Penso sempre o que neste dia 1 de maio terá de diferente para mim em termos de "estórias" porque, como sabem, este deve ser dos períodos mais escrutinados do automobilismo. Não me lembro de nada disto para outros momentos como o acidente mortal de Dale Earnhardt, por exemplo. Nem antes, nem depois de Imola.
Contudo, nesta quinta-feira à noite, apareceu-me uma coisa interessante de se ler. No seu blog pessoal, a antiga asessora de Ayrton Senna, Beitse Assumpção, (hoje em dia casada com Patrick Head) decidiu contar a sua versão dos acontecimentos daquele 1º de maio de 1994. E ela refere algo que todos suspeitaram desde o primeiro dia: que Bernie Ecclestone interferiu no anuncio da morte do piloto brasileiro. Ela conta que Bernie deu a noticia ao irmão Leonardo em plena corrida, e que tinha pedido à família para que não divulgasse antes da bandeira de xadrez, porque não queria que a corrida fosse interrompida.
“Virei para Leo e disse a ele da forma mais gentil possível: ‘lamento muito ter de traduzir isso, mas Bernie está nos dizendo que Ayrton morreu’. Leonardo então ficou pálido e chocado, olhou para mim e para Bernie sem dizer nada. Queria tê-lo abraçado, mas ele começou a soluçar. Foi aí que Ecclestone emendou: ‘Não vamos anunciar isso ainda, pois assim a corrida não será interrompida’. Transmiti o recado a Leo, que nem me deixou terminar e se desesperou, soluçando e tremendo muito. Não sabia o que fazer, nunca vi alguém com tanta fúria contida”, conta.
Aqueles minutos foram muito confusos, com informações contraditórias. Martin Withaker, o asessor de imprensa da FIA, estava a dar informações contraditórias, afirmando que Senna ainda vivia e que estava a ser levado para o hospital Maggiore, de Bolonha, gravemente ferido, mas vivo. Algo que para Beitse, era demasiado confuso, quase no domínio do surrealismo:
"(...) Martin Whitaker, o então assessor de Imprensa da FIA, entrou no motorhome. Bernie e Martin conversaram por alguns minutos. Então Martin virou-se para mim e disse. 'O que eu disse na sala de imprensa é que Ayrton teve ferimentos na cabeça e foi levado para o hospital.'
'O Bernie acaba de nos dizer que o Ayrton está morto', eu respondi. Leo estava no telefone comunicando a sua família que o Ayrton tinha morrido, em lágrimas. E novamente muito abalado. 'Não, o que eu disse a imprensa é que ele teve ferimentos graves na cabeça', explicou Martin.
'Sim, eu sei disso, mas já sabemos que ele está morto', insisti, obviamente querendo dizer que ele não precisa nos dar o PR line; que nós sabíamos a verdade. Martin fingiu não entender e repetiu a mesma coisa.
Então, eu o puxei para uma salinha menor na parte de trás do motorhome.
Tínhamos trabalhado juntos uns anos antes, quando ele era o assessor de imprensa da McLaren. Então eu pensei que poderia contar com o respeito dele. 'Martin, eu acho que você não entendeu a delicadeza da situação. O Leo já contou pra família que o Ayrton morreu. Eles já estão lidando com uma dor enorme.'
'Betise, eu entendo isso. Mas eu disse à imprensa que ele tinha ferimentos na cabeça e foi para o hospital. Eu não disse que ele está morto'.
'Sim, Martin, mas o que eu estou tentando dizer é que, se você insistir nesta postura, eu vou ter que sair desta sala, e ir dizer ao Leo que o Ayrton ainda está vivo e, consequentemente, dar a sua mãe e seu pai a esperança de que ele possa se recuperar. Uma esperança que não existe'.
Martin foi categórico : 'Betise , ele não está morto. Esta é a informação que eu estou dando a todos'.
Contudo, a situação só foi clarificada com a chegada do Dr. Syd Watkins, o então médico da Formula 1, como ela conta.
(...) "Eu estava com a irmã do Ayrton no telefone me dizendo que eu deveria rezar, eu deveria ter esperança, Ayrton era forte. Eu simplesmente não conseguia fazê-los compreender a gravidade da situação. Tirei o telefone da orelha e disse pro Syd. 'É a Viviane. Ela não acredita quando eu digo a ela o quão grave é o estado do Ayrton. Eu não sei mais o que dizer. Você poderia falar com eles. Tenho certeza que vão te escutar', eu disse.
Syd olhou para mim. Ele estava visivelmente triste e em dor. 'Betise, não há esperança nenhuma. Ele já estava morto na pista'. E passou a descrever alguns detalhes de suas lesões na cabeça, que eu não vou escrever aqui, em nome do bom gosto e em respeito à sua família e amigos próximos. Eu fiquei muda. Cabeça vazia. Simplesmente entreguei-lhe telefone. Ele foi bem curto. A situação era tão grave que não tinha recuperação, ele não ia se recuperar."
É verdadeiramente um testemunho impressionante desse dia. Mas também é um testemunho do que era (ou é) Bernie Ecclestone e o que é este mundo da Formula 1. Disse ontem que ele é uma personagem do qual têm uma postura de "o espectáculo têm de continuar", e ele não se importa muito com os sentimentos das pessoas. O fator humano nunca deve ter sido o seu forte, e uma postura como esta que teve nesse dia não me surpreende. Afinal de contas, falamos de alguém que levou a Formula 1 anos a fio a uma África do Sul em pleno "apartheid", ou que, contra tudo e contra todos, leva-o a um Bahrein em plena agitação social.
É por causa de Bernie Ecclestone que a Formula 1 têm um registo pauérrimo em termos de Direitos Humanos. E claro, falamos de um velho que disse certo dia que admirava Adolf Hitler, Margaret thatcher e Robert Mugabe. De uma certa maneira, é mais um bom motivo para desejar que ele seja condenado no caso de corrupção do qual ele está a ser julgado em Munique. Já têm 83 anos e passa há muito da hora de livrarmos dele.
2 comentários:
Vou dizer aqui o que você não disse, porque eu sei que não é legal, mas lá vai: Já passou da hora do Bernie morrer e deixar a Fórmula 1 em paz.
Da mesma forma que ele SABIA que Roland morrera na pista. SIM, eu considero o senhor Ecclestone culpado indiretamente pela morte de Ayrton, pois forjou informações vitais em prol do espetáculo. Se não pagar nesta vida, pagará em outra por seus atos.
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