segunda-feira, 30 de julho de 2007

O caso Stephney explicado por um dos juízes da FIA

António Vasconcelos Tavares é o representante português no conselho mundial da Federação Internacional do Automóvel (FIA), desde há oito anos a esta parte. Este Domingo, o jornal português “Público” fez uma entrevista a ele, com a ideia de saber novidades sobre o peso de Portugal no órgão máximo do automobilismo mundial, e as hipóteses de voltar a receber a Formula 1, por exemplo. Mas Vasconcelos Tavares fala também sobre a sua visão acerca do "caso Stephney”, que opôs Ferrari à McLaren, e que foi a julgamento esta quarta-feira em Paris, e “deu em pizza”, como dizem os brasileiros. Sendo um “insider”, revelou alguns pormenores absolutamente surpreendentes. É essa parte da entrevista, feita pelo jornalista Hugo Daniel Sousa, que coloco aqui:


P - Decidir sobre um caso de espionagem que envolve as duas principais equipas da F1 é difícil?

R - É difícil, mas tivemos acesso a documentos confidenciais, com autorização do Tribunal de Londres, sobre as buscas domiciliárias. Ficámos completamente dentro do assunto e tornou-se patente que o dossier tinha estado durante dois meses e pouco nas mãos do funcionário da McLaren Mike Coughlan. Isso é um facto. Assim como o funcionário da Ferrari Nigel Stepney tinha cedido, além do dossier, várias actualizações via e-mail. Mas o que não conseguimos foi estabelecer uma ligação entre esses dados e os outros responsáveis da McLaren.

P - O conselho mundial deu como provada a versão da McLaren, que admite uma acção individual, mas não da equipa?



R - Não ficou provado o contrário. Claro que é uma situação gravosa, mas é preciso haver provas. Quase no final da audição, a própria McLaren pôs uma pergunta embaraçosa a Jean Todt [director-geral da Ferrari]: "Será que o senhor Stepney não tem informação da McLaren, visto que havia uma ligação entre os dois engenheiros?" Stepney e Coughlan eram amigos.

P - A Ferrari disse que esta decisão legitimava comportamentos desonestos. Como é que reage?

R - A Ferrari esteve na reunião e as duas entidades expuseram os seus pontos de vista. Jean Todt disse que aceitava a decisão, embora eu compreenda que não foi a decisão que a Ferrari gostaria, até porque tem queixas em tribunal. Também não sabemos o que essas queixas vão dar, até porque se trouxerem novos dados, a FIA terá de reanalisar a situação.


P - O conselho mundial vai ouvir os dois engenheiros envolvidos. Eles serão os únicos castigados?

R - Esses dois engenheiros tiveram um comportamento ilícito e imoral. Terão de apresentar boas razões para não ficarem suspensos para sempre no desporto automóvel.

P - Esta foi a decisão mais difícil em que participou?

R - Desde que estou no conselho mundial, houve três decisões delicadas. A primeira foi quando Michael Schumacher venceu o Grande Prémio da Áustria [2002], depois de o Rubens Barrichello o ter deixado passar. Apesar de ser uma manobra antidesportiva, não havia nos regulamentos algo que a sancionasse. A solução foi penalizar o Schumacher porque baralhou a cerimónia do pódio e foi para o segundo lugar. Tudo acabou com uma multa de um milhão de dólares. A segunda foi o GP da Turquia, em 2006, em que na cerimónia do pódio apareceu o alto responsável do Governo cipriota turco. Criou-se um incidente diplomático e a punição foi de cinco milhões de dólares. Mas este caso de espionagem foi o mais difícil. A decisão foi tomada em pouco tempo [15 minutos], mas a apreciação do dossier foi um processo mais longo. Ao todo, acedemos a quase 400 páginas e houve seis horas de reunião.

P - O facto de uma penalização da McLaren poder abalar o campeonato foi tido em conta?

R - Sentimo-nos satisfeitos que a política de segurança esteja a resultar e estamos contentes pelo maior equilíbrio entre as equipas. Ainda não é o equilíbrio que achamos que existirá em 2009, depois do novo Pacto da Concórdia, mas o campeonato está a ser excepcional, pleno de interesse. É natural que o senhor Ecclestone estivesse preocupado, mas não teve qualquer influência na decisão.

P - O que mais o surpreendeu?

R - A McLaren distribuiu-nos folhas sobre testes que fazem mensalmente. Fiquei boquiaberto. Os parâmetros que eles estudam para perceber se ganham ou perdem centésimos de segundo chegam ao ponto de incluir o tipo de tinta com que se pinta o carro.

2 comentários:

kimi_cris disse...

Este caso está a dar uma voltas!

Blog F1 Grand Prix disse...

Belo post! O Brasil também teve seu representante no Conselho - Paulo Scaglione, presidente da CBA - mas ninguém deu-se ao trabalho de entrevistá-lo.

Bonito trabalho da imprensa portuguesa!