Ontem à noite, como todos sabem, a FIA decidiu que, apesar dos avisos, dos receios de pilotos e dirigentes, das ameaças, iria para o Bahrein, no sentido de correr o Grande Prémio local, no próximo dia 22 de abril. O comunicado da entidade máxima do automobilismo retirou todas as dúvidas que ainda pudessem existir sobre a realização desta corrida, depois de em 2011, terem decidido cancelar a prova, após as manifestações que tinham começado a 14 de fevereiro daquele ano.
Apesar de saber que a FIA, na figura de Jean Todt, e o "detentor dos direitos comerciais", na figura de Bernie Ecclestone, iriam fazer de tudo para levar por diante, devido aos vários exemplos do passado, sendo o mais flagrante o exemplo do GP da Africa do Sul de 1985, decorrido em pleno "apartheid", creio que este exemplo é mais um sinal flagrante de que a FIA e a Formula 1 não se importa de colocar-se no lado dos maus da fita, em nome do dinheiro. O desporto não pode e não deve ser politizado, nunca. Sofremos com dois boicotes aos Jogos Olimpicos, em 1976, 1980 e 1984, e vimos que isso não é eficaz. Mas o desporto deveria ter um mínimo de bom senso, e esse mínimo, nesta Formula 1 atual, quase me faz lembrar a prostituição.
Digam o que disserem, que o país é um paraíso e que as manifestações são obra de uma meia dúzia de desordeiros, o Bahrein tem um problema grave para resolver, que é as reivindicações da maioria xiita, que se vê, com alguma razão, descriminada perante a minoria sunita, do qual faz parte a familia real. E os acontecimentos de 2011, do qual as pessoas sairam para a rua no sentido de pedirem reformas no sentido de uma verdadeira democracia, foram reprimidas com força bruta pelas autoridades policiais, não foram totalmente resolvidas, apesar das promessas de reformas, de punição dos policias que bateram e torturaram manifestantes. É numa situação destas que a Formula 1 irá desembarcar a partir da semana que vêm.
E honestamente, a FIA tomou partido: ao decidir ir, está a apoiar o governo e não os legitimos direitos dos manifestantes. A neutralidade politica, que a Formula 1 deveria trazer, foi desrespeitada.
Francamente, ontem à noite, depois de saber o comunicado da FIA, perdi a vontade de falar sobre Formula 1, sobre o GP da China. Não que esperasse o contrario, mas julguei que teria em conta os receios das equipas e talvez recuassem. Afinal, essa ilusão foi-se. E com isso, pensei sériamente se valeria a pena continuar com tudo isto, e ver as pessoas falarem entusiasticamente sobre a Formula 1, alheando-se do mundo lá fora - que existe e não é bontito - e falarem sobre um GP do Bahrein como se nada acontecesse. Sobre um circuito aborrecido, num pedaço de deserto, e que vão lá por 40 ou 60 milhões de razões, todas verdes e contadas em maços com a cara de Benjamin Franklin.
Pela primeira vez, contemplei sériamente em terminar o blog. Acabar de vez, finito. Mas após uma noite de sono, considerei os prós e contras e cheguei à conclusão de que estou aqui para escrever sobre automobilismo, e não sobre a Formula 1 em si, porque sempre achei redutor escrever apenas sobre isso. Há um mundo lá fora, de tantas categorias, tão interessantes, tão competitivas. Tento sempre mostrar às pessoas que há vida para além da Formula 1. Porque há muito cheguei à conclusão que a Formula 1, tal como a conhecemos desde há muito, é pouco mais do que um nome.
Esta competição é na realidade propriedade de um baixinho octogenário, que desde há muito tomou em mãos uma competição e dela fez biliões, metade dos quais para o seu próprio bolso. A FIA é que establece as regras, mas no caso da Formula 1, o seu poder é pouco mais do que fachada. Faz aquilo que Bernie Ecclestone deixa fazer. E que, por causa dos negócios que fez ao longo dos anos para o transformar de um desporto para ricos na industria que é hoje, em busca de cada vez mais dinheiro, trocou sitios clássicos, sonhados por muitos, por pistas sem alma. A Formula 1, se alguma vez foi no passado, é hoje em dia cada vez mais estéril, mais artificial. Tão artificial que quando vejo pistas no meio de nenhures, nos paises novos ricos, como a India, pergunto-me se ela não vive numa bolha criada por si mesma.
E ainda por cima, a quantidade de regras começa a ser de tal forma que o melhor será fazer um chassis unico, com motores diferentes, que para assim ser igual à IndyCar Racing. E se calhar, artificializar as corridas, para ouvir comédias vindas da boca de Bernie Ecclestone, como regar artificialmente as pistas, se tornarem realidade.
A cada dia que passa, a Formula 1 se transforma num circo. Mas em vez dos trapeziastas e dos equilibristas, estamos a ver os palhaços. Os palhaços que estão dentro dos carros, que guiam em círculos, em pistas desenhadas por uma pessoa, como se fosse um monopólio, e por fim, nós, os palhaços que vimos isto e aplaudimos como se fosse a melhor coisa do mundo. Já foi. Agora...
O blog continuá a existir, forte como sempre. Mas deixo de escrever sobre Formula 1 no domingo, após o GP da China. Não é permanente, voltarei a escrevinhar no fim de semana de Barcelona. Continuo a dizer que boicoto a corrida barenita, e nem sequer me darei ao trabalho de ligar a TV para ver isso. E digo isto: agora tenho quase a certeza de que quando Bernie Ecclestone morrer, a Formula 1 sofrerá, mais cedo ou mais tarde, um grande cisma. Ou uma racha, ou então as construtoras farão uma competição diferente, como aconteceu entre a CART e a IRL, nos Estados Unidos, a meio da década. A "Formula Ecclestone" é tão forte que nada será alterado enquanto ele for vivo.
Agora, mais do que tudo, espero pelo dia em que Bernie Ecclestone morra. Pois sei que partir daí, as coisas aquecerão realmente. Há muita raiva acumulada, muito ressentimento. Como um vulcão, a energia acumulada irá explodir, uma vez removido "este" obstáculo.
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