quarta-feira, 22 de maio de 2019

O ano em que Lauda foi campeão... sem poles

Não foi há muito tempo que escrevi uma matéria sobre Niki Lauda. Na edição de 15 de abril da Autosport portuguesa, assinei um artigo na secção histórica da revista um artigo sobre o piloto austríaco. Este ano comemoram-se os 35 anos do seu tricampeonato, que foi de uma certa forma o culminar de um regresso que tinha acontecido dois anos antes, a bordo de um McLaren.

Também a ajudar nesse regresso foi o motor TAG-Porsche Turbo, que apareceu na parte final de 1983, mas apenas começou a dar nas vistas na temporada seguinte, graças também ao seu companheiro de equipa, o francês Alain Prost. Nesta altura, Lauda tinha 35 anos e a velocidade tinha dado lugar ao pragmatismo, que tinha dado o bicampeonato sete anos antes. E foi graças a ela que conseguiu ser melhor que Prost ao longo dessa temporada, também numa altura em que os carros quebravam mais facilmente do que agora.

Quando a 21 de outubro desse ano, comemorou o tricampeonato no Autódromo do Estoril, tinha conseguido um feito que só Dennis Hulme alcançara dezassete anos antes: ganhar um campeonato sem qualquer pole-position. Bastaram cinco vitórias e três voltas mais rápidas, poupar o carro na parte inicial da corrida para depois atacar na segunda parte, com os pneus aquecidos, o depósito a meio e os componentes poupados, enquanto a concorrência não aguentava. 

E é sobre isso que se tratou este artigo que escrevi para a Autosport, do qual divulgo na íntegra.  



LAUDA 84: O TRICAMPEÃO SEM POLES





Quando a 21 de outubro de 1984,  Niki Lauda subiu ao segundo posto no pódio do GP de Portugal, no Estoril, e foi abraçado pela sua então esposa, Marlene, estava não só a comemorar um terceiro título mundial pela mais pequena das margens da história - meio ponto - como também estava a voltar ao topo do mundo, sete anos depois da última vez e dois anos após o seu regresso à categoria máxima do automobilismo. 



No meio disto tudo havia um detalhe: Lauda tinha partido fora do “top ten”, na 11ª posição, parecendo longe dos lugares da frente. Mas aproveitando as avarias e os erros dos adversários, bem como o seu ritmo de corrida, chegou onde queria chegar para arrebatar o título. E ele tinha conseguido algo anormal: tinha alcançado o título mundial sem qualquer pole-position. Mais: o austríaco nem sequer pisou a primeira linha em toda essa temporada.



Mas em contraste, conseguiu cinco voltas mais rápidas nessa temporada. E é o segredo do seu sucesso que iremos explicar nas próximas linhas.





PRAGMÁTICO E OPORTUNISTA





Ao todo, Niki Lauda têm 24 pole-positions no seu currículo, mas dessas, 21 foram conseguidas entre o GP da África do Sul de 1974 e o GP da Grã-Bretanha de 1976. Ou seja, todas conseguidas no espaço de dois anos e todas pela Ferrari, e antes do acidente em Nurburgring, que quase custou a sua vida. Depois de regressar e recuperar dos ferimentos, voltou a ser o mais rápido apenas por mais três vezes. E a última, em Kyalami, em 1978, foi com o Brabham-Alfa Romeo, foi para a história como sendo a única conseguida sem ser ao volante de um Ferrari.



Com a idade, a velocidade nos treinos foi substituída pelo pragmatismo, e acabar passou a ser melhor do que mostrar a sua velocidade em sessões de qualificação. E ele iria refinar essa técnica quando voltou à Formula 1, pela McLaren, em 1982.



Lauda venceu duas corridas nessa temporada de regresso, e as suas performances eram semelhantes aos do seu companheiro de equipa, John Watson. Contudo, no final de 1983, a McLaren tinha o seu motor TAG-Porsche turbo, e Ron Dennis decidiu contratar Alain Prost assim que este se viu liberto do contrato com a Renault. Ao mesmo tempo, John Barnard desenhava o MP4/2, que sabia ser um carro capaz de lutar pelas vitórias e títulos que andavam arredados de Woking desde 1976. Mas ele sabia que tinha um companheiro de equipa bem mais veloz. Como o iria bater? Simples: abdicava das qualificações, concentrando-se na corrida. E nessa temporada, os reabastecimentos tinham sido proibidos e os depósitos de gasolina tinham sido reduzidos a 220 litros de capacidade.



Na primeira prova do ano, no Brasil, Lauda foi sexto, dois lugares mais abaixo que Prost. O austríaco partiu mal, mas na décima volta, já liderava, e ficara assim até que problemas elétricos o obrigaram a abandonar na 38ª passagem pela meta. Prost ganhou, um a zero para o francês.



Em Kyalami, Lauda largou de oitavo, três lugares atrás de Prost, mas partiu bem, chegando a quarto no final da primeira volta e beneficiando depois dos problemas dos Brabham de Teo Fabi e Nelson Piquet para ser o primeiro no final da volta dez, e não saindo de lá até à meta. Um a um.



Com Alboreto a vencer em Zolder, e os McLaren a não chegarem ao fim - Prost desistiu na volta 5 e Lauda na 34, com problemas na bomba de água - em Imola, Prost levou a melhor, ao vencer e ver o seu companheiro desistir com problemas de motor, na volta 15. Dois a um para o francês. Em Dijon, Lauda qualificara-se em nono, e aproveitou os problemas de Prost - que ficou em sétimo e fora dos pontos - para vencer com 7,1 segundos de vantagem para o Renault de Patrick Tambay. Empate a dois... mas Prost liderava, 24 a 18.





PONTOS PELA METADE





No final de maio, no GP do Mónaco, Lauda estave de novo atrás de Prost, pois este fez a pole-positon, contra o oitavo posto do austríaco. E na corrida, despistou-se na entrada da Mirabeau, depois de ser batido pelo prodigio Ayrton Senna, no seu Toleman. Prost venceu, mas como a corrida fora interrompida na volta 31, apenas recebeu metade dos pontos. Que teriam dado jeito mais tarde...



No Canadá, ele foi oitavo na qualificação, mas na corrida, ultrapassou alguns carros e aproveitou os problemas de outros, como Prost, que teve problemas com o seu motor e ficou atrás dele. Lauda acabou em segundo, e o francês terceiro, ambos batidos pelo Brabham de Nelson Piquet. Mas em Detroit, foi Prost a conseguir três preciosos pontos, com um quarto lugar. Lauda, partindo de décimo, acabou a sua corrida na volta 33, com um problema elétrico. E nenhum dos dois chegou ao fim no calor de Dallas, com um detalhe: Lauda, quinto na grelha, foi pela primeira vez superior a Prost, o sétimo.



Por esta altura, já se tinham cumprido nove das dezasseis corridas da temporada, e a vantagem de Prost sobre Lauda era de 10,5 pontos: 34,5 contra 24. 



Em Brands Hatch, enquanto se descobria a falcatrua da Tyrrell e os desqualificavam, Prost e Lauda ficavam um atrás do outro, batidos apenas pelo Brabham de Piquet. O austríaco levou a melhor, vencendo a corrida, com mais um bónus: Prost tinha-se retirado na volta 37 com problemas na caixa de velocidades. De súbito, ambos ficaram bem perto.



Prost reagiu na Alemanha. Fazendo a pole-position, com Lauda a ser sétimo, e ambos rolaram rumo a uma dobradinha, com Prost na frente e Lauda colado, ambos a mais de meio minuto de Derek Warwick, que ocupou o lugar mais baixo do pódio.



No Osterreichring, ambos voltavam a andar perto um do outro – Prost segundo, Lauda quarto - mas na corrida numero 400 da história da Formula 1, foi Lauda a levar a melhor, com Prost a despistar-se na volta 28 devido ao óleo largado pelo Lotus de Elio de Angelis. Pela primeira vez na temporada, ele era o líder.





A MAIS PEQUENA DIFERENÇA DE SEMPRE





Em Zandvoort, Prost reagiu, fazendo a pole e liderando até a bandeira de xadrez. Já Lauda, sexto na grelha, chegou no segundo posto, minimizando os estragos. Mas em Monza, teve a sorte do seu lado: em mais uma corrida de atrito, ele partiu de quarto para vencer. Prost, dois lugares mais à frente, desistiu na terceira volta, com problemas no seu Turbo. Agora, era o austríaco que destacava: 63 contra 52,5 pontos do francês.



Parecia que ia a caminho do título, mas as coisas complicaram-se no novo Nurburgring, durante o GP da Europa. Prost foi segundo e venceu, enquanto Lauda apenas tinha conseguido o 15º tempo, mas recuperou posições ao longo da corrida. Acabou em quarto, depois de ter feito um pião na volta 21 quando passava o Spirit de Mauro Baldi.



Três pontos e meio separavam ambos os pilotos na entrada da última corrida do ano, em Portugal, e no regresso da Formula 1 a terras portuguesas, 24 anos depois da última vez, Prost tinha levado a melhor, sendo segundo na grelha, contra o 11º posto de Lauda. Um 15-1 em termos de qualificações a favor do francês. Mas o que lhe deu o título foram os travões de Nigel Mansell, que falharam na volta 55, e com isso, o austríaco ficou com o segundo lugar, suficiente para ser campeão. Dois anos depois do regresso e aos 35 anos, ele era campeão do mundo pela terceira vez, algo que na altura, só Jack Brabham e Jackie Stewart tinham.



O pragmatismo de Lauda tinha levado a melhor sobre a velocidade do francês, mas ele iria aprender e a partir do ano seguinte, venceria o primeiro de quatro títulos. Nesse mesmo ano de 1985, Lauda pendurou o capacete.

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