Não foi há muito tempo que escrevi uma matéria sobre Niki Lauda. Na edição de 15 de abril da Autosport portuguesa, assinei um artigo na secção histórica da revista um artigo sobre o piloto austríaco. Este ano comemoram-se os 35 anos do seu tricampeonato, que foi de uma certa forma o culminar de um regresso que tinha acontecido dois anos antes, a bordo de um McLaren.
Também a ajudar nesse regresso foi o motor TAG-Porsche Turbo, que apareceu na parte final de 1983, mas apenas começou a dar nas vistas na temporada seguinte, graças também ao seu companheiro de equipa, o francês Alain Prost. Nesta altura, Lauda tinha 35 anos e a velocidade tinha dado lugar ao pragmatismo, que tinha dado o bicampeonato sete anos antes. E foi graças a ela que conseguiu ser melhor que Prost ao longo dessa temporada, também numa altura em que os carros quebravam mais facilmente do que agora.
Quando a 21 de outubro desse ano, comemorou o tricampeonato no Autódromo do Estoril, tinha conseguido um feito que só Dennis Hulme alcançara dezassete anos antes: ganhar um campeonato sem qualquer pole-position. Bastaram cinco vitórias e três voltas mais rápidas, poupar o carro na parte inicial da corrida para depois atacar na segunda parte, com os pneus aquecidos, o depósito a meio e os componentes poupados, enquanto a concorrência não aguentava.
E é sobre isso que se tratou este artigo que escrevi para a Autosport, do qual divulgo na íntegra.
LAUDA 84: O TRICAMPEÃO SEM POLES
Quando a 21 de outubro de
1984, Niki Lauda subiu ao segundo posto no pódio do GP de Portugal, no
Estoril, e foi abraçado pela sua então esposa, Marlene, estava não só a
comemorar um terceiro título mundial pela mais pequena das margens da história
- meio ponto - como também estava a voltar ao topo do mundo, sete anos depois
da última vez e dois anos após o seu regresso à categoria máxima do
automobilismo.
No meio disto tudo havia um
detalhe: Lauda tinha partido fora do “top ten”, na 11ª posição, parecendo longe
dos lugares da frente. Mas aproveitando as avarias e os erros dos adversários,
bem como o seu ritmo de corrida, chegou onde queria chegar para arrebatar o
título. E ele tinha conseguido algo anormal: tinha alcançado o título mundial
sem qualquer pole-position. Mais: o austríaco nem sequer pisou a primeira linha
em toda essa temporada.
Mas em contraste, conseguiu cinco
voltas mais rápidas nessa temporada. E é o segredo do seu sucesso que iremos
explicar nas próximas linhas.
Ao todo, Niki
Lauda têm 24 pole-positions no seu currículo, mas dessas, 21 foram conseguidas
entre o GP da África do Sul de 1974 e o GP da Grã-Bretanha de 1976. Ou seja,
todas conseguidas no espaço de dois anos e todas pela Ferrari, e antes do
acidente em Nurburgring, que quase custou a sua vida. Depois de regressar e
recuperar dos ferimentos, voltou a ser o mais rápido apenas por mais três
vezes. E a última, em Kyalami, em 1978, foi com o Brabham-Alfa Romeo, foi para
a história como sendo a única conseguida sem ser ao volante de um Ferrari.
Com a idade, a
velocidade nos treinos foi substituída pelo pragmatismo, e acabar passou a ser
melhor do que mostrar a sua velocidade em sessões de qualificação. E ele iria
refinar essa técnica quando voltou à Formula 1, pela McLaren, em 1982.
Lauda venceu
duas corridas nessa temporada de regresso, e as suas performances eram
semelhantes aos do seu companheiro de equipa, John Watson. Contudo, no final de
1983, a McLaren tinha o seu motor TAG-Porsche turbo, e Ron Dennis decidiu
contratar Alain Prost assim que este se viu liberto do contrato com a Renault.
Ao mesmo tempo, John Barnard desenhava o MP4/2, que sabia ser um carro capaz de
lutar pelas vitórias e títulos que andavam arredados de Woking desde 1976. Mas
ele sabia que tinha um companheiro de equipa bem mais veloz. Como o iria bater?
Simples: abdicava das qualificações, concentrando-se na corrida. E nessa
temporada, os reabastecimentos tinham sido proibidos e os depósitos de gasolina
tinham sido reduzidos a 220 litros de capacidade.
Na primeira
prova do ano, no Brasil, Lauda foi sexto, dois lugares mais abaixo que Prost. O
austríaco partiu mal, mas na décima volta, já liderava, e ficara assim até que
problemas elétricos o obrigaram a abandonar na 38ª passagem pela meta. Prost
ganhou, um a zero para o francês.
Em Kyalami,
Lauda largou de oitavo, três lugares atrás de Prost, mas partiu bem, chegando a
quarto no final da primeira volta e beneficiando depois dos problemas dos Brabham
de Teo Fabi e Nelson Piquet para ser o primeiro no final da volta dez, e não
saindo de lá até à meta. Um a um.
Com Alboreto a
vencer em Zolder, e os McLaren a não chegarem ao fim - Prost desistiu na volta
5 e Lauda na 34, com problemas na bomba de água - em Imola, Prost levou a
melhor, ao vencer e ver o seu companheiro desistir com problemas de motor, na
volta 15. Dois a um para o francês. Em Dijon, Lauda qualificara-se em nono, e
aproveitou os problemas de Prost - que ficou em sétimo e fora dos pontos - para
vencer com 7,1 segundos de vantagem para o Renault de Patrick Tambay. Empate a
dois... mas Prost liderava, 24 a 18.
PONTOS PELA
METADE
No final de maio, no GP do
Mónaco, Lauda estave de novo atrás de Prost, pois este fez a pole-positon,
contra o oitavo posto do austríaco. E na corrida, despistou-se na entrada da
Mirabeau, depois de ser batido pelo prodigio Ayrton Senna, no seu Toleman.
Prost venceu, mas como a corrida fora interrompida na volta 31, apenas recebeu
metade dos pontos. Que teriam dado jeito mais tarde...
No Canadá, ele
foi oitavo na qualificação, mas na corrida, ultrapassou alguns carros e
aproveitou os problemas de outros, como Prost, que teve problemas com o seu
motor e ficou atrás dele. Lauda acabou em segundo, e o francês terceiro, ambos
batidos pelo Brabham de Nelson Piquet. Mas em Detroit, foi Prost a conseguir
três preciosos pontos, com um quarto lugar. Lauda, partindo de décimo, acabou a
sua corrida na volta 33, com um problema elétrico. E nenhum dos dois chegou ao
fim no calor de Dallas, com um detalhe: Lauda, quinto na grelha, foi pela
primeira vez superior a Prost, o sétimo.
Por esta altura,
já se tinham cumprido nove das dezasseis corridas da temporada, e a vantagem de
Prost sobre Lauda era de 10,5 pontos: 34,5 contra 24.
Em Brands Hatch, enquanto se
descobria a falcatrua da Tyrrell e os desqualificavam, Prost e Lauda ficavam um
atrás do outro, batidos apenas pelo Brabham de Piquet. O austríaco levou a
melhor, vencendo a corrida, com mais um bónus: Prost tinha-se retirado na volta
37 com problemas na caixa de velocidades. De súbito, ambos ficaram bem perto.
Prost reagiu na Alemanha. Fazendo
a pole-position, com Lauda a ser sétimo, e ambos rolaram rumo a uma dobradinha,
com Prost na frente e Lauda colado, ambos a mais de meio minuto de Derek
Warwick, que ocupou o lugar mais baixo do pódio.
No Osterreichring, ambos voltavam
a andar perto um do outro – Prost segundo, Lauda quarto - mas na corrida numero
400 da história da Formula 1, foi Lauda a levar a melhor, com Prost a
despistar-se na volta 28 devido ao óleo largado pelo Lotus de Elio de Angelis.
Pela primeira vez na temporada, ele era o líder.
A MAIS PEQUENA DIFERENÇA DE
SEMPRE
Em Zandvoort, Prost reagiu,
fazendo a pole e liderando até a bandeira de xadrez. Já Lauda, sexto na grelha,
chegou no segundo posto, minimizando os estragos. Mas em Monza, teve a sorte do
seu lado: em mais uma corrida de atrito, ele partiu de quarto para vencer.
Prost, dois lugares mais à frente, desistiu na terceira volta, com problemas no
seu Turbo. Agora, era o austríaco que destacava: 63 contra 52,5 pontos do
francês.
Parecia que ia a caminho do
título, mas as coisas complicaram-se no novo Nurburgring, durante o GP da
Europa. Prost foi segundo e venceu, enquanto Lauda apenas tinha conseguido o
15º tempo, mas recuperou posições ao longo da corrida. Acabou em quarto, depois
de ter feito um pião na volta 21 quando passava o Spirit de Mauro Baldi.
Três pontos e meio separavam
ambos os pilotos na entrada da última corrida do ano, em Portugal, e no
regresso da Formula 1 a terras portuguesas, 24 anos depois da última vez, Prost
tinha levado a melhor, sendo segundo na grelha, contra o 11º posto de Lauda. Um
15-1 em termos de qualificações a favor do francês. Mas o que lhe deu o título
foram os travões de Nigel Mansell, que falharam na volta 55, e com isso, o
austríaco ficou com o segundo lugar, suficiente para ser campeão. Dois anos
depois do regresso e aos 35 anos, ele era campeão do mundo pela terceira vez,
algo que na altura, só Jack Brabham e Jackie Stewart tinham.
O pragmatismo de Lauda tinha
levado a melhor sobre a velocidade do francês, mas ele iria aprender e a partir
do ano seguinte, venceria o primeiro de quatro títulos. Nesse mesmo ano de
1985, Lauda pendurou o capacete.
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