A Ferrari venceu pela última vez no traçado de La Sarthe em 1965, numa sequência de triunfos seguida que vinha desde 1960, com os seus vários modelos 250. A coisa foi de tal ordem longa que fez com que Henry Ford II quisesse ter a equipa, e quando Enzo Ferrari recusou os termos do seu contrato com a marca americana, Ford decidiu declarar guerra, que só terminaria em 1966 quando venceram as 24 Horas de Le Mans, iniciando... uma sequência de vitórias consecutivas que só terminou em 1970, quando a Porsche venceu com o seu 917K.
Contudo, a vitória de 1965 é um pouco mais "oficiosa" do que as anteriores, não só por causa do carro que tinha sido inscrito e que acabou na galeria dos vencedores: foi o 250LM da NART, a equipa americana da Ferrari, inscrita por Luigi Chinetti (ele mesmo triplo vencedor da clássica de Endurace, como piloto), e que foi guiada pelo americano Masten Gregory - o "Kansas City Flash" e que nasceu num 29 de fevereiro - e pelo jovem austríaco Jochen Rindt. Então com 23 anos, e apenas na sua segunda temporada na Formula 1, tinha-se tornado num dos mais jovens vencedores de sempre.
Mas a história ignora um pormenor delicioso desta "estória" com 51 anos: é que poderá ter havido um terceiro piloto nesta corrida, e que ajudou Gregory (que corria com óculos!) durante a noite, antes de entregar o volante a Rindt. O seu nome era Ed Hugus e a "estória" foi contada em 2014 pelo site Petrolicius.
Na edição de 1965, os Ford, comandados por Carrol Shelby, estavam num desafio para bater os Ferrari. Depois de não terem conseguido em 1964, eles andaram a testar sistematicamente no ano seguinte, acabando por vencer em corridas como as 24 Horas de Daytona e as 12 Horas de Sebring. Logo, para a clássica de La Sarthe, eles eram claros favoritos à vitória, e poderiam ameaçar o domínio dos Cavalinos de Maranello. Contudo, em poucas horas, os GT40 estavam todos de fora ou arredados da vitória devido a várias razões de ordem mecânica.
Mas mesmo na Scuderia, eles tinham os seus problemas. Por volta da meia-noite, o nevoeiro tinha caído sobre o local, e Gregory, que tinha uma miopia muito forte - Shelby chamou certa vez às suas lentes de "fundo de garrafa" - encostou às boxes porque tinha dificuldades de visão. Feito isto, o pessoal andou à procura de Rindt no local... mas ele não estava ali perto.
Muito se especula sobre o que ele andava a fazer nesse momento, dividindo-se entre o sono dos justos numa "motorhome" ou a ver as distracções existentes no circuito, mas ele não estava ali no tempo exigido, mesmo sabendo que aquela paragem não tinha sido programada. Também se fala de conflitos entre contratos e até a pouca crença do próprio piloto no carro, tanto que ele já tinha programado um jantar... em Paris! Uma coisa é certa: ele não estava ali e quem saltou para o carro foi Ed Hugus.
Hein? Nunca ouviram falar? Nem eu! Mas pelos vistos, tal coisa existiu.
Na realidade, Hugus era um bom piloto por si só, com resultados em Daytona, Sebring e no próprio Le Mans. Ele estava em La Sarthe pelo décimo ano consecutivo, inicialmente para correr por uma equipa diferente, só que o carro não se qualificou e estava como reserva na NART, para qualquer ocasião, mas não para o carro de Gregory/Rindt.
Hugus entrou no carro e correu durante a noite, ganhando segundos atrás de segundos em relação aos líderes e foi assim até ao inicio da manhã, quando ele entregou o carro para Gregory, que andou mais um bocadinho até entregar o carro para Rindt. E foi por essa altura que o carro da frente teve um problema com um furo num dos seus pneus, e eles aproveitaram para vencer a corrida, com mais de um minuto de diferença para o segundo classificado.
Claro, oficialmente... nada disto existiu. No pódio, só Gregory e Rindt lá estiveram, e nos registos, não existe qualquer menção a Hugus. Contudo, um historiador de automobilismo, Dr. Janos Wimpffen, afirma que ele existiu como piloto de reserva na NART naquele ano. Ele afirma que viu o "demande d'applicaion", basicamente a autorização do piloto para que pudesse correr, em qualquer circunstância, e claro, isso não exige que esteja oficialmente inscrito na lisa de pilotos de qualquer equipa, de qualquer carro.
Só que as regras de então diziam que se esse piloto entrasse no carro, o piloto que o iria substituir não poderia voltar, sob o risco de desclassificação. E claro, Gregory voltou ao carro.
Em jeito de conclusão, é como na velha frase do filme "Quem Matou Liberty Valence". Quando o alegado atirador conta ao jovem jornalista que não foi ele que disparou o tiro, ele conta a história ao seu editor, uma velha raposa do meio. Ele respondeu da seguinte forma: entre a verdade e a lenda, publique-se a lenda. Mesmo a ser verdade, todos os lados decidiram fechar os olhos e encolher os ombros, e hoje em dia, todas as testemunhas desta história já morreram. Mas a lenda não deixa de ser fascinante...
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