Todos conhecem o palmarés de
Jacky Ickx, especialmente na Endurance, ou seguiram os feitos de Thierry
Boutsen, por exemplo, mas provavelmente um dos belgas com a história mais
fascinante no automobilismo é um piloto que não têm um grande palmarés, mas uma
vontade de correr tal que, quando os médicos lhe disseram que não poderia
correr mais, decidiu terminar com a sua própria vida. E como este ano ele teria
comemorado o seu 85º aniversário do seu nascimento, achei por bem contar a
história de Willy Mairesse.
Nasceu em Momignes, uma localidade
na fronteira franco-belga, a 9 de outubro de 1928, mas não se interessou
verdadeiramente pelo automobilismo até 1953, quando tinha 25 anos e decidiu
competir, a convite de um amigo, numa das provas de endurance mais importantes,
o Liege-Roma-Liege. O gosto pelas corridas ficou e dois anos depois,
inscreveu-se com um Porsche 356 na mesma corrida e venceu na classe de 1300 cc.
Com o tempo, o seu gosto pelos
automóveis continuou a aumentar, e adquiriu um Mercedes 300 SL para competir no
GP da Alemanha na classe GT, onde terminou na terceira posição. E nesse mesmo
ano de 1956, competiu de novo no Liege-Roma-Liege, onde acabou por vencer à
geral e chamar a atenção à Ecurie Nationale Belge (ENB), que representava o
país no automobilismo. Na altura, o seu chefe era Jacques Swaters, que por sua
vez era o representante da Ferrari para aquela zona. E recomendou Mairesse a
Enzo Ferrari.
Mas até que o Commendatore
prestasse atenção iriam passar três anos. É que estando na ENB, e correndo com
carros da Ferrari, os resultados foram escassos, dada a pouca fiabilidade dos
carros que guiava. Os seus melhores resultados foram um segundo lugar nas 12
horas de Reims de 1959, mas nesse ano, dava nas vistas na Tour de France Auto,
contra o seu compatriota Olivier Gendebien, lutando ambos pela vitória.
Gendebien era já piloto oficial da Ferrari, e acabada a corrida, recomendou
Mairesse para Enzo Ferrari, que o contratou para a temporada de 1960.
O contrato servia para a
Endurance, mas também serviria para a Formula 1. E o seu estilo batalhador, sem
concessões, era do agrado de “Il Commendatore”. A sua estreia seria – como não
poderia deixar de ser – no GP da Belgica desse ano, que passou para a história
como um dos mais trágicos do automobilismo. Stirling Moss ficara gravemente ferido
nos treinos, e a corrida ficaria marcada pelos acidentes fatais dos britânicos
Chris Bristow e Alan Stacey. Mairesse estava a brigar por posição com Bristow
quando este teve o seu acidente fatal. O belga não terminou a corrida, devido a
um problema de transmissão.
Teve melhores resultados no final
da temporada, em Monza, onde terminou a corrida na terceira posição, atrás de
Phil Hill e Wolfgang von Trips, e para além disso, ficou bem classificado na
Targa Florio e venceu o Tour de France Auto. No ano seguinte, Mairesse
participou em três corridas, mas apenas uma delas pela Ferrari, não
participando, assim, na temporada vitoriosa da Scuderia na Formula 1. Mas
estava mais envolvido na Endurance: vencia pela segunda vez consecutiva o Tour
de France Auto e terminava no segundo lugar as 24 horas de Le Mans, ao lado do
britânico Mike Parkes.
Por esta altura, o seu estilo de
condução e a sua concentração causavam temor entre os pilotos. Certo dia, o
americano Peter Revson, então um jovem novato a tentar a sua sorte na Europa,
observou Mairesse e afirmou: “A sua concentração era imensa, os seus olhos
quase saltavam das orbitas, mudando de cor. Parecia o Diabo em pessoa”.
E esse seu estilo o iria colocar
em risco por muitas vezes. Mas a temporada de 1962 iria começar bem, com a
vitória na Targa Florio, ao lado do jovem mexicano Ricardo Rodriguez, e pouco
depois, vai participar no GP da Belgica ao volante de um Ferrari, depois de um
sétimo posto na corrida anterior, no Mónaco. Mairesse tinha sido o sexto na grelha
de partida, entre o americano Phil Hill e Ricardo Rodriguez. No arranque, ele
tinha subido para o quinto posto e andado entre os primeiros, até que entra em
batalha com o Lotus do jovem Trevor Taylor.
A partir da 19ª volta, a batalha
tornou-se numa luta pelo segundo posto, entre os dois, com o britânico a levar
a melhor. Mas ele sofreu depois um pião e Mairesse ficou com o segundo posto,
com o piloto da Lotus a chegar-se ao piloto da Ferrari, com este a segurar o
lugar a todo e qualquer custo. Contudo,
na volta 26, na zona de Blanchimont, ambos colidiram a alta velocidade, com
Taylor a bater num poste telegráfico e Mairesse a subir para um banking, antes
do carro ficar de cabeça para baixo, a pegar fogo. Miraculosamente, ambos os
pilotos escaparam com ferimentos ligeiros. Mairesse voltou a competir
logo a seguir, onde conseguiu um quarto lugar no final do ano, no GP da Itália.
No inicio de 1963, a competição
dentro da Ferrari, que o Commendatore gostava muito de atiçar, estava ao rubro.
John Surtees era o melhor, mas tinha a ver com a concorrência de Lorenzo
Bandini e do próprio Mairesse. Ambos estavam a correr na Formula 1 e na
Endurance, como seria de esperar, e o resultado era imprevisível. Phil Hill,
que tinha saído da Ferrari no final do ano anterior, avisava: “Eles irão
competir tanto um contra o outro que irão cometer erros potencialmente fatais”.
De facto, naquele ano, a Ferrari
estava numa era de transição, mas esperava-se que se continuaria com a senda
vitoriosa, especialmente na Endurance. Mairesse tinha começado o ano a terminar
no segundo lugar nas 12 horas de Sebring, fazendo dupla com Mike Parkes, mas
esteve atras do outro Ferrari de John Surtees e o italiano Ludovico Scarfiotti.
Depois ele e Surtees competiram juntos nos 1000 km de Nurburgring, onde
acabaram por vencer. Nas 24 Horas de Le Mans, ambos participaram juntos na
corrida e dominaram grande parte dela, liderando por 15 horas, até eles terem
um incêndio no motor, devido a um mau reabastecimento, quando era a vez de
Mairesse guiar o carro. Ficou com algumas queimaduras, mas voltou a correr logo
a seguir.
Na Formula 1, Mairesse tinha
participado nas duas primeiras corridas do ano, no Mónaco e na Belgica, mas não
chegou ao fim em ambas as corridas. Apesar dos bons resultados na Endurance,
Mairesse estava pressionado para fazer um bom resultado quando chegou a
Nurburgring, palco do GP da Alemanha.
Nos treinos, tinha sido o sétimo
da grelha, algo distante de Jim Clark, o “poleman” e John Surtees, que estava
no segundo posto. A corrida começou com Clark e Surtees na frente, com o belga
a tentar chegar o mais rapidamente possível aos da frente. Mas na zona de
Flugplatz, onde os carros literalmente… voavam, Mairesse perde o controlo do
seu carro e sai de pista. Cuspido do carro, acaba por quebrar um braço,
enquanto que uma das rodas do seu Ferrari atinge fatalmente um rapaz de 19
anos, Gunther Schneider de seu nome, e que era o condutor de uma ambulância.
As feridas são graves e Mairesse
demora alguns meses para recuperar, e quando regressa, já em 1964, vence o GP
de Angola, ao volante de um Ferrari. A partir desse ano, participa pela Ecurie
Francochamps, continuando a guiar Ferraris, e é nessa condição que termina as
24 Horas de Le Mans no terceiro lugar, tendo como co-piloto o seu compatriota
Jean Blaton. Volta a tentar a Formula 1 em 1966, a bordo de um BRM da Scuderia
Centro Sud, no GP da Belgica, mas não começa a corrida. Seria a última vez que
participaria na categoria máxima do automobilismo. Nesse ano, iria conseguir um
grande resultado ao vencer a Targa Florio, ao lado do suíço Herbert Muller, a
bordo de um Porsche 906 inscrito pela Ecurie Fillipinetti.
Em 1967, Mairesse e Jean Blaton
voltaram a competir juntos nas 24 Horas de Le Mans, a bordo de um Ferrari 330
P4, o melhor resultado de um carro da marca de Maranello. No ano seguinte,
volta a Le Mans, desta vez a bordo de um Ford GT40 privado. Quando fazia
algumas voltas de teste, a porta do seu carro ficou mal fechada e acabou por
ser arrancada devido ao arrasto do vento. Mairesse perdeu o controle do carro e
embateu fortemente na parede de uma casa existente no circuito.
Mairesse ficou em coma durante
duas semanas, e quando acordou, a sua recuperação foi lenta. Desejava correr de
novo, mas aos 40 anos de idade, e com várias marcas no corpo devido aos seus
acidentes, a reabilitação seria lenta e nunca completa. Quando os médicos lhe
disseram que não poderia voltar a correr, achou que a sua vida não faria
qualquer sentido.
A 2 de setembro de 1969, Mairesse
foi para Oostende, para um hotel à beira-mar, e depois tomou usou uma dose de
comprimidos suficiente para o matar. Faltavam-lhe cinco semanas para fazer 41
anos.
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