Quando digo que o dia 1º de julho é o "Dia de São Gilles e São René" no "calendário liturgico" da Formula 1, é uma brincadeira minha com um fundo muito grande de verdade. É engraçado que, mais de trinta anos após o acontecimento, se fala mais de uma disputa pelo segundo lugar entre o francês René Arnoux e o canadiano Gilles Villeneuve do que uma vitória histórica para o automobilismo, pois falamos da primeira vitória da Renault na Formula 1 e a primeira de um motor Turbo.
E ainda mais: falamos da primeira vitória totalmente francesa. Motor francês (Renault), piloto francês (Jean-Pierre Jabouille), pneu francês (Michelin), combustiveis e lubrificantes franceses (Elf). Tentar explicar a razão porque este capitulo está menorizado em favor de um duelo ao milímetro pela segunda posição - que ironicamente é considerado como o primeiro dos últimos - talvez se explique de forma psicológica ou sociológica. Não consigo explicar isto de forma clara, e muito menos lógica, mas há algo dentro da nossa psique que nos faz valorizar este tipo de duelos ao milímetro, ao milésimo. E no caso de Gilles Villeneuve, este é mais um dos capítulos do seu mito, a par do que aconteceria dali a dois meses em Zandvoort ou o que iria fazer em Jarama, quase dois anos depois.
Em 2009, quando se comemorou os trinta anos do evento, escrevi o seguinte:
"Gilles Villeneuve e René Arnoux disputaram a segunda posição como se o amanhã não existisse. O estilo sempre agressivo e louco do canadiano, combinado com outro "pé pesado", como era o piloto francês, era um cocktail pronto a explodir. Isso aconteceu, qual combinação astronómica, na tarde do dia 1 de Julho de 1979." (...)
"E as últimas três voltas foram de arrepiar. Toques um no outro, ultrapassagens 'no limite', por fora e por dentro, mas conseguiram o milagre de não destruírem os carros, nem de perder o seu controlo. Ficou na retina de todos os que viam na TV, um pouco por todo o mundo, e certamente na pista. A partir dali, para mim, o 1º de Julho é sempre Dia de São Gilles e São René."
Mesmo que ache estranho que se subalternize o pobre do Jean-Pierre Jabouille por causa daquilo que os seus companheiros de pódio fizeram, mesmo que fique espantado com a reação que houve na altura, com a GPDA a censurar a atitude dos seus pilotos na corrida seguinte, em Silverstone, e do qual ambos os pilotos reagiram "mandando-os passear", eu entendo tudo isto. Afinal de contas, esses pilotos fizeram lembrar-nos a razão pelo qual nós gostamos deste desporto e paguemos fortunas para assisti-lo ao vivo nos circuitos: faz mexer no nosso instinto.
E é por isso que ainda hoje é um duelo inesquecível.
1 comentário:
Paulo, imagina se isso aconetce hoje em dia... A FIA ia ficar com investigações por 50 anos ao menos...
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