terça-feira, 21 de maio de 2019

The End: Niki Lauda (1949-2019)

O austríaco Niki Lauda, tricampeão do mundo de Formula 1 e atual diretor desportivo da Mercedes, morreu na noite desta segunda feira, aos 70 anos de idade. Estava de novo internado numa clinica na Suíça devido a problemas nos rins, que tinham deixado de funcionar devido aos medicamentos que estava a tomar por causa do seu transplante de pulmão, no verão passado. Ele já tinha sido submetido a dois transplantes renais, o primeiro há mais de vinte anos, e o segundo há cerca de doze anos, com o doador a ser a sua atual mulher e mãe das suas filhas mais novas. 

A vida de Lauda merece mais do que um filme, porque Hollywood já fez um. Nascido a 22 de fevereiro de 1949 em Viena, Andreas Nikolaus Lauda nasceu em berço de ouro, já que o seu avô era banqueiro. Contudo, a familia não aprovava a sua carreira automobilística e chegou a cortar laços com eles. No final da década de 60, começou a correr, primeiro na Formula Super Vê, enquanto fazia provas de Endurance, a bordo do 906 Carrera 4 e do 908 com compatriotas seus como Helmut Marko. Pediu dinheiro emprestado para comprar um lugar na March para correr o seu primeiro Grande Prémio, em 1971, em Zeltweg. Não terminou a prova.

Em 1972, seguiu para a March, onde ao lado de Ronnie Peterson, o chassis não foi o esperado, acabando por não conseguir pontuar. Pediu novo empréstimo bancário para correr na BRM, ao lado de Jean-Pierre Beltoise e Clay Regazzoni, e com um chassis algo defasado, conseguiu os seus primeiros pontos, um quinto lugar no GP da Bélgica. Mas na segunda metade de 1973, boas corridas em lugares como o Mónaco, Grã-Bretanha e Canadá fizeram com que caisse na atenção de Enzo Ferrari, e também graças à recomendação de Clay Regazzoni, que também ia para a Scuderia, decide contratá-lo para a temporada de 1974.

Ele ajuda a melhorar o modelo 312 e logo na primeira corrida do ano, na Argentina, consegue o seu primeiro pódio da sua carreira, e em Espanha, na quarta corrida do ano, a sua primeira vitória. Ainda consegue mais uma vitória na Holanda e luta pelo campeonato, mas perde a favor de Emerson Fittipaldi, acabando no quarto lugar, com 38 pontos.

Contudo, em 1975, o carro está melhor e vence cinco provas, conseguindo o seu primeiro título mundial, com 64 pontos. Mas para além de ser o primeiro título mundial, dava também o primeiro título de pilotos desde John Surtees, em 1964, e tornava-se num digno sucessor de Jochen Rindt, morto cinco anos antes.

E começa o campeonato de 1976 como acabou: a vencer. Triunfa em quatro dos primeiros seis Grandes Prémios desse ano, ao ponto em que, no final do GP do Mónaco, tinha 36 pontos (!) de avanço para o seu companheiro Regazzoni, o segundo classificado. Somente uma catástrofe iria tirar o título das suas mãos... mas a 1 de agosto desse ano, isso iria acontecer.

Era o dia do GP da Alemanha. Já ele tinha visto a distância a encurtar a favor do britânico, mas não estava em perigo. A corrida, no perigoso Nordschleife, tinha nesse dia levado com uma chuvada antes da corrida, mas os céus estavam desanuviados quando se deu a partida. Mas parte da pista de 22 quilómetros ainda estava molhada, e muitos, como Lauda e Hunt, não queriam arriscar e andavam com pneus molhados. Contudo, no final da primeira volta, estavam a trocar de pneus, para seco, depois de virem Jochen Mass a chegar ao comando, com pneus secos. Lauda voltou à pista para tentar recuperar o tempo perdido, mas na zona de Bergwerk, a suspensão traseira esquerda quebrou e o fez bater no muro de terra. Em ricochete, ele voltou à pista, e ainda sofreu com o embate do Surtees de Brett Lunger, antes de parar, em chamas. 

Logo a seguir, Lunger, o britânico Guy Edwards, o italiano Arturo Merzário e o alemão Harald Ertl conseguiram retirá-lo do carro em chamas, e depois outros pilotos como John Watson, Emerson Fittipaldi e Hans-Joachim Stuck ajudam-o a colocar no chão e velam-o até chegar a ambulância. Lauda tinha ficado sem capacete no embate e a gasolina tinha vertido para a sua cara. Os fumos tóxicos também tinham entrado nos seus pulmões, e foi rapidamente socorrido pela assistência do circuito, que o levou para o hospital de Mannheim. Ali, diagnosticaram as queimaduras na cara - terá a orelha direita permanentemente mutilada - e nos pulmões, e os médicos não acreditavam que poderia sobreviver. 

Contudo, não só sobreviveu, com 42 dias depois, a 12 de setembro, volta ao cockpit do seu carro para ser quarto classificado no GP de Itália, em Monza. A imprensa não diz outra coisa senão que está a assistir a nada menos que um milagre.

Contudo, tenta defender o título até à última prova, no Japão. Nessa corrida, e debaixo de chuva intensa, o austríaco decide retirar-se voltuntáriamente na volta 2, afirmando que as condições não estavam boas para uma corrida. Hunt, o seu rival no campeonato desse ano, acabou por ser terceiro classificado e conseguiu os pontos suficientes para ser campeão do mundo, 69 contra 68. Em Itália, é acusado de ser um cobarde, e o piloto, que já não tinha gostado muito da atitude de Enzo Ferrari quando contratou Carlos Reutemann enquanto estava no hospital, acreditando que ele não recuperava, decidiu continuar para 1977, para revalidar o título. Consegue, a quatro provas do fim, depois de vencer o GP da Holanda. Até então, tinha conseguido vencer três provas, mas tinha tido nove pódios ao todo.

No dia a seguir, anunciava ao mundo que iria abandonar a Ferrari, para choque do mundo inteiro. Durante essa temporada, estava a negociar com o seu amigo Bernie Ecclestone um contrato milionário para correr na Brabham e ajudar a desenvolver o motor Alfa Romeo. No final, por um milhão de dólares por temporada, Lauda iria levar o numero um para 1978. E na Ferrari, o seu substituto acabaria por ser um pequeno canadiano chamado Gilles Villeneuve.

Em 1978, Lauda é quarto no campeonato, com duas vitórias e sete pódios, mas no ano seguinte, apenas consegue quatro pontos. Tem 30 anos e sente-se cansado. E os seus interesses tinham-se desviado desde há um tempo para a aviação. No fim de semana do GP do Canadá, na mesma altura em que estreia o BT49, com motor Cosworth, Lauda decide abandonar a Formula 1, afirmando "estar cansado de andar aos círculos". Mais uma vez, espantava o mundo. 

Estabelece a Lauda Air, uma companhia "charter", mas descobre que colocar aviões no ar não é tarefa fácil e no final de 1981, depois de uma série de testes em Donington Park com o McLaren MP4/1, decide voltar a correr, mediante um bom salário de três milhões de dólares por temporada. Vencendo as desconfianças, é quarto na primeira corrida, na África do Sul, e vence em Long Beach, a terceira corrida do ano. No final, é quinto, com mais uma vitória e um pódio. Em 1983, consegue dois pódios, mas de resto, foi uma temporada modesta.

Mas em 1984, o MP4/2, desenhado por John Barnard e com motor TAG-Porsche Turbo, torna-se num carro imbatível. Ron Dennis, seu patrão na McLaren, contratou um valoroso companheiro de equipa, o francês Alain Prost, e juntos, lutam pelo título mundial. O francês consegue oito vitórias, contra os cinco do austríaco, mas ele conseguia conservar o carro para a parte final das corridas - não fez qualquer pole-position nessa temporada - e a 21 de outubro, no circuito do Estoril, Lauda foi o segundo e tornou-se tricampeão do mundo, batendo Prost por... meio ponto. Aos 35 anos de idade, tinha conseguido o que queria.

No ano seguinte, apenas conseguiu uma vitória, em Zandvoort, antes de abandonar a Formula 1 pela segunda vez, e agora, era definitivo.

Depois disto, dedicou-se à sua companhia aérea, a Lauda Air, onde ficou até ao ano 2000, altura em que a sua empresa fora alvo de uma operação hostil, e em consequência, despedido. Não desistiu e decidiu fazer uma companhia aérea de baixo custo, a Fly Niki, que fundiu em 2011 com a Air Berlin. Pouco depois, em 2016, adquiriu uma terceira companhia, a Amra Air, e rebatizou-a de Laudamotion, com o mesmo objetivo de ser uma companhia aérea de baixo custo. No inicio deste ano, foi adquirida pela Ryanair para fazer dela uma frota só de Airbus A320.

Apesar da aviação, nunca esteve muito longe das pistas. Primeiro conselheiro da Ferrari, em 1993-94, tornou-se depois diretor desportivo da Jaguar em 2002, saindo pouco depois. Dez anos mais tarde, em 2013, tornou-se diretor desportivo da Mercedes, ao lado de Christian "Toto" Wolff, cargo esse que ocupava atualmente, até adoecer, no verão passado. 

Escreveu cinco livros sobre a sua vida, carreira e sobre a arte de condução. Apelidado de "Rato", por causa dos seus dentes da frente, tinha sido comentador desportivo nos últimos 30 anos, na sua Áustria natal, e não tinha papas na língua sobre a Formula 1 e sobre os pilotos que via passar pelo pelotão. Em 2011, Hollywood decidira fazer um filme sobre a rivalidade entre ele e James Hunt, bem como a temporada de 1976. O resultado foi "Rush", realizado por Ron Howard, com a personagem a ser interpretado pelo alemão Daniel Bruhl. No final, o filme foi um sucesso de público, aclamado pela crítica e pelos fãs. 

Casou-se duas vezes, a primeira com Marlene Knaus, que lhe deu dois filhos, o mais velho dos quais Matthias Lauda, que seguiu a sua carreira de piloto, sem grande sucesso. Hoje em dia, corre na Endurance, pela Aston Martin ao lado do português Pedro Lamy e pelo canadiano Paul della Lana. Voltou-se a casar em 2008, com Birgit Wetzinger, uma hospedeira da Lauda Air, que lhe tinha doado um rim, e mais tarde lhe deu dois gémeas. Para além disso, teve mais um rapaz, Christoph, devido a uma relação extra-conjugal.

Desde o verão passado que Lauda encontrava-se doente. Uma pneumonia contraída quando passava férias em Ibiza, no verão passado, causou-lhe um colapso num dos pulmões e consequente transplante, em Viena. Contudo, não era o seu primeiro transplante: tinha tido duas operações, a primeira em 1997 e a segunda em 2008, para remover um dos rins, com o primeiro a ser doado pelo irmão, e o segundo por aquela que viria a ser sua mulher. E desde há algum tempo se dizia que a quantidade de imunossupressores que estava a tomar pelos transplantes poderia atrapalhar a sua recuperação. E ontem tinha aparecido a noticia do seu internamento numa clínica na Suíça, devido a uma falha renal, que agora se viu ser fatal. 

Um piloto que já era uma lenda, não só por aquilo que fez nas pistas. Alguém que foi ao Inferno e voltou, mais forte e determinado em vencer, torando-se no piloto mais marcante da sua geração. "Unvergessen", como diriam os seus compatriotas. Agora faz parte da História. Ars lunga, vita brevis, Niki.

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