terça-feira, 7 de agosto de 2007

GP Memória - Alemanha 1935

Para começar, este artigo tem como base outro escrito por um rapaz (tem a mesma idade do que eu...), de seu nome Nuno Vieira, mas que é conhecido no Fórum Autosport de NMAV (as suas iniciais). Mas no entanto, acrescentei tanta coisa que poderia dizer que no mínimo, é um artigo dele, com modificações minhas.


Esta deve ser talvez uma das maiores corridas de automobilismo de sempre. Nunca uma prova como esta demonstrou que o epíteto “David contra Golias” fosse tão bem aplicada, com um carro inferior, conduzido por um piloto superior, batesse carros supeiores, mas com pilotos inferiores. Foi a maior vitória de Tazio Nuvolari, perante 300 mil alemães impressionados. Tão impressionados com o feito que a própria organização não tinha um disco com o hino italiano para tocar no pódio! Falo do Grande Prémio da Alemanha de 1935, disputado no circuito de Nurburgring.


Estamos em 1935. Os “Flechas de Prata” da Mercedes e Auto Union dominavam os circuitos europeus, graças ao apoio do estado nazi, pois Adolf Hitler era um grande entusiasta. Pilotos como Hans Stuck, Rudi Caracciola, Bernd Rosemeyer e Manfred Von Brauchitsch, dominavam as pistas da Europa. Contra eles, os Alfa Romeo P3, pilotados por homens como Achille Varzi e Tazio Nuvolari, e comandados na box por Enzo Ferrari. Eles sabem que com mesmo com todo aquele talento, era incapazes de bater aquela maquinaria alemã, que fazia jus à frase “Vosprung Durch Technik” – A Perfeição através da Técnica. Porquê? Os Alfa P3, apesar de serem fiáveis, tinham menos 125cv e 30cv, respectivamente, que os carros rivais da Mercedes e Auto Union.

Para a corrida, Mercedes Benz tinha cinco W25 de 455cv, pilotados por Rudi Caracciola, Manfred Von Brauchitsch, Luigi Fagioli, Andreas Geier e Hermann Lang. Os quatro V-16 4.9L de 360cv da Auto Union eram pilotados por Achille Varzi, Bernd Rosemeyer, Hans Stuck e Paul Pietsch. Ambos os carros, conseguiam ultrapassar os 280 Km/h. A Alfa Romeo tinha três históricos P3 3.8L 330cv.


Comparados aos carros alemães, os Alfas estavam ultrapassados, pois eram projectos com 3 anos, no entanto eram extremamente fiáveis. Os pilotos eram Tazio Nuvolari, Louis Chiron, e René Dreyfus. Os restantes concorrentes não podiam aspirar a nada, eram 3 Maserati da Scuderia Subalpina (Zehender, Phillipe Etancelin e Siena), Balestrero com o seu Alfa Romeo privado, Piero Taruffi com um Bugatti de 3.3L, Ruesch, Hartmann e Soffieti em Maseratis privados e Max von Delius e Rex Mays em E.R.A 2 Litros.


Á partida, Nuvolari tomou o comando seguido de Carcciola, Fagioli e Brauchitsch, mas Caracciola ultrapassa-o e ganha 12 segundos, enquanto a nova promessa alemã, Bernd Rosemeyer, subia para quarto a frente de von Brauchitsch, Chiron, Brivio, Varzi, Taruffi, Lang e Geier.
Na segunda volta já a ordem era: Rudi Caracciola (Mercedes, 12 segundos à frente); Bernd Rosemeyer (Auto Union); Luigi Fagioli (Mercedes); Manfred von Brauchitsch (Mercedes). Tazio Nuvolari (Alfa Romeo) desce para sexto e Louis Chiron (Alfa Romeo) sobe para quarto. É então que, para espanto de todos, dois dos sempre fiáveis Alfa desistem quase de imediato: Chiron, com uma avaria no diferencial, e Dreyfus com motor partido. Nuvolari ficava sozinho, sem equipa contra os nove carros alemães.


É aqui que ele começa verdadeiramente a conduzir: ultrapassa Rosemeyer na sexta volta, von Brauchitsch na sétima, que recupera na oitava, na nona volta apanha von Brauchitsch outra vez e ultrapassa-o bem como a Fagioli, na décima volta ultrapassa Caracciola e assume a liderança. A multidão não podia acreditar no que via. Como era possível? Na 11.ª volta, a meio da corrida a tensão atinge o auge quando os quatro lideres Nuvolari, Caracciola, Rosemeyer e von Brauchitsch entram ao mesmo tempo para as boxes, a fim de reabastecer e trocar pneus.

Agora a corrida estava nas mãos dos mecânicos, e os da Mercedes eram na altura tidos como os melhores. Enquanto que von Brauchitsch partiu em 47 segundos, Caracciola em 1 minuto e 7 segundos depois, e Rosemeyer em 1 minuto e 15 segundos. Mas o Alfa de Nuvolari permanecia parado! Porquê? A bomba de gasolina avariou e carro teve de ser reabastecido à mão directamente dos bidões, enquanto Nuvolari gesticulava furioso. Vai ser a partir daqui que Enzo Ferrari tirará daqui uma lição: a partir daí a assistência às suas máquinas teria de ser sempre a melhor.

Entretanto, Nuvolari sai para a pista tendo perdido a eternidade de... 2 minutos e 14 segundos! Estava agora muito atrasado, na sexta posição, mas a conduzir como só o “Mantuano Voador” sabia. Entretanto as condições tinham mudado e Hans Stuck, embaraçado com o piso molhado, decide trocar de pneus. O líder temporário da corrida, Fagioli, decide fazer um reabastecimento e mudança de pneus à entrada da 12.ª volta e perde 51 segundos e quatro lugares na classificação. É então que Von Brauchitsch fica com liderança, enquanto Fagioli e Rosemeyer perdem terreno com problemas na suspensão e na alimentação, respectivamente.

Entretanto Nuvolari voava para recuperar o tempo perdido. Na 13.ª volta, o italiano ultrapassa Stuck, Fagioli e Caracciola como se de pilotos inexperientes se tratassem, pois em piso molhado ninguém pilotava melhor que ele. Entretanto, Rosemeyer tem de ir às boxes resolver o problema da admissão e Tazio fica em segundo, a apenas 1 min 9 seg. de von Brauchitsch.


Começa aqui uma perseguição memorável e tenaz. Ninguém, para além talvez do seu compatriota Varzi, descrevia curvas como ele, no entanto eram diferentes: enquanto Varzi primava pela perfeição técnica, Nuvolari tinha uma habilidade inata, fundia-se com a sua máquina, carro e piloto eram um só, parecia que ele conseguia sempre conduzir naquela ténue linha que define o limite. Em piso molhado parecia estar sempre para além dele. Enquanto von Brauchitsch desgastava os pneus tentando manter a liderança, Nuvolari ganhava-lhe segundos atrás de segundos (nas boxes mostravam aos pilotos os tempos a aproximarem-se) Nuvolari já só estava a 43 seg. Von Brauchitsch responde com uma volta feita à média de 130 Km/h, notável para a altura em piso molhado, nessa volta tinha ultrapassado por vezes os 280 Km/h, mas Nuvolari, mesmo não dispondo de tanta velocidade de ponta, faz melhor e ganha-lhe 11 seg, já só está a 32 seg.


À entrada para a 21.ª e penúltima volta, von Brauchitsch, consegue responder, ganhando 3 segundos. Tem agora 35 de vantagem, mas o germânico irá pagar a sua ousadia de tentar responder à pilotagem de Nuvolari. Nunca tivera a gentileza de Varzi ou a habilidade inata de Nuvolari a pilotar, nem o discernimento de Caracciola para saber isso. Travava e desgastava os pneus violentamente.


E chegamos à última volta. Em Flugplatz, a apenas 8 Km da meta, Nuvolari está a 30 seg. Quando ambos os carros passam por Adenauerforst, a diferença é 27 seg, e na zona do Karussel, menos de 200m separam o carro vermelho do prateado. Nos altifalantes os comentadores gritam entusiasmados. Apesar de Nuvolari se aproximar impiedosamente, a vitória do alemão ainda parece possível...


Mas subitamente... o silêncio! O pneu esquerdo traseiro do carro de Von Brauchitsch não tinha aguentado tão maus-tratos e desfazia-se pela pista. O carro ziguezagueava enquanto von Brauchitsch tentava manter o controle da sua máquina a mais 150 km/h. Quando finalmente consegue, vê Nuvolari desaparecer para a vitória no seu Grande Prémio perante uma multidão de 300.000 incrédulos!


Inesperada também será a classificação final: Stuck vai ser segundo, Caracciola completa o pódio, Rosemeyer será quarto e von Brauchitsch só acabará em quinto, depois do seu pneu ter furado completamente. O autoritário aristocrata e filho querido do Reich (era sobrinho do General Von Brauchitsch) irá esconder as suas lágrimas de desapontamento nas boxes, enquanto Nuvolari recebia os louros da vitória. Quanto ao esquecimento do hino italiano, referido no inicio, Nuvolari era um homem prevenido: levava sempre consigo um disco de 78 rotações com essa musica gravada…


O circuito alemão de Nurburgring marcará uma das derradeiras grandes vitórias do Alfa Romeo P3 e mais uma, senão a maior, das vitórias de Tazio Nuvolari. Tazio pilotou sempre no limite e por vezes para além dele. Naquela que será posteriormente considerada por muito como "a melhor corrida de sempre".

2 comentários:

Blog F1 Grand Prix disse...

Excelente texto! A atuação de Nuvolari foi, certamente, uma das maiores de todos os tempos. Se tivesse acontecido na Fórmula 1, estava a disputar os primeiros lugares na minha lista das maiores performances!

Grande abraço!

hjg disse...

Wooooowww bellisimo texto, parabens!!! tinha tempo sem visitar o blog :)

Deus, Fangio, Nuvolari e Senna. Amen.