O segundo lugar da Lotus estava vago no final dessa temporada, com Elio de Angelis a decidir sair da equipa, depois de seis temporadas de bons serviços - e duas vitórias - caminhando, ao que tudo aparentava, para a Brabham, correr ao lado do seu compatriota Riccardo Patrese. Com um lugar desses tão apetecível, um piloto que tentou a sua sorte fora Derek Warwick, que tinha ficado sem lugar na Renault, com a equipa a fechar as portas no final dessa temporada.
Warwick era o ideal. Rapido, e... britânico, para satisfazer os patrocinadores, mas havia um problema: Ayrton Senna. Fora ele que, em 1985, tinha colocado a Lotus na senda das vitórias, ganhando duas corridas e conseguido quase uma dezena de pole-positions, apesar da sua inconsistência, mais devido á fragilidade do material. Senna queria tentar o título em 1986, e viu em Warwick alguém que, não sendo mais rápido que ele, tinha melhores conhecimentos do motor Renault e iria desviar recursos preciosos na equipa nessa sua tentativa de campeonato com o motor Renault V6 Turbo, do qual agora iria ser o fornecedor numero um.
Resultado? Decidiu vetar a sua presença. Em 2024, Warwick contou essa cena na sua autobiografia, "Never Look Back: The Racing Life of Britain's Double World Champion", escrita a meias com David Tremayne.
"Fui para 1986 acreditando firmemente que pilotaria para a Lotus como companheiro de equipa de Ayrton Senna. Quando vi as minhas perspectivas na Renault a sairem dos trilhos no início de 1985, trabalhei muito para conseguir a transferência.
Eu tinha testado uma Lotus-Renault 97T em Brands Hatch e tudo correu muito bem. Eles queriam que eu e a Renault ficássemos satisfeitos com a continuidade da nossa associação, com a Lotus sendo agora o "estandarte" da Renault em 1986, após a retirada da equipa oficial. E com Elio de Angelis a caminho da Brabham, havia uma vaga disponível para mim.
Eu não sabia que tinha sido vetado na Lotus até uma semana antes do Natal. Tudo havia sido acertado e eu assinei o contrato. Quanto à assinatura do contrato da parte da Lotus, eles queriam que eu fosse até a base deles em Hethel, em Norfolk, para isso. Eu me perguntei por que eles precisavam que eu fizesse isso, mas achei que até seria uma boa ideia, porque eu poderia passar algum tempo com os engenheiros e mecânicos.
Peter Warr, o chefe da equipa, não estava naquele dia. Recentemente, li algo em que ele afirmava ter me informado por telefone, em janeiro de 1986, que estava fora da equipa, mas certamente não é assim que me lembro. Quanto ao livro que ele escreveu sobre seu tempo na Lotus, ele nem sequer se refere a este episódio.
Ele era um ex-aluno de escola pública que havia servido na Royal Horse Artillery. Ele tendia a agir como se achasse que ainda estava no campo de parada, com grande respeito por si mesmo. Quando tinha algo a dizer, ele empurrava os óculos para trás com um dedo, olhava para você e dizia: "Olhe aqui, amigo..."
Naquele dia de dezembro, ele deixou para o Fred Bushell [contabilista da Lotus] a tarefa de me dar as más notícias. Quando cheguei, Bushell, que mais tarde foi preso por causa do envolvimento de Colin Chapman no caso DeLorean, chamou-me ao seu escritório. Ele não permitiu que eu entrasse na oficina, então eu estava começando a suspeitar que algo estava acontecendo. Mas eu não esperava a bomba que soltou ali mesmo.
Ele me disse que Senna não me queria como companheiro de equipa e estava a colocá-los sob muita pressão, então eu estava fora. Simples assim. Havíamos concordado com os termos e eu havia assinado o contrato, mas eles estavam a renegá-lo. Rasguei meu contrato assinado na frente dele, pois agora era tão inútil quanto ele e Warr.
O contrato tinha-me concedido o status de co-número um, com o uso alternado do carro reserva e a primeira escolha de mecânicos. Todos sabemos hoje que Ayrton era uma verdadeira lenda, mas, naquele momento, ele estava na Lotus havia apenas um ano e não havia começado a vencer há muito tempo, tendo triunfado em Portugal e na Bélgica.
Mas, como descobri, a Lotus e seu patrocinador, John Player, queriam que ele estivesse feliz, e ambos simplesmente cederam à pressão exercida por ele. Ele ainda era relativamente inexperiente, portanto, o status de número um era uma exigência razoável da minha parte. Mas ele exigia exclusividade: o melhor carro, acesso permanente à reserva, os melhores mecânicos, o melhor engenheiro, o projetista-chefe dedicado ao seu carro. Ele queria tudo. E ele não queria um britânico rápido no outro carro."
Claro, a imprensa desportiva britânica ficou furiosa e decidiu causar uma tempestade num copo de água, com alguma razão, mas Senna apenas limitou a usar uma clausula do seu contrato para mostrar as suas prerrogativas de primeiro piloto. Sem Warwick, quem é que a Lotus poderia trazer, tentando satisfazer todas as partes.
Por incrível que pareça, Senna tinha o seu favorito: Mauricio Gugelmin. Amigo pessoal de Senna - tinham partilhado casa na Grã-Bretanha - campeão da Formula 3 britânica em 1985, e vencedor do GP de Macau do mesmo ano, como ele tinha sido em 1983, era um candidato natural. Mas aí, foi a vez da Imperial Tobacco ter a sua palavra e achou que dois brasileiros na equipa de Colin Chapman era demais. Então, resolveu-se por outro campeão de Formula 3, mas mais antigo: o escocês Johnny Dumfries.
Nascido John Colum Crichton-Stuart a 26 de abril de 1958, era o filho do sexto Marquês de Bute, no sul da Escócia, e tinha sido o campeão britânico da Formula 3, em 1984. Mas o facto de ter nascido em berço nobre não lhe facilitou as coisas, bem pelo contrário: desde os 16 anos que se tinha metido as mãos na massa, sendo mecânico, condutor de camiões em equipas de Formula Ford e Formula 3 um pouco por toda a Grã-Bretanha. Ainda nesse ano de 1984, Dumfries foi vice-campeão europeu, batido pelo italiano Ivan Capelli.
Nessa altura, Dumfries andava entre a Endurance, a Formula 3000 - a correr pela Onyx - e era piloto de testes na Ferrari. A chegada à Formula 1 foi algo inesperada, mas bem-vinda, e de uma certa maneira, a sua presença foi aquilo que Senna queria.
Quanto a Warwick, sem lugares de relevo na Formula 1, decidiu aceitar o convite de Tom Walkinshaw para correr na Endurance em 1986, a bordo dos chassis Jaguar. Mas Warwick não ficaria muito tempo a ver a Formula 1 pela televisão. Contudo, a recusa de Senna pesou um pouco na sua consciência, embora iria acabar por rumar à Lotus. Demorou mais um pouco, mas acabaria por acontecer.



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