sexta-feira, 8 de março de 2019

A imagem do dia

Michele Mouton e Fabrizia Pons, sua navegadora, comemorando no pódio a sua vitória no Rali da Acrópole de 1982. São poucas as mulheres no automobilismo, e há categorias que respeitam mais as mulheres que outras, quando vêm que têm talento. E quando têm uma chance para brilhar... brilham. É interessante saber que a Formula E já acolheu mulheres como Katherine Legge e Simona de Silvestro, quando a Formula 1 acolheu pela última vez uma mulher-piloto em 1992.

Mas hoje quero lembrar de Michele Mouton, se calhar uma das mais bem sucedidas mulheres no automobilismo. Vencedora de quatro provas do WRC, vice-campeã do mundo de 1982, vencendo nesse ano três ralis: Portugal, Grécia e Brasil. Nenhuma delas considerada das mais fáceis do mundo. Hoje em dia, aos 67 anos, Mouton é respeitadissima, especialmente por ter andado em carros do Grupo B, desde o Audi Quattro ao Peugeot 2015 Ti16, o carro onde andava quando fez o seu último rali, o da Córsega, em 1986.

Mas no seu tempo de corredora, não havia esse respeito. Nascida em Nice a 23 de junho de 1951, filha de um jardineiro, chamavam-na de "vulcão negro" devido ao seu temperamento. Começou a guiar aos 14 anos no Citroen 2 CV do seu pai, e cedo meteu-se no automobilismo, o meio mais masculino possível, onde as mulheres pouco passavam de... objetos. Andou primeiro num Alpine, onde deu uns pulos nas pistas. Em 1975, ao lado de mais duas mulheres - Christine Dacremont e Marianne Hoepfner - venceu na categoria de dois litros nas 24 Horas de Le Mans... e não foram as mulheres mais bem classificadas!

Dedicou-se aos ralis, primeiro num Alpine, depois num Fiat, com o 131 Abarth, até ir para a Audi, que tinha o seu modelo Quattro, com quatro rodas motrizes, bem mais eficazes e menos espectaculares que as duas rodas motrizes. O seu primeiro resultado de relevo foi no Rali de Portugal de 1981, onde foi quarta classificada, mas em Sanremo, mais tarde no ano, chocou toda a gente ao ser a vencedora. A primeira mulher a vencer na história do Mundial WRC.

Mas ninguém queria acreditar. Ari Vatanen, antes desse rali, tinha até dito: "Estou confiante, nunca perdi, nem perderei, contra uma mulher".

Em 2008, Mouton, numa entrevista para a Rallysport Magazine, lembrou-se dessa vitória, absolutamente inesperada e chocante para o "establishment" de então.

"Eu me lembro não apenas porque foi uma vitória, mas também porque foi uma grande luta até ao último dia. Fabrizia [a italiana Fabrizia Pons, sua nevagadora] me lembrou na outra noite que tínhamos um problema com as pastilhas de travão, então perdemos muito tempo. Terminamos a um dia para o final, 32 segundos na frente de Ari Vatanen. Nós dirigimos para a última especial, [que seria] de noite. Voltamos para o hotel e eu não consegui dormir, quatro horas pela frente e sem dormir. Então chego ao inicio da etapa, tem cerca de 42 km de comprimento, olho para Fabrizia e disse: 'Tudo bem, esquecemos tudo e fingimos que estamos de novo na primeira especial do rali, porque um de nós vai perder'. E assim, Ari bateu numa pedra e nós vencemos o rali."

Mas a sua grande temporada foi a de 1982. O Audi Quattro era o carro a bater, contra os cada vez mais obsoletos Ford Escort RS2000 e os Opel Ascona 400 ou os Talbot Lotus. Bateu forte em Monte Carlo, mas depois voltou a vencer em Portugal, na Grécia e no Brasil. Depois de um quarto lugar em Sanremo, o WRC partia para a Costa do Marfim, onde lutava com Walter Rohrl pelo título. Foi um rali difícil: cinco mil quilómetros de extensão, ao longo de cinco dias, as temperaturas andavam constantemente nos 30ºC e cem por cento de humidade, as estradas eram difíceis, e ainda antes da prova, teve a noticia de que o seu pai - e seu primeiro fã - tinha sucumbido a um cancro.

O rali foi uma luta entre Rohrl, Mouton e o finlandês Hannu Mikkola. As temperaturas dentro do carro chegavam "a uns meros" 70º Celsius, do qual só os mais fortes sobreviviam. No final do dia, ela era terceira, e era mais que suficiente para ser campeã, mesmo se o alemão vencesse. A meio do rali, tinha uma vantagem de 25 minutos sobre o alemão, mas problemas na sua transmissão fizeram que essa diferença diminuísse para dezoito minutos. A 700 quilómetros da meta, Mouton cometeu um erro e capotou. Totalmente danificado, a francesa tentou andar adiante, mas tiudo acabou cinco quilómetros depois.

Rohrl venceu o rali e acabou por ser o campeão. E sentia-se aliviado, pois perder o título ter-lhe-ia sido cruel. "Teria aceite a derrota perante Mikkola, mas não perante Mouton. Não porque duvide das suas capacidades como piloto, mas porque é mulher". No final do ano, foi vice-campeã e eleita como a Piloto do Ano pela Autosport britânica.

Mouton retirou-se em 1986, depois de acabar com o Grupo B, fundou a Corrida dos Campeões e agora é comissária da FIA, procurando por novos talentos femininos no automobilismo. Mas neste Dia Internacional da Mulher, bom saber que este desporto, um dos mais masculinos - e mais machistas - teve já mulheres que andaram ao lado de homens e os ganharam. 

Sem comentários: