quarta-feira, 16 de julho de 2025

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O automobilismo, no verão de 1955, estava definitivamente em perigo. Com todas as corridas no continente europeu canceladas, no rescaldo da tragédia nas 24 Horas de Le Mans, cinco semanas antes, onde 80 espectadores tinham perdido a vida, ter um Grande Prémio em paragens britânicas era uma boia de salvação para a modalidade. Para além disso, o RAC, Royal Automobile Club, estava confiante que o facto de andarem na pista de Aintree, que acolhia os cavalos de corrida nos arredores de Liverpool, onde os espectadores estavam num lugar mais distante, poderia mostrar ao mundo que sabiam umas coisas de segurança.

Com o encurtamento do calendário, a retirada da Lancia e a crise na Ferrari, que "herdou" os carros da Lancia, os Mercedes tinham tudo para ganhar nessa temporada. E tinham inscrito quatro carros, um para Juan Manuel Fangio, outro para Stirling Moss, um terceiro para Karl Kling e o quarto para o italiano Piero Taruffi. Contra eles, um contingente de equipas britânicos como Cooper, Alta, BRM, Vanderwell, Connaught, entre outros, sem poderem beliscar os carros alemães, sequer os italianos.

O dia da partida estava num céu azul de verão, e a temperatura ajudava nisso. Moss, o poleman, foi passado por Fangio na partida, mas na terceira volta, o britânico passou para a frente. O argentino voltou ao comando na volta quatro, e lá ficou até à 17ª, altura em que Moss voltou ao lugar. E lá ficou até á meta, com Fangio sempre atrás, a fazer de escudeiro, ou "wingman", se quisermos usar o termo da aviação. 

Na volta final, os espectadores esperavam que Fangio atacasse Moss e o passasse antes da reta da meta. Contudo, os Mercedes aproximaram-se da linha de meta, cruzaram-na e desaceleraram, recebendo os festejos da vitória. Mas houve algo anormal: quem ganhou, tinha sido Moss, não Fangio. Era a primeira vitória do britânico na Formula 1, era a primeira de um britânico no GP local, em Aintree, e foi festejado. Mas depois fez-se a pergunta: porque é que Fangio o deixou passar?

A resposta foi simples: Fangio não o deixou passar. Ele disse logo: "Moss foi melhor que eu". Problema: nenhum britânico acreditou nisso. Os locais simplesmente acreditaram no gesto de "fair-play" que o argentino deu - ainda por cima, foi nessa corrida que ele conseguiu o seu terceiro título mundial - mas depois entenderam porque é que afirmou isso, e manteve a história até morrer, 30 anos depois. 

Afinal de contas, é metermos na mentalidade dos pilotos desses tempos. Ganhar é importante, mas merecer ganhar, também. E todas as vitórias são merecedoras, especialmente em tempos como estes, onde um erro e era morte certa. Nem sempre os gestos de generosidade e "fair-play" são bem vistos, e isto era um gesto de fair-play. Mas... quem gosta de ganhar corridas porque o seu companheiro de equipa decidiu dar um gesto generoso? Ainda por cima, uma vitória caseira e a primeira vitória da sua carreira? De uma certa maneira entendo o gesto de Fangio, e da insistência em manter "anónimo".

Independentemente do gesto, nada ofusca os acontecimentos de há 70 anos, com a Mercedes a dominar, com Moss a triunfar e Fangio a ser campeão. Mais uma corrida, acabava o campeonato, para logo a seguir, a Mercedes arrumar os seus carros no museu. 

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