quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

5ª Coluna: Os portugueses no automobilismo internacional

Quando há dois meses meio mundo o viu, espantado, no lugar mais alto do pódio em Dusseldorf, os meus sentimentos eram um misto de orgulho e tristeza. Orgulho por ser português e de Coimbra - cidade onde cresci e devo a ela de imensas formas - mas a tristeza tinha a ver com o fato do seu imenso talento não ter sido aproveitado por alguma equipa para o meter na categoria máxima do automobilismo. Expressei isso nessa altura, esperançado que essa situação fosse corrigida num futuro próximo.

Sabia que ele por essa altura era um piloto da alemã Audi, mas queria o ver, pelo menos, numa DTM, porque sabia que ali seria uma categoria onde pudesse mostrar o seu talento, já que os monolugares estavam permanentemente vedados para ele. Pois bem, ontem fiquei muito contente por saber que agora vai correr no DTM, uma categoria de carros onde num futuro não muito distante, vai sofrer uma radical alteração com a entrada de novas marcas e da construção de uma série americana a partir de 2012.

Claro, será num carro algo antigo, e vai lutar muito para conseguir pontuar, mas o essencial está lá: chegou, e eles têm esperança de que o seu talento seja proveitoso para eles. E quem sabe, pode aspirar a altos voos.

O anuncio de Filipe Albuquerque é o mais recente de uma série de pilotos portugueses, e demonstra que o automobilismo nacional começa a ser melhor explorado agora do que no passado. Estamos abertos ao mundo, e esta nova geração tem melhores hipóteses de brilhar lá fora.

Nas últimas semanas soubemos que Armindo Araujo correrá uma temporada no WRC, a principal categoria de ralis, num Mini. Armindo foi bicampeão na cateogria de Produção em 2009 e 2010 e levou o nome de Portugal lá fora, e temos Bernardo Sousa na categoria S2000, com a hipótese de correr o Rali de Portugal num WRC preparado pela equipa oficial. Caso as coisas corram bem, ele poderá armar uma equipa para 2012, ou seja, poderemos ter dois pilotos nacionais na principal categoria. Alguém imaginaria tal coisa há três, cinco anos? Duvido.

Para além disso, temos Bruno Magalhães e a estrutura da Peugeot Portugal no IRC, a disputar o campeonato e os primeiros lugares numa categoria absolutamente cheia de bosn pilotos. No mínimo, essa categoria patrocinada pela Eurosport tem dez, doze bons pilotos a disputarem a vitória, em máquinas como Skoda, Peugeot, Ford ou Proton, e consegue ser tão bom como os outros. Isso é um feito que anos antes seria impensável.

Se formos para a Le Mans Series, o pelotão também se enche de portugueses. Há uma equipa nacional, a Quifel ASM Team, há o veterano Pedro Lamy, na Peugeot oficial e agora a hipótese de ter uma tripla portuguesa nas séries - Ricardo Bravo, Lourenço Beirão da Veiga e Duarte Felix da Costa - num LMP2, é outro sinal do futuro que aí vem. E ontem á noite, enquanto escrevia isto, soube que João Barbosa também correrá na La Mans Series ao volante de um Lola. Se alguém me dissesse há dois ou três anos que as 24 Horas de Le Mans de 2011 podem ter seis, sete ou mais portugueses nas listas de inscritos, esfregaria os olhos e julgaria que fosse um sonho. Não é: começa a ser uma hipótese realista.

Ainda não se sabe os planos de Alvaro Parente, mas ele diz que tem a temporada de 2011 definida, e que vai anunciar no inicio de Março. Mas parece que os monolugares podem estar de lado, ou então se dedique à Le Mans Series. Nesse aspeto, tudo é possivel.

E não falo da Ocean Racing, a equipa de Tiago Monteiro. Temos uma equipa na GP2, com um piloto que ainda corre e ganha no WTCC, ao serviço da Seat. É certo que ele gere a equipa nos tempos que tem livres, e a equipa não é a que está nos lugares da frente, mas demonstra por vezes ter faro para bons pilotos. Depois de Alvaro Parente, foi buscar em 2010 o suiço Fabio Leimer, que está agora na equipa Rapax, vencedora na temporada passada.

E Monteiro ainda ajuda Antonio Felix da Costa, piloto que este ano vai correr na GP3 ao serviço da Status Grand Prix, que foi segunda classificada no ano passado. Quem acompanha a carreira de Felix da Costa desde os tempos da Formula Renault vê-se que ele tem um imenso talento e eles o querem levar à Formula 1 fazendo as melhores escolhas possíveis. Não o querem ver queimar etapas, não o querem ver a correr em categorias que sabem não ser as mais indicadas para alcançar o que almejam. Daí terem preferido a GP3 a uma Formula 2, por exemplo. E poderiam ter saltado para a GP2. Tinham equipa e tudo, mas já viram demasiados maus exemplos para terem uma postura cautelosa neste aspeto, e para mim, até fazem bem.

Eis o nosso panorama: todos estes pilotos dão cartas no automobilismo internacional. O puro talento, a persistência, a construção de projetos sólidos e consistentes resultam nisto que andamos a ver. Nunca tantos foram lá para fora e conseguiram tão bons resultados. A temporada de 2011 promete ser a mais inesquecivel do automobilismo português.

Mas... eis algumas ironias. Primeiro que tudo, Portugal não está no calendário da Formula 1. Temos uma excelente pista do qual não está no calendário porque não se paga as exigências absolutamente chulistas de Bernie Ecclestone. Aliás, pelo que se ouve por estes dias, correremos o risco de não ter corridas na Europa porque eles não pagam mais as crescentes somas de dinheiro que ele exige. O balão do modelo ecclestoniano de organização está prestes a rebentar, é um fato. Portanto, até tem vantagens a exclusão de Portugal deste calendário da Formula 1.

Segunda ironia: não tem grandes campeonatos nacionais de pista sem ser o campeonato português de GT's. Os demais pilotos portugueses têm a Espanha ao lado e muitas vezes são superiores aos locais. O campeonato nacional de ralis, que vai começar este fim de semana, é modesto, e ainda por cima, este ano ficou privado dos carros S2000. É estranho, não é? Mas em compensação, o Rali de Portugal está no calendário do WRC - é um dos clássicos - e os Ralis dos Açores e da Madeira fazem parte do IRC. Aliás, Portugal é o único pais que tem dois ralis nesse calendário, fruto das boas organizações locais e dos apoios dos governos regionais.

Mas é o automobilismo que temos, no tempo em que vivemos. Vai estragar este fluxo de pilotos no futuro? Não sei responder a essa pergunta, até porque sei que, enquanto existirem alternativas baratas, os pilotos locais aproveitarão. Mas a FPAK (Federação Portuguesa de Automobilismo e Karting) não pode estar parada, quieta, congelada. Esta direção deveria pensar em fazer as coisas de forma a continuar a formar pilotos e a organizar melhor os campeonatos. Para haver muitos que contestem as politicas do senhor Luiz Pinto de Freitas, é porque há algo de podre no nosso automoiblismo.

Há quem fale melhor do que eu, mas creio que, em termos de pista, a falta de um campeonato nosso em termos de formação ou o aproveitamento de sinergias com a Espanha para fazer um Ibérico, poderiam melhorar, e muito, a atual situação das coisas. E continuarmos a ver mais talentos para correr, ir para o estrangeiro e continuar a levar o nosso nome para os quatro cantos do mundo.

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