sexta-feira, 8 de março de 2019

Voltamos a roçar o risco

Quando comecei a ver ralis, nos já distantes anos 80 dos século XX, apanhei em cheio os carros do Grupo B. Audi Quattro, Peugeot 2015 Ti16, Ford RS200, Lancia 037, Lancia Delta S4... todos esses carros e mais alguns, eram monstros cuja relação peso-potência era baixo. Os espectadores apinhavam as estradas para vê-los a passar, por vezes a mais de 200 km/hora, em estreitos corredores dos quais, muitas das vezes, os pilotos fingiam que não eram pessoas, e os navegadores não os viam. Evidentemente, um dia, foi demais. Joaquim Santos bateu contra espectadores na classificativa da Lagoa Azul, e dois meses depois, Henri Toivonen, cansado, não fez a curva e caiu ribanceira abaixo, para a sua morte, e a do seu navegador, Sergio Cresto.

Os Grupo B acabaram e passamos para os Grupo A, para domar os carros e disciplinar os espectadores. Mas trinta anos se passaram e descobrimos que os carros começam a ser cada vez mais potentes, tão ou mais potentes que esses carros que ficaram na memória de toda uma geração de petrolheads". Se para alguns, até pode ser boa noticia, eu também vejo a parte má.

Isso voltou à mente quando soube esta noite que houve confusão na especial de abertura do Rali do México, em Leon. O rali mexicano esteve recentemente nas bocas do mundo por ser uma prova... escassa - apenas 23 pilotos inscritos, o quarto mais baixo da história - e na noite de quinta-feira, madrugada desta sexta-feira, durante essa especial, o finlandês Esapekka Lappi, a bordo do seu Citroen oficial, exagerou num salto que foi mal instalado e mal soldado, e teve dificuldades em controlar o carro, evitando por muito pouco mergulhar nos espectadores, como aconteceu há quase 33 anos com Santos, na Lagoa Azul.

"Eu realmente não esperava este tipo de salto e nem sequer ia muito depressa”. Foi o que disse Esapekka Lappi no final da sua passagem pela super especial de abertura do Rali do México. Por aqui se percebe que as equipas menosprezaram o salto que a rampa proporcionava. Resultado final? Cancelamento imediato da especial, o que levou a que Ott Tanak, Thierry Neuville e Sébastien Ogier não realizassem o troço.

Em declarações ao Motorsport.com, no final dessa especial, um dos pilotos mostrou o seu desagrado: “Isto é uma loucura. Quando é que isto para? Porque precisamos destes saltos estúpidos e perigosos? Este é um grande troço, um dos melhores em termos de ambiente para os adeptos, é fantástico. Por que precisamos torná-lo ainda mais emocionante? Não precisamos! Agora é tudo sobre saltos? Quando é que a FIA para com isto? É estúpido e é perigoso.” disse esse piloto, que pediu para não ser identificado pelo site.

E não ficou por aqui. Na terceira especial do rali, esta cena apareceu nos ecrãs de quem assistia. Claro, a prova ainda está nem a meio, mas foi por causa destes incidentes que em 2016, o Rali da Polónia saiu do calendário...

A ideia de parecer voltar a 1986 não me agrada, porque vivi esse tempo. E lembro-me sempre do pânico que foi com todos aqueles acidentes e a enorme campanha de sensibilização para os perigos de espera perto dos carros de ralis. Só que agora, temos outros tipos de perigo: os que vão para a beira da curva, com o seu GoPro e querem filmar tão em cima dos carros que... se não deitam no meio da especial, andam lá perto. Vi uma pessoa há umas semanas em Fafe, e lembrei-me do incidente que em 2017 matou um espectador em Monte Carlo, depois do acidente sofrido pelo neozelandês Hayden Paddon.

De facto, o automobilismo é uma coisa fabulosa, e entendo que desejem ver os carros cada vez mais velozes, mas não se pode perder o pé. Tem de se saber que há uma fina linha entre a velocidade e a inconsistência. E é melhor que a FIA corrija alguns tiros, pois caso contrário, ainda iremos lamentar algo muito grave.

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