no campo dos Sport-Protótipos. Com uma carreira que durou mais de 20 anos, correu numa variedade de carros, numa variedade de corridas, desde as pistas até às dunas dos desertos do Norte de África. Venceu as 24 Horas de Le Mans por cinco vezes, um recorde que só foi superado pelo dinamarquês Tom Kristiensen no inicio do século XXI, o Rali Paris-Dakar, foi vice-campeão de Formula 1 por duas vezes, foi um dos mestres de Nurburgring. As suas prestações foram inesquecíveis, e viveu para contar a sua história. No primeiro dia de 2010, comemora os seus 65 anos de vida, provavelmente a gozar os louros de tão distinta carreira. Hoje falo de Jacky Ickx.


Nascido no dia de Ano Novo de 1945 em Bruxelas, e filho de um jornalista de automóveis, também chamado de Jacky Ickx, que o levava frequentemente às corridas, especialmente em Spa-Francochamps. Jacky Jr. Não tinha muito interesse na competição, até que um dia de 1961, o seu pai lhe ofereceu uma moto Zundapp de 50 cc, para fazer competições de trial. Jacky tinha 16 anos e cedo ficou encantado com a máquina. Começou a entrar em competições e em 1963 se tornou no campeão belga de trial, na classe de 50 cc. Nesse ano, já com a idade legal para conduzir automóveis, começou a participar em rampas, a bordo de uma máquina BMW 700 S. Depois de algumas vitórias, venceu o campeonato nacional de 1964, na classe de 1600 cc. Iria repetir o feito em 1965 e 1966, ao mesmo tempo que começava a participar no campeonato local de turismos, a bordo de um Lotus Cortina, onde se tornou bi-campeão nacional, em 1965 e 66. Aliás, por esta altura, Jacky era um piloto versátil, onde se dava bem com qualquer maquinaria: motos e carros. Aliás, essa versatilidade iria acompanhá-lo ao longo da sua longa carreira…


Mas essa versatilidade nas corridas também tinha um lado negativo. Em 1965, numa corrida em Spa-Francochamps, no seu Lotus Cortina, despista-se no famoso Masta Kink, numa sequência de curvas rápidas. Nesse acidente, o seu carro atinge alguns espectadores que estavam em zona proibida, atingindo um deles fatalmente. Ickx, combalido, mas sem grande gravidade, é levado para o hospital na mesma ambulância que a vitima mortal. Este primeiro exemplo da perigosidade que o automobilismo era inerente, poderia tê-lo feito desistir, mas decidiu o contrário.


Em 1966, após cumprir um breve período no Exército belga como recruta, começaria a correr nos campeonatos de Formula 3 e Formula 2, pelos Matra-BRM inscritos por um tal de Ken Tyrrell, que já tinha topado o seu talento. O seu companheiro de equipa era um tal de Jackie Stewart, que já demonstrava o seu talento na Formula 1. Os resultados iriam aparecer só no final da época, mas o jovem piloto belga iria espalhar o seu talento noutras competições, como os turismos belgas, onde venceu as 24 Horas de Spa-Francochamps com o alemão Hubert Hahne, num BMW 2002 tii, e competiu em provas de Endurance a bordo de carros como o Ford GT40 e o Ferrari 250 LM, e até um McLaren-Elva na Can-Am.


Em 1967, Ickx corria na Formula 2 e na Endurance, e a sua rapidez e versatilidade em pista iria ser conhecida pelo público internacional. Nessa temporada assinara um contrato com a John Wyer Racing, conduzindo um Gulf-Mirage, e continuava na equipa de Ken Tyrrell, a bordo de um Matra. Nesse ano, nos 1000 km de Spa-Francochamps, e tendo como companheiro Fred Thompson, vence categoricamente uma prova realizada debaixo de chuva. Repete depois o feito nos 1000 km de Paris, com Paul Hawkins, e nas 9 Horas de Kyalami, com Brian Redman. Na Formula 2, obtinha um bom conjunto de resultados, vencendo em Crystal Palace, em Zandvoort e em Vallelunga, conseguindo no final do ano o título europeu de Formula 2.


Mas o seu grande feito é em Nurburgring. Nesse tempo, a prova de Formula 2 acontecia ao mesmo tempo que a prova de Formula 1, devido ao facto do circuito ser grande e as grelhas serem pequenas. Assim, a bordo de um Matra, surpreende tudo e todos ao fazer o terceiro melhor tempo da grelha, á frente de nomes como Jackie Stewart, Jack Brabham, Bruce McLaren ou Graham Hill, só sido batido por Jim Clark e Dennis Hulme.


Jean Graton, criador francês da personagem Michel Vaillant e amigo pessoal de Ickx, escreveu anos depois, na biografia “Jacky Ickx: L’Enfant Terrible”, a seguinte passagem:

“Durante a sessão de qualificação de Sábado, eu vinha acompanhado pelo meu amigo, o fotógrafo Michel Delombaerde, a um sítio chamado Kesselchen, perto do Karroussel. Devido ao facto deste circuito ter mais de 150 curvas, os carros “voam” em pelo menos dezassete sítios a cada volta devido ao relevo acidentado do monte na zona de Eifel. Michel tinha escolhido aquele lugar porque era fotogénico, pois os carros “levantavam voo” nesse lugar, óptimo para tirar fotografias.


Os carros demoravam cerca de oito minutos a passar por ali, mas vali a pena tal espera. Os carros passavam ali em salto, que muitas vezes terminava num sítio onde a pista seguia para a direita, quase em cima da berma e dos arbustos que lá se encontravam. Aquele sitio era impressionante, não só por si, mas pelo barulho que os carros faziam antes de darem aquele “salto”. Muitas das vezes tinham de abrandar um pouco para poderem dar o salto em segurança, sem terem de ir parar à berma. Michel estava preparado, com a sua câmara apontada para o local, preparado para disparar no momento ideal.

Observava a expressão dos pilotos – cheguei a ver a expressão de arrepio de Dennis Hulme quando passava por ali – quando vimos e ouvimos o Matra de Ickx. Foi o único a não abrandar naquela zona, e deu um salto tão enorme que parecia que aquele voo não tinha fim. Depois aterrou no limite da pista, e continuou sempre a fundo até desaparecer da nossa vista na curva seguinte. Vimos a sua expressão: sem medos, determinado a ir até ao limite, aceitando os riscos inerentes, e calculando aquela volta sem qualquer margem de erro.


Sabíamos, eu e o Michel, que ele ia a caminho de causar sensação no paddock, pois tínhamos ficado espantados com a velocidade que imprimia, mesmo sabendo que no lugar onde estávamos, não conseguíamos ouvir a informação proveniente dos altifalantes. Quando voltamos para as boxes e nos informaram do tempo que tinha feito, o terceiro da tabela, apenas batido por Jim Clark e Dennis Hulme, ficamos somente meio surpresos pelo feito que tínhamos testemunhado: ao volante de um Matra de Formula 2, tinha feito o terceiro tempo, o melhor da sua classe, mas batendo grande parte dos pilotos de Formula 1
!”


No dia da corrida, e apesar de a grelha da Formula 2 estar separada da Formula 1, largando um pouco mais atrás, cedo Ickx recuperou essa diferença e na volta cinco, após a desistência de Clark, Ickx era quarto classificado, atrás do Eagle de Dan Gurney e dos dois Brabham de “Black Jack” e do seu companheiro Hulme. Ickx manteve-se na quarta posição até à décima volta quando, devido aos vários saltos, a suspensão frente/direita do seu Matra cedeu, sendo obrigado a abandonar. Mas tinha sido a maior demonstração de classe até então, e tinha realmente impressionado os responsáveis das equipas de Formula 1. Tanto que no GP de Itália, Ickx iria participar a bordo de um Cooper-Maserati oficial, em substituição de Richard Attwood, que tinha corrido na prova anterior, no Canadá.


Nessa prova, Ickx, apesar de não ter um grande carro entre mãos, e de se ter qualificado na 15ª posição da grelha, manteve a sua calma e concentração, aproveitando as desistências e levado o carro até ao fim, chegando na sexta posição final e conseguindo o seu primeiro ponto logo à sua primeira corrida na categoria máxima do automobilismo, um dos poucos a fazê-lo. Correu de novo na Cooper, no GP dos Estados Unidos, mas partido do 16º lugar da grelha, não chegou ao fim devido a um motor sobreaquecido. Mas os seus feitos foram mais do que suficientes para despertar a atenção das grandes equipas.

(continua amanhã)

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