quinta-feira, 19 de junho de 2025

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As pessoas falam muito do GP de San Marino de 1994 como sendo o mais trágico Grande Prémio da história da Formula 1, uma página negra da história da Formula 1. Sendo verdadeiro nessa parte, existem porém, um fim de semana onde se equivale nessa tragédia, mas que é pouco conhecida. E faz hoje 65 anos: o GP da Bélgica de 1960. 34 anos antes de Imola, digamos assim.

Num tempo em que não havia redes sociais e a televisão estava na sua infância, tudo isto seria conhecido pela rádio e jornais, mas não transmitiam os eventos "em direto". Se assim fosse, talvez teria ideia que, por exemplo, uma das mortes do automobilismo se deveu... a um pássaro.

Mas antes, a 17 de junho, nos treinos de sexta-feira, acontecerem os primeiros acidentes sérios. E foi logo num dos favoritos à vitória: Stirling Moss. Vencedor do recente GP do Mónaco, o piloto, que corria num Lotus 18 inscrito pela Rob Walker Racing, perdeu o controlo do seu carro devido a um eixo traseiro e acabou fora da pista. No embate, Moss foi cuspido para fora do carro e partiu as duas pernas. Apesar de ficar fora de combate para o resto do fim de semana, estava vivo.

Horas depois, Mike Taylor, piloto britânico inscrito pela Taylor-Crawling Racing Team, marcava os seus tempos no seu Lotus 18 quando perdeu o seu controlo, embateu contra árvores e sofreu fraturas múltiplas por todo o corpo. Demorou muito tempo para recuperar dos seus ferimentos, mas a sua carreira como piloto terminaria nesse dia. Tempos depois, processou Colin Chapman, dono da Lotus, alegando que os seus produtos tinham tendência para quebrar, eram demasiado leves e frágeis. O processo demorou algum tempo, mas no final, Mike ganhou e a Lotus foi obrigada a pagar uma indemnização. A má fama da leveza dos seus chassis começou a aparecer...

Apesar dos acidentes, a sessão continuou, como era de costume nesse tempo. E no final, foi o Cooper oficial de Jack Brabham a fazer a pole-position, tendo a seu lado outro Cooper, mas privado, de Tony Brooks. A completar a primeira fila estaria o Lotus de Stirling Moss, mas sem poder competir, no seu lugar ficou o Ferrari de Phil Hill. Na segunda fila estava outro Cooper privado, o de Olivier Gendebien, e o BRM de Graham Hill, enquanto que na terceira fila estaria outro BRM, o de Jo Bonnier, e os Lotus de Innes Ireland e Chris Bristow. A fechar o "top ten" estava o terceiro Lotus de Jim Clark.

Domingo, 19 de junho de 1960, acontecia a corrida. E o que eles não sabiam era que seria a última para dois pilotos. Num espaço de minutos, eles estariam mortos em acidentes separados.

Quanto à corrida, não teve muita história: Brabham, que estava a ter uma temporada dominante com o seu Cooper-Climax de motor traseiro, ficou com o comando nos metros iniciais, depois de fazerem o Radillon, e não mais largou até à 36ª e última volta. Mas entre um e outro momento, iria se assistir a momentos negros do automobilismo.

Por alturas da volta 18, metade da corrida, o britânico Chris Bristow e o belga Willy Mairesse lutavam pelo sexto posto, o ultimo lugar pontuável. Conhecidos pelo seu estilo agressivo - Bristow era chamado de "o homem selvagem do automobilismo britânico" - nenhum deles cedia e corriam nos seus limites. Bristow, nascido a 2 de dezembro de 1937, guiava um Cooper naquele dia, inscrito pela Yeoman Credit Racing Team. Contudo, quando ambos os carros passavam pela curva Bruneville, o Cooper de Bristow perdeu o controle e bateu forte numa berma que tinha uma vedação de arame farpado. Quando o carro atingiu esse local, o carro capotou e o arame farpado decapitou a sua cabeça, matando-o instantaneamente. Bristow tinha 22 anos, e até aos dias de hoje, é o piloto mais novo de sempre a morrer durante uma corrida.

Mas, claro, as fatalidades não acabariam por aqui. Alguns minutos depois, novo acidente fatal. E aqui, as circunstâncias foram mais bizarras. 

Alan Stacey tinha 26 anos nessa altura - nascera a 29 de agosto de 1933 - e era piloto oficial da Lotus. Tinha corrido em sete provas pela marca e tinha uma característica interessante: era um amputado, ao ter perdido a sua perna direita abaixo do joelho depois de um acidente de moto quando tinha 17 anos. Segundo contou tempos depois o jornalista suíço Gerard Crombac, tinha um acelerador semelhante ao das motos no seu Lotus 18, e ele achava que isso daria menos vantagem em aceleração.

Na corrida belga, Stacey estava a ter uma corrida algo conservadora quando na volta 25, se aproximava da temível Masta Kink, uma sequências de curvas à esquerda de direita, feitas em alta velocidade, Stacey foi atingido por um pássaro enquanto rolava a mais de 260 km/hora. Perdeu o controlo do seu carro, bateu na rampa, não muito longe do sitio onde morrera poucos minutos antes o seu compatriota Bristow, e o carro, um Lotus 18, pegou fogo. Até agora não se sabe bem se ele já estaria morto quando aconteceu a colisão com o pássaro ou se isso aconteceu quando foi projetado para fora do carro, mas uma coisa era certa: aos 26 anos, a sua vida tinha chegado ao fim.

As circunstâncias da sua morte foram de facto bizarras, mas isso só foi contado mais de vinte anos depois, quando o seu companheiro de equipa, Innes Ireland, que se tinha tornado jornalista da Road & Track americana, ter ouvido o testemunho de alguns espectadores na pista, que falaram da hipótese do pássaro, que, especula ele, ou o colocou inconsciente, ou o causou ferimentos fatais na cabeça, ou então, causou uma fratura no pescoço e do qual acabou como passageiro do seu carro que capotou e pegou fogo.

No final, houve mais confusão: se Brabham e Bruce McLaren deram à Cooper uma dobradinha bem merecida, a atribuição do terceiro lugar foi confusa: Graham Hill parou na última volta devido a problemas de motor, quando estava no terceiro posto, mas como ele não puxou pelo carro até à meta, não foi considerado, e esse lugar ficou nas mãos do Cooper privado de Olivier Gendebien. O Ferrari de Phil Hill conseguiu o quarto posto, enquanto que Jim Clark conseguia os seus primeiros pontos da carreira com o seu quinto posto, e a fechar os pontos estava outro belga: Lucien Bianchi.

E assim acabou uma das corridas mais trágicas da história do automobilismo. Contudo, o impacto não foi tão forte quanto, por exemplo, o que acontecera cinco anos antes em Le Mans. Creio que o facto de não ter morrido espectadores, como acontecera na pista francesa, poderá ter contribuído para o seu baixo impacto na mente das pessoas. Afinal de contas, nesses tempos, os pilotos estavam ali por sua própria conta e risco, e existia uma ideia - dita romântica - do piloto de automóveis como alguém que enfrentava a morte todas as corridas, e do qual um dia, isso aconteceria. 65 anos depois, o mundo está muito diferente. 

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