quinta-feira, 12 de abril de 2012

A nenhuma moral da Formula 1 e como todos somos coniventes no assunto

A doze dias do GP do Bahrein, confesso que ao ler as declarações de toda a gente que está no paddock chinês, que se sente um enorme embaraço, no mínimo, sobre esta situação. Quer seja num silêncio comprometedor nas conferências de imprensa, para não ficarem comprometidos oficialmente - mas com o microfone desligado, é outra coisa - quer quando pilotos como Jenson Button confiam no melhor julgamento da FIA para saber se vai ou não haver corrida, como que "a passar a batata quente" para ver como é que se vai lidar com o assunto. E a FIA e Bernie Ecclestone, como disse anteriormente, já decidiram que a Formula 1 irá ao Bahrein, custe o que custar, porque são amigos do emir e este pagou uma nota preta para ter toda aquela gente.

Mark Webber é uma excepção nos silêncios comprometedores ou nos embaraços dos apelos para que a corrida seja realizada, indo contra toda a opinião pública, como Sebastian Vettel. Não afirmou estar contra, mas manifestou as suas preocupações, como captou o Luis Fernando Ramos, o Ico, no paddock de Xangai:

"Somos humanos, temos nossa moral e nossa visão das coisas, independente de sermos desportistas. Somos exatamente como vocês. Gostaríamos que todas as pessoas vivessem de forma justa e correta e por isso escolhemos viver em determinados países. Mas, como pilotos de corridas, somos contratados por uma equipa que, por sua vez, tem um contrato com a FIA para disputar o Mundial da Fórmula 1. Nós vamos aos lugares onde há corridas para disputá-las.

"É uma decisão mais difícil agora, que só falta uma semana. Mas ainda dá para se tomar esta decisão. No final das contas, é só uma corrida de carros. Muita gente no mundo nem sabe que tem prova programada para a semana que vem no Bahrein, então não é a coisa mais importante que existe e se pode cancelar num estalar de dedos."

E depois, Webber disse a razão pelo qual a Formula 1 investe muito no Golfo Pérsico: "Há muito dinheiro na Formula 1 que vem de Bahrein, Abu Dhabi e do Oriente Médio. Eles gostam da categoria e querem tentar mais uma vez. Vamos ver se funciona."

Que os pilotos estão presos contratualmente e terão de cumprir aquilo que a FIA e Ecclestone mandar, já se sabia. Que toda a gente seria obrigada a pagar um prejuízo financeiro em caso das equipas, a FIA ou Bernie Ecclestone cancelar o Grande Prémio, também toda a gente fica com essa ideia. Mas também fico com esta ideia também: se por algum motivo esta gente tivesse de correr no Inferno, a única coisa que os pilotos fariam para se proteger era levar um fato refrigerado para aguentar o calor. E é mais um exemplo de como os pilotos fazem tudo para estar ali, e o que estão dispostos a fazer para ficar. Perderam vontade própria, até abdicaram do seu juízo crítico, porque acima de tudo - justificando-se com o seu profissionalismo - querem correr. Seja no Bahrein, no Zimbabué, na Coreia do Norte... porque são pagos para isso.

Confesso que não sei o que vai acontecer a partir de segunda-feira, quando todos arrumarem as suas coisas e forem para o Bahrein. Todos no circo da Formula 1 irão para essa ilha no meio do Golfo Pérsico com o coração nas mãos. Mesmo que não boicotasse este Grande Prémio, começo crescentemente a ficar sem  cabeça para falar não só deste Grande Prémio, como da Formula 1 em geral. Ao tomar um lado, em troca de um camião cheio de dólares - digam o que disserem, tomaram um lado - tudo que eu sei sobre o que se passa, sobre a agitação social, sobre a repressão policial e sobre os mortos - ou os mártires, como eles chamam - faz-me temer o pior. Para mim, o ideal teria sido que o Bahrein tivesse arrumado primeiro a casa, com reformas democráticas, punição dos responsáveis e eleições livres, e só depois é que trataria do assunto automobilístico.

Claro, o Bahrein não é a Síria, que vive neste momento uma guerra civil (uma pergunta: se tivéssemos no calendário um GP da Síria, a Formula 1 iria para lá, mesmo com tanques na rua e o exército a matar o povo?) mas com tudo que isto já causou desde o ano passado, quando a Primavera Árabe começou a varrer a região, acho que a Formula 1 é um chamariz indesejável. Vejo demasiado a CNN, a Al-Jazeera, a France 24 ou a BBC para não acreditar uma única palavra da ladainha do "tudo está calmo na Frente Ocidental" que o governo do Bahrein anda a dizer a toda a gente.

Não acredito nisso, e confesso que nunca acreditarei. Conheço bastante bem a História do século XX, e nos últimos dias veio à cabeça a história do rapto de Juan Manuel Fangio, em Cuba, para que os revolucionários de então chamassem à atenção do que se passava na ilha não era a "verdade oficial". Claro que o mundo de 1958 é muito diferente do mundo de 2012, mas mesmo assim, não acredito que ninguém, neste momento, tenha pensado nessa ideia e não esteja a planear, no mínimo, uma ação espectacular para perturbar o "paddock" da Formula 1.

E se algo de mal acontecer, já sabem: os culpados serão Jean Todt e a Bernie Ecclestone.  

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