segunda-feira, 20 de março de 2023

A imagem do dia


Muitas excelentes personagens, muitas vezes, são ajudadas por pessoas que, nos bastidores, dão apoio moral, material e logístico nas suas concretizações. Quando se ouve a expressão "por trás de um grande homem está uma grande mulher" - o contrário também existe - muitas das vezes é uma parceria: alguém dá a cara para contar as histórias ou para mostrar a concretização de ambições e projetos, enquanto nos bastidores, de forma discreta, falando com as pessoas indicadas, fará de tudo para que a máquina saia oleada, porque, ao contrário de um certo filme na berra, ninguém é capaz de fazer tudo e está todo o lado ao mesmo tempo, no mesmo lugar.

Stirling Moss teve uma longa carreira depois do seu acidente em Goodwood, em 1962, num Lotus 24. Mas não como piloto, foi como contador de histórias e lenda viva, acarinhada por toda a gente no automobilismo e não só. Ainda muitos sentem a sua ausência, depois de desaparecer no domingo de Páscoa de 2020, aos 90 anos, um dos últimos sobreviventes da década de 50 do século XX, a primeira da Formula 1. Ao contrário do normal, Moss envelheceu a contar histórias, a marcar presença de eventos históricos e a conduzir carros lendários, como o Mercedes 300 que triunfou nas Mille Miglia de 1955, navegado por Dennis Jenkinson, mítico jornalista da Motorsport britânica, conhecido pela sua longa barba.

Contudo, nesses tempos de contar histórias do seu passado, estava sempre acompanhado por uma mulher um pouco mais jovem, discreta, mas essencial na logistica de Stirling Moss: Lady Susie, a sua terceira mulher. 

Susie Paine como nome de solteira, eram casados desde 1980, e era mãe do seu filho mais novo, Elliot. Ela poderia ser a sua filha, pois era a filha de um amigo seu e a diferença entre ambos era de 23 anos. Ou seja, ela tinha 27 anos, ele 50. Nos 40 anos seguintes, foi ela que manteve a lenda - e a vida de Moss - a funcionar. Assistente e secretária leal quando ambos participavam, muitas das vexes sentava-se a seu lado, cuidando de o recordar e corrigir algumas das suas histórias quando a memória do seu prodigioso marido falhava. E, por causa dos seus acidentes que sofreu ao longo da sua carreira, o seu físico e mental começou a falhar mais frequentemente com o avançar dos anos. 

Em casa, tornou-se na sua cuidadora fiel, que velava por ele quando o físico o fez tropeçar nos seus pés. Como em 2010, quando caiu de um poço de elevador na sua casa de Londres e fraturou ambos os tornozelos, do qual recuperou em pouco tempo, apesar de já ter passado dos 80 anos, em 2009.

Sobre ela, Andrew Frankel escreveu o seguinte na revista Motorsport em 2021, quando passava um ano sobre a morte de Moss: 

"Stirling Moss não era apenas uma pessoa, era um negócio também. E isso precisava de funcionar. 

Ele devia isso a sua esposa, Lady Susie Moss. Pode ter sido casada com Stirling, o ser humano, mas também administrou Stirling, a marca. Por 40 anos, seu trabalho foi organizá-lo e garantir que, aconteça o que acontecer, ele estava onde precisava estar, quando precisava estar lá, totalmente informado, pronto para ser o Sr. Motor Racing sempre que fosse necessário.

Ela o cobriria também: nas últimas décadas, a memória de Stirling tornou-se, na melhor das hipóteses, irregular - possivelmente por causa da pancada na cabeça em 1962 - então Susie o lembraria quem eram as pessoas segundos antes de ele as conhecer. Quando a idade dele e o efeito cumulativo de seus inúmeros ferimentos começaram a limitar seus movimentos, ela também seria seu apoio no sentido mais literal.

E é claro que ela poderia ter feito tudo isso como uma número dois obediente, sua esposa em casa e assistente no trabalho. No entanto, nunca os vi dessa maneira. Eles foram a maior dupla neste negócio. Stirling pode ter atraído toda a atenção, mas foi Susie quem manteve o show na estrada. Eu os via como iguais e, quando trabalhavam juntos, provavelmente ainda mais do que a soma de suas partes.

Sempre seria necessária uma pessoa extraordinária para administrar Stirling de forma profissional e pessoal, e não apenas porque ele poderia ser difícil, truculento e possuía um dos personagens mais fortes que você poderia imaginar. Um capacho respeitoso não teria durado cinco minutos, mas provavelmente é mais do que alguém que tentou dominar Stirling e dobrá-lo à sua vontade teria durado. Susie encontrou o equilíbrio. Ela trabalhava com ele, não para ele. Ele era Stirling Moss, mas juntos eram Stirling Moss Ltd.

E em particular? Eu acho que é onde tais assuntos devem ficar, então basta dizer aqui que eles se adoravam. E você pode ver o porquê: Stirling, longe da multidão era surpreendentemente gentil, sem ego e absolutamente cheio de humor. Susie é uma das pessoas mais atenciosas e calorosas que você poderia esperar conhecer, com um senso de humor igual ao do seu marido."

Lady Susie estava ao lado de Stirling quando este exalou o seu último suspiro, a 12 de abril de 2020, aos 90 anos de idade.

Quanto a ela, morreu hoje aos 69 anos, quase três anos depois de ver partir o seu companheiro de toda uma vida. A sua dedicação foi tal que depois de ele falecer, reparou que a sua vida quase não tinha sentido sem ele. O que passaram ao mundo foi uma forma de amor leal, dando uma segunda vida a um colosso do automobilismo, e quando a morte os separou, ela mostrou que os corações partidos não duram muito tempo.  

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