Apesar de ter escrito no Primeiro de Abril, este não é um assunto do qual possamos brincar por estes dias. Sou grande fã de automobilismo, mas também adoro seguir a geopolitica internacional. E quem acompanha as noticias por estes dias, sabe que se vivem momentos de tensão em certas partes do continente asiático, especialmente quando temos uma imprevisibilidade chamada Kim Jong-un, o jovem líder da Coreia do Norte.
É certo que a Formula 1, e Bernie Ecclestone em particular não lhe interessa nada disso. O dinheiro que ele pede para que esses países possam acolher o Mundial é o único fator determinante, logo, temos a competição a rolar por países como o Bahrein, por exemplo. Que como sabem, desde 2011 vive uma agitação social entre a maioria xiita e a minoria sunita, do qual faz parte a família real. Tem havido centenas de prisões, alguma repressão, mas as coisas andaram calmas nos últimos tempos. Ou se preferirem, as manifestações não tem acontecido com tanta frequência.
Contudo, faltam agora 21 dias para o Grande Prémio e os ativistas decidiram aumentar a intensidade das manifestações, com um único alvo em em mente: o Grande Prémio. Toda a gente sabe que essa é a única manifestação que coloca a pequena ilha do Golfo Pérsico nas bocas do mundo, e como se vê desde 2011, o problema não foi resolvido. Os receios de que isto poderá ficar ainda mais violento são grandes, mas nem a Formula 1 - que ganha cerca de 45 milhões de dólares por ir lá - nem as autoridades desejam que isto seja perturbado, apesar de todos no meio (mecânicos, engenheiros e patrocinadores) estarem no mínimo assustados. Afinal de contas, estão a lidar com uma pessoa que nos anos 70 e 80, levava a Formula 1 a uma Africa do Sul em pleno "apartheid", onde havia um forte boicote desportivo. Até o rugby, o desporto nacional daquele país, já não jogava mais em terras sul-africanas graças às pressões internacionais para o boicote. Acabou por ser em 1985 que a Formula 1 cedeu, depois de uma corrida atribulada.
Claro, muito provavelmente a Formula 1 acabará por correr no Bahrein. Eventualmente, o exército mobilizará a sua tropa e o local do circuito será isolado do resto do país, provavelmente, para garantir a segurança de toda a gente e evitar perturbações durante o fim de semana da corrida. As autoridades podem - e têm poder - para fazer com que a corrida aconteça "à porta fechada". Mas mesmo que a Formula 1 diga que não é politica e não quer saber da politica, mesmo que haja pessoas que protestem pelo facto da politica externa se interfira na Formula 1, não se consegue fugir dela. E claro, a cada ano que passa em que o pelotão da Formula 1 vai ao Bahrein, lentamente a sua reputação sofrerá uma erosão. A sua capacidade de atrair novos patrocinadores será mais complicada, pois passará a ideia de que a Formula 1 irá a qualquer lugar, desde que paguem o que está combinado, e provavelmente, poderá danar a reputação do automobilismo e afugentar mais patrocinadores.
Mas para além disso, pode haver outros problemas no horizonte. As tensões nas últimas semanas na península coreana têm sido mais altas do que o costume, devido ao facto de o novo lider da Coreia do Norte, Kim Jong-un, ter anunciado que tinha rompido o armistício com a Coreia do Sul, ativo desde 1953 e declarado o estado de guerra entre ambas as Coreias, algo que já tem a acumular desde o final do ano passado, com o lançamento do foguetão balistico e a realização de mais um ensaio nuclear, o terceiro.
Muitos dizem que isto não vai resultar em nada. A esses, dou os parabéns. É que das três, uma: ou são otimistas, ou conseguem ler o futuro ou então falaram por estes dias com o filho do Querido Líder. Mas permitam-se que faça o papel de pessimista: caso o pior acontecer, pode não ser só uma guerra entre as duas Coreias. Países como o Japão e a China poderão envolver-se no assunto, não porque queiram, mas porque o regime de Pyongyang pode decidir de tal forma. Um bom exemplo disso são as bases americanas existentes no Japão, que não fica muito longe da península coreana. Basta apenas que caia um míssil em solo japonês para alargar o conflito, por exemplo.
Em suma: num cenário de pesadelo, poderíamos a capital, Seoul, arrasada diariamente por peças de artilharia vindas do outro lado da fronteira - a Zona Desmilitarizada está a apenas 35 quilómetros - enquanto que um ou vários misseis, lançados pelos norte-coreanos, caíssem ou em solo japonês, fosse em Honshu (a maior ilha do arquipélago japonês) ou em Okinawa. Uma guerra de curta duração seria inevitável, mas não se saberia quando - e como iria acabar.
O problema seria se isso calhasse quando a Formula 1 andaria de novo em paragens asiáticas, a partir de setembro. O GP da Coreia do Sul seria a 6 de outubro, uma semana antes do GP do Japão, no circuito de Suzuka. Apesar do circuito coreano ficar bem longe de Seoul e da fronteira, para chegar lá, toda a gente tem de passar por Seoul ou Incheon, que são cidades bastante perto do paralelo 38, ou seja, a fronteira.
Em jeito de conclusão, os problemas estão aí. E varrê-los debaixo do tapete não é a melhor politica, porque aparecerão sempre. E a Formula 1 não pode estar eternamente a fazer de avestruz.
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