Num tempo em que não havia redes sociais e a televisão estava na sua infância, tudo isto seria conhecido pela rádio e jornais, mas não transmitiam os eventos "em direto". Se assim fosse, talvez teria ideia que, por exemplo, uma das mortes do automobilismo se deveu... a um pássaro.
Mas antes, a 17 de junho, nos treinos de sexta-feira, acontecerem os primeiros acidentes sérios. E foi logo num dos favoritos à vitória: Stirling Moss. Vencedor do recente GP do Mónaco, o piloto, que corria num Lotus 18 inscrito pela Rob Walker Racing, perdeu o controlo do seu carro devido a um eixo traseiro e acabou fora da pista. No embate, Moss foi cuspido para fora do carro e partiu as duas pernas. Apesar de ficar fora de combate para o resto do fim de semana, estava vivo.
Horas depois, Mike Taylor, piloto britânico inscrito pela Taylor-Crawling Racing Team, marcava os seus tempos no seu Lotus 18 quando perdeu o seu controlo, embateu contra árvores e sofreu fraturas múltiplas por todo o corpo. Demorou muito tempo para recuperar dos seus ferimentos, mas a sua carreira como piloto terminaria nesse dia. Tempos depois, processou Colin Chapman, dono da Lotus, alegando que os seus produtos tinham tendência para quebrar, eram demasiado leves e frágeis. O processo demorou algum tempo, mas no final, Mike ganhou e a Lotus foi obrigada a pagar uma indemnização. A má fama da leveza dos seus chassis começou a aparecer...
Apesar dos acidentes, a sessão continuou, como era de costume nesse tempo. E no final, foi o Cooper oficial de Jack Brabham a fazer a pole-position, tendo a seu lado outro Cooper, mas privado, de Tony Brooks. A completar a primeira fila estaria o Lotus de Stirling Moss, mas sem poder competir, no seu lugar ficou o Ferrari de Phil Hill. Na segunda fila estava outro Cooper privado, o de Olivier Gendebien, e o BRM de Graham Hill, enquanto que na terceira fila estaria outro BRM, o de Jo Bonnier, e os Lotus de Innes Ireland e Chris Bristow. A fechar o "top ten" estava o terceiro Lotus de Jim Clark.
Domingo, 19 de junho de 1960, acontecia a corrida. E o que eles não sabiam era que seria a última para dois pilotos. Num espaço de minutos, eles estariam mortos em acidentes separados.
Quanto à corrida, não teve muita história: Brabham, que estava a ter uma temporada dominante com o seu Cooper-Climax de motor traseiro, ficou com o comando nos metros iniciais, depois de fazerem o Radillon, e não mais largou até à 36ª e última volta. Mas entre um e outro momento, iria se assistir a momentos negros do automobilismo.
Por alturas da volta 18, metade da corrida, o britânico Chris Bristow e o belga Willy Mairesse lutavam pelo sexto posto, o ultimo lugar pontuável. Conhecidos pelo seu estilo agressivo - Bristow era chamado de "o homem selvagem do automobilismo britânico" - nenhum deles cedia e corriam nos seus limites. Bristow, nascido a 2 de dezembro de 1937, guiava um Cooper naquele dia, inscrito pela Yeoman Credit Racing Team. Contudo, quando ambos os carros passavam pela curva Bruneville, o Cooper de Bristow perdeu o controle e bateu forte numa berma que tinha uma vedação de arame farpado. Quando o carro atingiu esse local, o carro capotou e o arame farpado decapitou a sua cabeça, matando-o instantaneamente. Bristow tinha 22 anos, e até aos dias de hoje, é o piloto mais novo de sempre a morrer durante uma corrida.
Mas, claro, as fatalidades não acabariam por aqui. Alguns minutos depois, novo acidente fatal. E aqui, as circunstâncias foram mais bizarras.
Alan Stacey tinha 26 anos nessa altura - nascera a 29 de agosto de 1933 - e era piloto oficial da Lotus. Tinha corrido em sete provas pela marca e tinha uma característica interessante: era um amputado, ao ter perdido a sua perna direita abaixo do joelho depois de um acidente de moto quando tinha 17 anos. Segundo contou tempos depois o jornalista suíço Gerard Crombac, tinha um acelerador semelhante ao das motos no seu Lotus 18, e ele achava que isso daria menos vantagem em aceleração.
Na corrida belga, Stacey estava a ter uma corrida algo conservadora quando na volta 25, se aproximava da temível Masta Kink, uma sequências de curvas à esquerda de direita, feitas em alta velocidade, Stacey foi atingido por um pássaro enquanto rolava a mais de 260 km/hora. Perdeu o controlo do seu carro, bateu na rampa, não muito longe do sitio onde morrera poucos minutos antes o seu compatriota Bristow, e o carro, um Lotus 18, pegou fogo. Até agora não se sabe bem se ele já estaria morto quando aconteceu a colisão com o pássaro ou se isso aconteceu quando foi projetado para fora do carro, mas uma coisa era certa: aos 26 anos, a sua vida tinha chegado ao fim.
As circunstâncias da sua morte foram de facto bizarras, mas isso só foi contado mais de vinte anos depois, quando o seu companheiro de equipa, Innes Ireland, que se tinha tornado jornalista da Road & Track americana, ter ouvido o testemunho de alguns espectadores na pista, que falaram da hipótese do pássaro, que, especula ele, ou o colocou inconsciente, ou o causou ferimentos fatais na cabeça, ou então, causou uma fratura no pescoço e do qual acabou como passageiro do seu carro que capotou e pegou fogo.
No final, houve mais confusão: se Brabham e Bruce McLaren deram à Cooper uma dobradinha bem merecida, a atribuição do terceiro lugar foi confusa: Graham Hill parou na última volta devido a problemas de motor, quando estava no terceiro posto, mas como ele não puxou pelo carro até à meta, não foi considerado, e esse lugar ficou nas mãos do Cooper privado de Olivier Gendebien. O Ferrari de Phil Hill conseguiu o quarto posto, enquanto que Jim Clark conseguia os seus primeiros pontos da carreira com o seu quinto posto, e a fechar os pontos estava outro belga: Lucien Bianchi.
E assim acabou uma das corridas mais trágicas da história do automobilismo. Contudo, o impacto não foi tão forte quanto, por exemplo, o que acontecera cinco anos antes em Le Mans. Creio que o facto de não ter morrido espectadores, como acontecera na pista francesa, poderá ter contribuído para o seu baixo impacto na mente das pessoas. Afinal de contas, nesses tempos, os pilotos estavam ali por sua própria conta e risco, e existia uma ideia - dita romântica - do piloto de automóveis como alguém que enfrentava a morte todas as corridas, e do qual um dia, isso aconteceria. 65 anos depois, o mundo está muito diferente.





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