sexta-feira, 12 de junho de 2020

A imagem do dia

Jackie Stewart a caminho da sua vitória número 25 nas ruas do Mónaco, no seu Tyrrell 006. Eu sei que o aniversário dele foi ontem, mas passei esta semana a ler a sua autobiografia, "Winning is Not Enough", onde ele fala da sua vida desde a sua infância, passando pela sua carreira competitiva, a sua dislexia, a sua luta pela segurança nos circuitos, e depois as suas carreiras como comentador televisivo, e conselheiro para marcas como a Ford, Goodyear, Elf e Rolex.

O que hoje queria trazer para aqui, nesta semana de aniversário, do qual me dediquei a ler a sua autobiografia, foi o ano de 1973. Jackie Stewart, bicampeão do mundo, era, aos 34 anos, uma pessoa desgastada. Tinha estado parte do ano de 1972 na cama, doente, por oito semanas, por causa de uma monocelulose, e depois, uma úlcera duodenal. Apenas perdeu uma corrida, é verdade, mas de uma forma, isso contribuiu para a perda do título para Emerson Fittipaldi, no seu Lotus 72.

Em 1973, parecia que Fittipaldi ia a caminho do seu segundo título mundial. Em abril, o brasileiro tinha ganho na Argentina e no Brasil natal, contra um triunfo seu em Kyalami, depois de uma qualificação desastrosa, onde bateu com o seu carro e apenas largou de 16º na grelha.

A 24 de abril, Stewart convidou para um almoço em Londres três pessoas de sua confiança: Ken Tyrrell, seu patrão e bom amigo, Walter Hayes, o presidente da Ford Europa, antigo jornalista e depois convenceu a fábrica a investir 300 mil libras no projeto do Cosworth DFV V8, que ando depois disse quer tinha sido o dinheiro melhor gasto na história do automobilismo, e John Wadell, outro executivo da Ford. 

"Depois de um certo tempo, disse 'Meus senhores, convidei-os [aqui] porque queria que fossem os primeiros a saber que irei retirar-me no final desta temporada. Nada direi em público, e eu sei que respeitarão isso, nas queria que soubessem [disso].'"

Olhei à volta e senti que a noticia não tinha sido acolhida com particular surpresa. Ken, aparentente, falou por todos os outros, afirmando que queria persuadir para continuar. 'Mas', ele concluiu com um sorriso, 'não vou fazer isso. Sempre foi uma decisão tua, e de mais ninguém. Agora que tomaste a decisão, não há problema. Só quero agradecer que esta não é uma decisão imediata e vais completar a temporada connosco'".

Senti que me tiraram um enorme peso nas minhas costas, e eu sai do lugar sentindo-me quase eufórico porque, depois de meses de incerteza, sabia categóricamente que tinha tomado a decisão correta. 

Decidi não contar nada a Helen [Stewart, sua mulher]. Foi difícil. Não queria colocá-la na posição horrível de contar as corridas que faltavam até ao final da temporada, como se estivesse a contar as garrafas na parede e sempre pensando se, como diz a canção, uma das garrafas 'caísse acidentalmente'. Para além disso, se dissesse a ela, a sua lógica seria porque não retirar de imediato e assim evitaria mais riscos desnecessários. Depois teria de lhe dizer que tinha prometido a Ken que iria completar a temporada, e isso iria ser um problema. Assim sendo, não disse nada a Helen e os rapazes, e nada disse a Francois Cevért porque as noticias poderiam confundir a sua concentração.

Ninguém mais teria de saber. A decisão tinha sido feita e, disse para mim mesmo, precisava de me concentrar na minha condução e olhar para o que restava para aquela que iria ser a minha última temporada. Estava determinado a gozá-la, talvez aproveitá-la para saborear a atmosfera de cada corrida e cada circuito. De uma certa forma, tomar esta decisão cedo na temporada criou a preciosa oportunidade de, como diz o ditado, 'cheirar as rosas'.

O segredo foi respeitado por todos. A descontração com o qual encarou as corridas que faltavam quase lhe custou uns acidentes bem feios. Na volta de desaceleração para o GP do Mónaco, onde venceu depois de uma luta imensa com Emerson Fittipaldi, ambos se tocaram na saída do túnel, quase acabando no muro.

Mas depois, vitórias na Holanda e Alemanha, no mesmo lugar onde cinco anos antes, vencera debaixo de chuva e nevoeiro, numa das provas mais épicas da história do automobilismo, o deram o campeonato, o terceiro da sua carreira e um final que poderia ter sido apoteótico, se não fosse os eventos de Watkins Glen.

Essa, conto depois.    

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