domingo, 21 de março de 2010

Sobre Ayrton Senna, uma reflexão critica

Hoje, todos falam dele. É inevitável, não é? Mas tem de ser, pois o calendário assim o obriga e estamos a falar de uma pessoa que mexeu na mente de muita gente, sobretudo na minha faixa etária, pois viveram-no em pleno.

Confesso que hesitei muito em escrever sobre este assunto. Primeiro, porque tenho consciência do risco de ser "mais um" na corrente. Segundo, ao longo da semana que passou não deixei de fazer “posts” sobre o assunto, especialmente o conjunto de vídeos que o Antti Kalhola fez, e a polémica que deu logo a seguir. E ainda por cima, ontem escrevi sobre um dos carros em que correu, ainda por cima o primeiro dos que correu com motor Honda.

Assim sendo, considerei seriamente deixar passar o dia em claro, mas depois pensei melhor e achei que não. Especialmente quando vi coisas em outros sítios como no blog do Mike Vlcek, que não sendo fã dele, é acima de tudo como eu: um adepto de Formula 1. Assim vou repegar as coisas de forma reflexiva e lúcida, porque apesar de Ayrton Senna ser o meu ídolo de infância, não sou, não gosto e não quero ser “viúvo”.

Tenho imensas boas recordações das corridas de Senna. Podia falar de 21 de Abril de 1985, dia de Tiradentes e o último de vida de Tancredo Neves. Onde chovia copiosamente em Portugal, especialmente no Autódromo do Estoril e Senna, depois de ter feito no dia anterior a “pole-position”, fez uma corrida excepcional à chuva e deu à equipa de Colin Chapman a sua primeira vitória depois da morte do seu fundador. Ou então aquela primeira volta excepcional em Donington Park, também à chuva, num Domingo de Páscoa de 1993, onde depois de uma má partida, compensou ultrapassando todos os que viu à sua frente até à nova passagem pela meta. E também as suas vitórias nas ruas do Mónaco, onde numa delas, em 1992, com um carro inferior, aguentou os ataques de um “leão” Nigel Mansell, que tinha a vitória na mão, mas que deixou fugir devido a um furo lento.

Todos estes eventos aconteceram na minha adolescência. No alto dos meus 12, 13, 14 anos, considerava Senna como um “Deus” e Prost ou Balestre uma cambada de idiotas, e que achava no caso de Suzuka 89, que não tinha sido mais do que uma “conspiração” para dar o “tri” ao Prost. E que aquilo que tinha acontecido no ano seguinte, no mesmo local, não era mais do que uma justa vingança sobre o "pérfido" francês. Em conclusão, achava que todas as corridas deveriam ser ganhas por ele. Mas como em tudo na vida, isso passa. E passada a adolescência, consegui ter o discernimento de ver tudo isto para além do “calor da batalha”. Crescemos, amadurecemos, conseguimos ir para além disto. E mesmo o próprio Senna, quando Prost se retirou da competição, reconheceu que era o melhor adversário que competiu. E chegou a dizer que tinha saudades dele. Ainda lembram desse episódio?

Deixem-vos contar uma outra história. Uma coincidência macabra no calendário. Nesse mesmo dia 21 de Março de 1960, no mesmo dia em que em São Paulo, este rapaz nascia para uma vida breve mas intensa, num outro continente, um grupo de pessoas matava outro. E porquê? Queriam ter os mesmos direitos do que outros. Pois é: o dia de nascimento de Ayrton Senna também encerra um dos piores massacres da Africa do Sul. Numa pequena localidade, de seu nome Shaperville, a policia sul-africana massacrava um grupo de pessoas desarmadas, que se tinham juntado para queimar os seus passes de identidade, numa forma de protesto contra as leis de segregação racial que estavam em plena força.

Ao todo, eles acabaram por matar 69 pessoas e ferir mais 180. O resultado desse massacre foi o inicio de um periodo negro na história desse país, onde a discriminação foi mais forte, e onde a principal força politica da maioria negra, o Congresso Nacional Africano (ANC) foi ilegalizado e os seus dirigentes, incluindo Nelson Mandela, o seu presidente, foram detidos. Mandela foi condenado a prisão perpétua em 1964, mas libertado 27 anos mais tarde, para continuar a luta, não só para a abolição das leis discriminatórias, como para a realização das primeiras eleições multiraciais, que decorreram entre 26 e 28 de Abril de 1994. Poucos dias antes dos acontecimentos de Imola...

Porque é que conto isto? Ora, esta é uma maneira de lembrar a todos que existe um mundo lá fora. Já agora, na Africa do Sul, este dia 21 de Março é Dia dos Direitos Humanos, e um feriado nacional.

Sei que muitos por aí dizem que "deixaram de ver Formula 1 depois de 1 de Maio de 1994". A esses eu diria, de forma provocatória, que não deixaram de ver automobilismo porque... nunca o viram realmente. Apenas seguiram Ayrton Senna, da mesma maneira que hoje em dia, por exemplo, muitos em Espanha fazem cada Domingo: seguem Fernando Alonso, e não querem saber do resto do pelotão. Quando se retirarem, vão ver outra coisa no lugar da Formula 1, acreditem. Uma boa prova disso são os alemães que voltaram a ver corridas porque Michael Schumacher voltou á competição.

Sei também que muitos, agora em 2010, olham a Bruno Senna e julgam que, como partilha o mesmo apelido, deve ser a incarnação do seu tio. Não o é, acreditem. É apenas um excelente piloto que aproveitou a chance de chegar à categoria máxima do automobilismo. Da mesma maneira que muitos o encaram assim, outros olham para ele e chamam-no, provavelmente em desprezo, de “Primeiro Sobrinho”. As coisas que acontecem e a maneira como certos canais de comunicação, especialmente no Brasil, tratam disto, não devem ter reflexo nas pessoas, pois ninguém tem culpa disso. Querem culpar alguém? Neste caso em particular, os meus amigos brasileiros sempre podem virar os vossos olhos a um certo mensageiro.

Em jeito de conclusão, Ayrton Senna não foi Deus. Foi apenas mais um dos grandes do automobilismo, a par de Juan Manuel Fangio, Jim Clark, Jackie Stewart, Emerson Fittipaldi, Niki Lauda, Alain Prost, e depois Michael Schumacher. Numa altura difícil para o Brasil, onde a hiperinflação era o pão-nosso de cada dia, e que chegou a ter um presidente deposto constitucionalmente porque era corrupto, era provavelmente um dos poucos motivos de orgulho em ser brasileiro. Nem a selecção de futabol ajudava. Mas coinciência ou não, dois meses depois de Imola, em Los Angeles e frente à Itália, nos penalties, a canarinha vencia o tetracampeonato e recuperava o seu orgulho.

Para mim, Ayrton Senna me ajudou a mostrar as maravilhas desta grande modalidade desportiva. E esta mesma modalidade vai muito para além da própria Formula 1.

1 comentário:

Pinheirinho disse...

Reverências ao mito. No dia em que completaria 50 anos, o tricampeão mundial Ayrton Senna ainda vive no coração de todos os brasileiros apaixonados pela velocidade.
Se estivesse vivo, Ayrton, nunca esquecido, completaria 50 anos ontem.
Capacete de hoje poderia salvar Ayrton Senna. Morte do brasileiro fez F-1 melhorar tecnologia da peça.
Pinheirinho é divulgador cultural é maranhense, a partir de Brasília. - E-mail: pinheirinhoma@hotmail.com