A CORRIDA DO ANO: DE PARIS ATÉ BERLIM
A cada ano que passava, o ACF fazia desafios cada vez mais ambiciosos, e isso reflectia na lista de inscritos. A corrida entre Paris a Berlim, iria ter um total de 1168 quilómetros, divididos em três etapas, em três dias - entre 25 e 27 de junho de 1901 - em estradas francesas, belgas e alemãs. A primeira etapa levava os pilotos até Aachen, enquanto que a segunda tinha como destino a cidade de Hannover, enquanto que a terceira levava-os até à capital imperial, Berlim. Ao todo, haveriam 110 postos de controlo, montados pela organização e ajudados pelas autoridades policiais e militares dos três países, no sentido de controlar as multidões que iriam ver aos magotes os carros a passar.
E aqui, iria haver o maior ajuntamento de carros até então: 110 viaturas, divididas em quatro classes: Carros Pesados, Carros Leves, Voiturettes e Motociclos. No lado dos pesados, havia uma armada de Panhards, com os nomes habituais: Fernand Charron, Leonce Girardot, René de Knyff e o seu irmão, Gaetan de Knyff, Henri Farman e o seu irmão, Maurice Farman, Adolphe Clement, Paul Chauchard, o Barão Pierre de Crawhez, bem como o britânico Charles Jarrot e o americano George Heath. Para além disto, havia uma senhora, Camille du Gast.
No lado da Mors, estavam Henri Fournier, Gilles Hourgiéres, o americano Foxhall Keane e o britânico Charles Rolls, entre outros, enquanto que a Mercedes alinhava com William Werner, George Lemâitre e Degrais. Léon Serpollet alinhava com duas das suas criações a vapor, uma delas pilotada por ele próprio, enquanto que Selwyn Edge voltava com o seu Napier.
Nos carros leves, havia também Panhards, estes inscritos por pilotos como Francois Giraud e Georges Teste, contra os Darracq que tinham entre outros Fernand Gabriel, E. Lemâitre e J. Edmond, e a Peugeot alinhava com A. Koechlin e Krautler. Nas voiturettes, a Renault dominava as inscrições, com Louis Renault e o seu irmão, Marcel Renault, a fazerem parte da corrida.
A corrida começou com Henri Fournier na frente no seu Mors, seguido de perto pelos Panhard de René de Knyff, Leonce Girardot e Maurice Farman, numa armada Panhard. O público acorreu em larga escala, mas apesar do controlo, houve incidentes. O pó foi um grande inimigo, bem como as matilhas de cães no meio da estrada, que provocavam vários acidentes, um deles fatal. Em Monchenot, perto de Reims, uma criança decidiu ver a passagem de um carro no meio da estrada, sem se aperceber que outro carro vinha atrás, a toda a velocidade. O carro que se seguiu atingiu-o em cheio, tendo mote imediata.
Outro incidente aconteceu com o Mercedes de Degrais. Ao seguir bem perto do carro de Gilles Hourgiéres, num sector da estrada bastante estreito, o pó levantado o obrigou a se guiar... pelas copas das árvores. Sem se aperceber, aproximava-se uma curva à esquerda, bem apertada, e entrou em excesso de velocidade. Resultado final: Degrais capotou várias vezes e o seu mecânico, Barão de Schwyter, bastante ferido.
Em Aachen, Fournier foi o melhor, enquanto que na segunda etapa, Antony foi o vencedor, noutro Mors. na terceira e última etapa, Fournier aguentou os ataques dos Panhard, enquanto que Maurice Farman, um dos candidatos à vitória, colidia com um carro privado perto do fim, acabando por abandonar. Na chegada, perante vinte mil espectadores, no hipódromo de Berlim, Fournier deu uma volta à velocidade máxima e só parou para receber a coroa de louros do presidente da Associação Alemã de Automobilismo. Mais uma vitória para a Mors, e ele tinha demorado 15 horas e 33 minutos para lá chegar, e mais uma vez, na frente dos Panhard de Leonce Girardot e René de Knyff. Pequeno consolo: Fernand Charron foi o vencedor da última etapa, apesar de ter sido o sexto da geral.
A grande surpresa foi o oitavo lugar da geral para Louis Renault, na sua voiturette. Poderia ter demorado mais três horas do que o vencedor, mas tinha deixado muita gente para trás, incluindo o melhor dos Carros Leves, Francois Giraud, num Panhard. A diferença entre eles tinha sido de 40 minutos.
Contudo, apesar da excelente organização e o sucesso da corrida em si, houve consequências. Os políticos locais não queriam deixar passar em claro a morte da criança em Monchenot e pediram uma limitação da velocidade dos carros em competição, mas o governo respondeu elevando a parada: a proibição das corridas em estradas francesas, o que levou a ACF a reagir, pois queria fazer uma grande corrida no ano a seguir, desta vez até Viena, a capital do Império Austro-Húngaro. Uma delegação foi ter com os representantes do governo, onde apresentaram um plano com neutralizações, e após algum tempo de negociação, a proibição foi levantada.
Se na Europa eram as grandes corridas entre cidades que captavam a atenção dos pilotos, marcas e espectadores, nos Estados Unidos eram as corridas de circuito e os recordes de velocidade que faziam as manchetes. Em 1901, o grande piloto americano era Alexander Winton, um dos fundadores da sua própria marca, em 1897 que entre outros, tinha feito o primeiro anuncio a um automóvel, em 1898, na revista "Sceintific American".
Em 1900, Winton aceitou o desafio da Taça Gordon Bennett, levando dois dos seus carros e pilotado um deles em terras francesas, mas nenhum dos carros chegou ao fim. Contudo, no ano seguinte, construiu um modelo "Quad", e em junho desse ano, num circuito improvisado de uma milha, em Cleveland, conseguiu alcançar a velocidade de 98,3 quilómetros por hora, um recorde americano. Contudo, o que não sabia era que tinha atiçado o desafio a outro jovem construtor, do estado de Michigan: Henry Ford.
Nascido a 31 de julho de 1863, em Geernfield, no Michigan, cedo ficou fascinado com a mecânica. Primeiro nos relógios, depois nas máquinas industriais, que era a melhor maneira de escapar à vida de agricultor na quinta da família, em Dearborn. Em 1891, aos 28 anos, trabalhava na Edison Iluminating Company e nos tempos livres, tinha começado a aprender como montar motores a combustão, no novo mundo que era o automóvel. Três anos depois, tinha construido um veículo leve, o Ford Quadricycle, de dois cilindros e quatro cavalos, onde fez a sua primeira viagem a 4 de junho de 1896.
Em 1898, depois de um encontro com Thomas Edison, do qual se torna grande amigo, Ford construiu mais dois carros, e no ano seguinte, demite-se da Edison e faz a Detroit Automobile Company. Contudo, os carros eram de fraca qualidade e a aventura termina dois anos depois, para ele construir logo a seguir a Henry Ford Company. Ali, constroi um carro de 26 cavalos e desafia Alexander Winton numa corrida, pois sabia do poder da publicidade. A corrida acontece em outubro de 1901 num circuito oval de uma milha nos arredores de Detroit, em Grosse Pointe, e Ford consegue ser o melhor. Anos depois, ele afirmou que "Ganhar uma corrida ou bater um recorde é a melhor fora de publicidade". Era o principio de um lema que iria marca o século XX americano... e mundial.
Mas isso foi um oásis num mar de problemas para Ford. Em 1902, em protesto contra o facto de o seu patrocinador, William H. Murphy, ter trazido Henry M. Leland para a companhia - que Ford detestava - saiu da marca (esta depois foi rebatizada de Cadillac) e fundou nova companhia com o seu nome em 1903, juntando mais um grupo de investidores, entre eles os irmãos Dodge.
Pelo meio, Ford aliou-se a um ciclista, Tom Cooper, e decide construir um carro potente, o "999" (chamado assim em honra do comboio mais rápido de então na América), com mais de 80 cavalos, num motor de 1080cc de cilindrada, no sentido de bater de novo Alexander Winton e establecer recordes de velocidade, no sentido de garantir publicidade para a sua nova companhia. Quando o carro ficou pronto, este verificou-se que era demasiado nervoso para ser guiado pelos dois. Assim, Cooper lembrou-se de outro ciclista, Barney Oldfield, para o guiar e ambos lá foram disputar uma prova num circuito em Grosse Pointe, no Michigan, a 23 de outubro de 1902. Depois de um duelo, Oldfield foi o melhor com o carro de Ford. Sem saberem, tinham acabado de nascer mais duas lendas do automobilismo americano.
(continua no próximo capítulo)
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