Esta segunda-feira vamos na terceira semana de "F1 - O Filme", e as receitas do filme realizado por Jason Kosinski estão perto dos 400 milhões de dólares. Ainda não dá lucro - fala-se de 600 a 700 milhões para lá chegar - mas está no bom caminho, sendo agora o nono filme mais lucrativo de 2025. Aliás, o "buzz" na imprensa não está a diminuir, pelo contrário: as boas impressões que se ouve e lê nas redes sociais, a quantidade de impressões positivas que colocam nas criticas ao filme, levou a que os produtores se falem de duas coisas: uma sequela ou algo parecido com um "franchise", semelhante ao "Star Wars" ou os filmes da Marvel e da DC, para encher as salas de cinema no verão ou ter mais conteúdo nos "streamings" existentes.
E para a Apple Studios, é uma maravilha: tornou-se no filme de maior sucesso da história até agora.
Uma coisa que não era muito conhecida até hoje: os patrocinadores da ficcional Apex GP. Eles são reais, e trouxeram ao filme o equivalente a 40 milhões de dólares. É impressionante, e claro, não existe. Agora imaginem se fosse real. Contudo, deu para ajudar nas despesas, e desses 200 ou 300 milhões, tem de fazer esse desconto, e poderemos afirmar que tem mais 40 milhões de dólares de lucro, o que significa que isto não fica por aqui. Aliás, o "hype" não diminui.
Claro, a Liberty Media esfrega as mãos de contente. Sabe que isto se tornou numa galinha dos ovos de ouro ainda mais preciosa, irá trazer novos fãs para a modalidade, e explorar esta parte tornou-se muito tentador. E mais interessante ainda, em 2026, haverá uma parceria com a Walt Disney, uma gigante de cinema, televisão, marketing e parques temáticos. E quem os conhece, sabe que eles tem o "franchising" do "Star Wars", que pode ter custado mais de nove mil milhões de euros quando foi comprar a George Lucas, mas desde então multiplicou os seus lucros.
Contudo, no domingo, véspera de escrever este artigo, calhou por acaso ver um video no Youtube sobre "Grand Prix", o filme de 1966 que foi realizado por John Frankenheimer e tinha como protagonistas gente de James Garner e Yves Montand, que "corriam" - sim, corriam no meio dos pilotos! - ao lado dos pilotos de então, como Graham Hill, Bruce McLaren, Jochen Rindt, Jo Siffert, Jack Brabham, Dennis Hulme, entre outros, e ainda teve a assistência de outros ex-pilotos como Richie Ginther e Phil Hill. Este último, por exemplo, tinha um "camera car", um Ford GT40 modificado para levar câmaras de filmar e que acompanhava o pelotão na parte de trás, a pouca distância.
Assim sendo, acho que é altura de falar desse filme. E se "F1" bateu-o ou não. E que paralelismos existe com a atualidade.
As coisas começaram em meados de 1965 quando Frankenheimer, então com 35 anos, era uma grande esperança em Hollywood depois de realizar filmes como "The Birdman of Alcatraz", com Burt Lancaster no principal papel, "O Candidato da Manchuria", com Frank Sinatra (sim, ele mesmo, o cantor) e Angela Lansbury nos principais papéis e "Sete Dias em Maio", onde o tema era a chance de um golpe de estado militar na América, com Kirk Douglas e Burt Lancaster. Todos acabaram por ser sucessos, que renderam dezenas de milhões de dólares para o estúdio.
Quando foi convidado para fazer "Grand Prix", a MGM (Metro-Goldwyn-Mayer) prometeu um orçamento generoso para o realizar, e claro, filmar na Europa era tentador. O argumento, parcialmente escrito por Frankenheimer e Robert Alan Aurthur era simples: quatro pilotos ao longo da temporada: o americano Pete Aron, o britânico Scott Stoddard, o francês Jran-Pierre Sarti e o italiano Nino Barlini. A temporada começa no Mónaco e acaba em Monza, com passagens por Reims, em França, Brands Hatch, na Grã-Bretanha, em Spa-Francochamps, na Bélgica, em Nurburgring, na Alemanha. Há trocas de equipas - Aron sai da britânica Jordan e vai para a japonesa Yamura - Stoddard sofre um acidente em Monte Carlo, Sarti começa a duvidar da sua presença na Ferrari e na Formula 1 e toma a decisão de ir embora depois do GP de Itália e Barlini perde-se no seu próprio labirinto, obcecado por triunfar.
Frankenheimer ajuda a meter algumas técnicas inovadoras em termos de "onboards", alguns já falados em cima e que não seriam vistos em carros de Formula 1 nos 20 anos seguintes. Eram operados automaticamente e conseguiam, graças a técnicas anti-vibração, estabilizar a câmara, essencial para poder captar imagens. Para ganhar realismo.
O mundo da Formula 1 reagiu inicialmente com relutância, apesar de ter gente como Dan Gurney, Phil Hill e Richie Ginther como conselheiros técnicos. Enzo Ferrari foi o mais radical: proibiu que o seu nome fosse usado, porque temia que Hollywood os desprezasse. Contudo, Frankenheimer não desistiu e editou uma sequencia de 30 minutos, entregou pessoalmente a Maranello e mostrou a Ferrari. Este ficou tão convencido com o tratamento que ele fez ao filme, e isso resultou em acesso total: há uma cena onde Garner vai a Ferrari, em Maranello e fala com a personagem, interpretada pelo ator italiano Adolfo Celi, que meses antes foi o vilão em "Thunderbolt", o terceiro filme da saga James Bond.
O filme foi feito em 70mm para um sistema chamado Cinerama, criado para dar um efeito mais abrangente da experiência cinematográfica. Um antepassado do IMAX, de uma certa maneira. O sistema utilizava três câmaras interligadas de 35 milimetros, equipadas com lentes de 27 milimetros, aproximadamente a distância focal do olho humano. Cada câmara fotograva um terço da imagem num padrão cruzado, a câmara da direita fotografando a parte esquerda da imagem, a câmara da esquerda fotografando a parte direita da imagem e a câmara do centro fotografando em linha reta. As três câmaras eram montadas como uma unidade, ajustadas a 48 graus uma da outra. Um único obturador rotativo na frente das três lentes garantia a exposição simultânea em cada um dos filmes. As três câmaras angulares fotografaram uma imagem que não só era três vezes mais larga do que um filme padrão, como também cobria 146 graus de arco, perto do campo de visão humano, incluindo a periférica. A imagem era fotografada com seis furos de roda dentada de altura, em vez dos quatro utilizados nos processos convencionais de 35 mm. A imagem foi fotografada e projetada a 26 fotogramas por segundo (FPS), em vez dos habituais 24 FPS.
As filmagens superavam obstáculos uns atrás dos outros, Frankenheimer estava genuinamente entusiasmado - tinha sido piloto amador no inicio dos anos 50 - mas havia um sentido de contra-relógio. E com razão: nos bastidores, havia outro filme a ser pronto, com um ator de peso: Steve McQueen. Dirigido por John Sturgis, iria-se chamar "O dia de um Campeão" e as filmagens iriam ser em Nurburgring. Produzido por outro estúdio, Frankenheimer teve de entregar 25 rolos de filmes com a pista alemã em pano de fundo para o outro filme. Contudo, esse nunca acabou por ser realizado, e o filme de automóveis que McQueen tanto queria acabou por acontecer quatro anos depois, em 1970, e o cenário foi as 24 Horas de Le Mans.
Quanto aos acidentes, ele usou muito um canhão de pressão de ar, onde o impulso fazia projetar o carro em algumas dezenas de metros, causando um efeito aproximado, não real, mas parecendo real. E isso se vê na cena do acidente mortal de Jean-Pierre Sarti, em Monza, quando o Ferrari sai da pista, no oval, e acaba na parte de baixo, perto da Variante Ascari, com Yves Montand pendurado nas árvores, já morto.
Outro acidente realista foi o de Scott Stoddard e Pete Aron no Mónaco, no inicio do filme. Ambos pilotos da Jordan-BRM, Aron acabou no fundo da baía, com o seu carro, tendo conseguido nadar até à superfície. O local não foi um acaso: tinha sido onde, em 1955, Alberto Ascari tinha mergulhado o seu Lancia, e uma década depois, Paul Hawkins teria o mesmo destino. E os pilotos falavam que aquela chicane era o local mais indicado para isso. Arrepiantemente, um dos pilotos que participou no filme, o italiano Lorenzo Bandini, iria sofrer o seu acidente fatal naquele local, em 1967, um anos depois das filmagens.
As cenas do GP da Bélgica, em Spa-Francochamps, naquele filme... foram reais. Foi o GP da Bélgica de 1966, e tornaram-se num momento de mudança na Formula 1. Vários acidentes aconteceram na primeira volta, onde seis pilotos foram eliminados por causa de uma grande carga de água. O mais sério foi aquele que envolveu Jackie Stewart, então piloto da BRM, onde se despistou e arrancou um poste telefónico no impacto. Preso, mas não sériamente ferido, foi retirado pelo seu companheiro de equipa, Graham Hill, e pelo americano Bob Bondurant, e o socorro ao piloto escocês foi tão deficiente que, apesar de ter ficado no hospital por duas semanas, tornou-se no defendor da melhoria das condições nos circuitos de Formula 1.
O vencedor foi John Surtees, da Ferrari, e as cenas foram usadas para filmar Sarti, que tinha o capacete do britânico, com algumas cenas a serem filmadas, porque no filme, ele assiste à morte de dois adolescentes que estavam demasiado próximos da pista...
Claro, as imagens reais dessa corrida foram aproveitadas porque deram... realismo ao filme.
A cena do GP de Itália, em Monza, foi usada numa versão do circuito que aconteceu na edição de 1961, e que causou a morte do piloto alemão Wolfgang von Trips na primeira volta da corrida... e mais 14 espectadores. E deu o título nas mãos de Phil Hill. Foi com isso em mente que filmaram as cenas. Mas o final, uma corrida sprint entre Aron e o Jordan de Stoddard, acabou por acontecer... em 1967, entre o carro de Jack Brabham e o Honda de John Surtees, ganho pelo piloto inglês, e dando à marca japonesa a sua segunda vitória na Formula 1!
Mas para sermos honestos, esse é um final previsível, porque em 1969 e 1971, a corrida também acabou assim, mas com quatro pilotos, em 69, e cinco, dois anos mais tarde. O circuito era tão veloz que o melhor era implementar pelo menos três chicanes, o que acabou por acontecer em 1972, e ficou até aos dias de hoje.
O filme foi estreado em dezembro de 1966 e foi um sucesso total. Custou nove milhões de dólares, aos valores de então (hoje em dia, acrescentem uns dez vezes mais) teve lucros de 20 milhões, sendo um dos 10 filmes mais lucrativos desse ano. Nas nomeações para os prémios da Academia de Hollywood, vulgo, os Óscares, ganhou três prémios na área técnica: Melhor Som, Melhor Edição e Melhores Efeitos Sonoros.
Anos depois, em 1969, Frankenheimer afirmou que "Grand Prix" foi o filme que mais lhe deu satisfação de o fazer.
No final, conhecendo "Grand Prix", pode-se afirmar que na busca por realismo, é semelhante, e creio que é por esta película é que "F1" se pode comparar, não com "Rush", por exemplo. Porquê? A primeira coisa é que "Rush" tem um fundo de verdade. Tem como base uma temporada real, com pilotos reais e situações reais. "Grand Prix", sendo realista, tem como base uma temporada fictícia, com pilotos e equipas fictícias, com participação minima de pilotos e equipas reais, embora tenham todos colaborado e aconselhado. E a sorte é que o realizador os ouviu, porque queria mostrar aos espectadores um produto de qualidade. Nisso, conseguiu. E quase 60 anos depois, Hollwyood regressou ao tema, com um sucesso igual.
Agora, o que será diferente em 2025? Começamos a ouvir planos de transformar este filme em muito mais, numa série ou num franchising semelhante a "Star Wars" ou aos filmes da Marvel e da DC, alimentados pelos canais de Streaming que apareceram por ai, como a Netflix, Apple + ou Disney. Provavelmente, é que serão os nossos futuros verões: num streamimg ou num cinema, ao lado do filme do Star Wars, do da Marvel, teremos o da Formula 1, com todas as grandes estrelas a terem de fazer aquilo que chamam de "dramas desportivos". E se o Brad Pitt está a ter o seu grande momento - é o seu filme mais lucrativo de sempre - outros atores poderão pensar que fazer um filme de automobilismo até poderá ser bom para o seu currículo. E se for "automobilismo + blockbuster", melhor.
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