No capitulo de hoje da história da vida de Gilles Villeneuve, apresentamos a primeira parte da época de 1979, a melhor de sempre da sua curta carreira na Formula 1, onde se sagrou vice-campeão do mundo. Para além dos seus feitos, fala-se também da sua relação com o seu comanheiro de equipa, agora o sul-africano Jody Scheckter, entre outros.
GILLES, o meu tributo. - 6ª Parte
1979 – A confirmação (1ª parte).
“Villeneuve representa uma esperança ousada que se tornou realidade.” Enzo Ferrari.
Tendo terminado a primeira temporada completa de Formula 1 com uma inesquecível vitoria na sua terra natal, Gilles preparava-se agora para 1979 que seria um ano de mudança em muitos aspectos. As perspectivas a nível pessoal não pareciam más, pois a vitória na ultima corrida de 1978, aliada ao voto de confiança que lhe foi dado por Enzo Ferrari ao lhe renovar o contrato, em detrimento do grande e respeitado Carlos Reutemann, e assim como a enorme empatia que a sua pessoa gerava nos aficionados em geral, particularmente junto aos tiffosi, ajudavam em muito a sua autoconfiança e faziam-no sentir-se bem.
Gilles era, como pessoa, muito inseguro e reservado, o oposto do que mostrava em pista, e para se sentir bem precisava de um ambiente onde as suas características e os seus princípios fossem reconhecidos e aceites, e a Ferrari desses dias era assim.
Do ponto de vista técnico, a Ferrari preparava um novo carro em linha com a revolução que o génio Colin Chapman iniciara com o novo conceito de carros-asa, que deu o campeonato do mundo de pilotos a Mario Andretti e o de construtores à Lotus com o lindíssimo Lotus 79. Ao mesmo tempo, os circuitos e os carros de Formula 1 também já não eram um segredo para Gilles, pois ele já contabilizava, entre a sua estreia na Ferrari em meados de 1977 e o início da época de 1979, mais de 50 mil quilómetros de testes em Fiorano.
Contudo, teria um novo companheiro de equipa, o já hepta-vencedor de GP´s e muitíssimo talentoso campeão sul-africano, Jody Scheckter.
Contrariamente ao que muitos pensam, e ao que fisicamente parecia, Scheckter era mais novo dez dias que Gilles, mas já estava na F1 desde 1973. Apesar do Jody dessa altura ter uma similaridade muito grande com o Gilles de 76 e inicio de 77, no final de 1978, já era um dos “grandes” da F1. E nesse seu início de carreira, apesar de ter impressionado pela sua extrema rapidez, que o levou a ser pretendido pela Ferrari e pela Tyrrell, teve três importantes acidentes nas suas três únicas corridas em que alinhou pela Mclaren, nesse ano: em França com Fitipaldi, em Inglaterra com o pelotão e nos EUA com François Cevert. Em decorrência disso, e tal como Gilles, foi muito criticado pelos outros pilotos e sofreu inclusive a ameaça de ser banido da F1 pelas suas “loucuras” em pista.
Contudo, entenderam-se e identificaram-se, e instantaneamente houve uma grande empatia e respeito mútuo entre os dois, que se transformou com o tempo, numa verdadeira amizade. Desde o início do relacionamento entre eles na equipa Ferrari que princípios, tão caros a Gilles, como a honestidade e a lealdade se impuseram naturalmente, e naturalmente também passou a existir um acordo tácito sobre o comportamento de cada um com relação ao outro. Na opinião de Mauro Forghieri, Gilles e Jody fizeram uma dupla perfeita.
A Ferrari de Enzo, e desde sempre, era uma equipa sem primeiro e segundo pilotos. Dizia o velho homem que o primeiro piloto da equipa era aquele que chegava á frente mas só … até ao GP seguinte. O importante para ele era que fosse um Ferrari a ganhar. Sabia muito.
Contudo, Jody, pela sua experiência e qualidade, pelos sete Grandes Prémios já ganhos, e também por ter um salário seis vezes maior que o de Gilles, era na prática o 1º piloto mas só … até a próxima corrida (lol). E nos treinos de Inverno, Jody, ao não conseguir em Fiorano bater os tempos de Villeneuve … não gostou muito, e percebeu que o Canadiano não era um menino de coro que não estava ali só para lhe fazer companhia.
O sul-africano definiu assim o seu relacionamento com Gilles: “A principal razão para Gilles e eu termos tido tanto sucesso foi essencialmente porque nós fomos sempre honestos um com o outro e é assim que tem que ser. Foi como se estivéssemos a morar juntos na mesma casa e apesar de eu querer ganhar mais do que queria que ele ganhasse, não queria arranjar uma luta dentro da minha própria casa. Gilles e eu tínhamos a mesma idade (apesar das tretas dele, que muito me divertiram) e respeitávamo-nos um ao outro. Eu respeitava-o pelo que ele era e especialmente pelas boas qualidades que tinha e acredito que ele me respeitava exactamente pelas mesmas razões. Você pode confiar em alguém quando está a beber um copo com ele mas você conhece melhor as pessoas e confia de uma forma mais profunda quando as conhece em tempo de guerra. E quando você está a competir na Formula 1, você está na guerra.”
A 21 de Janeiro, correu-se então o primeiro GP do ano, na Argentina. A Ferrari apresentou-se com dois carros do ano anterior, e como seria de esperar, não eram suficientemente competitivos. A primeira linha era composta pelos dois Ligier-Ford de Jacques Lafitte e Patrick Depailler, tendo Jacques obtido um tempo canhão inferior em um segundo ao seu colega de equipa. Carlos Reutemann, em Lotus, e Jean-Pierre Jarier, no seu Tyrrel, eram terceiro e quarto, qenquanto que Jody conseguiu o quinto tempo, e Gilles foi décimo.
Na largada, Jody desentendeu-se com o McLaren de John Watson, e a corrida teve que ser interrompida, pois vários carros ficaram danificados. Jody foi proibido pelo médico de participar e Gilles desistiu. Ganhou Lafitte, seguido de Reutemann, Watson, Depailler, Andretti e Fitipaldi.
Na continuação da tournée sul-americana, seguiu-se o GP do Brasil que se correu em Interlagos, São Paulo. Nos treinos, Lafitte e Depailler colocaram de novo os Ligier na primeira linha, seguidos pelos Lotus de Reutemann e Andretti, e na terceira linha os Ferrari de Gilles e Jody. Na corrida, Gilles largou mal e ainda parou nas boxes para trocar pneus mas ainda conseguiu, depois de recuperar vários lugares em pista, chegar no quinto lugar, á frente de Scheckter, mas atrás de Lafitte, Depailler, Reutemann e Pironi. Foi dia de festa na box da Ferrari, pois estava-se a aposentar naquele dia o difícil 312 T3.
O próximo GP foi na Africa do Sul, no circuito de Kyalami. Jody corria em casa, e a Ferrari apresentou-se com o novíssimo 312 T4 que era … absurdamente feio, mas extremamente eficiente e rápido. Foi assim um Grande Prémio de estreias, pois na Pole Position estreou-se Jean Pierre Jabouille, com um Renault Turbo. Com efeito, a altitude, a longa recta do circuito e a alta velocidade média foram factores preponderantes para colocar o Renault naquela posição.
Jody Scheckter, não querendo deixar créditos por mãos alheias, fez o segundo tempo sendo Gilles o terceiro a menos de 2 centésimas. Lauda, Depailler e Lafitte seguiam-se na grelha. Antes da largada, Gilles procurou Jody para combinarem a estratégia da corrida, e propôs que quem largasse á frente não seria atacado pelo outro. Scheckter aceitou. Assim só podiam disputar posições na largada.
Mas nessa corrida... houve duas. Na primeira largada, os Ferrari largaram melhor que o Renault e Gilles faz a 1ª curva na frente. Mas na passagem da meta, Jabouille e os cavalos da Renault conseguem retomar a liderança, praticamente a par com os dois Ferraris. Na segunda volta, Gilles retoma a liderança mas á terceira "cai o céu", sob forma de chuva intensa e a corrida é interrompida.
Na segunda largada, Jody escolhe largar com slicks ao contrário de Gilles e, ainda com a pista molhada, este foi-se embora. Uma vez que não choveu desde a largada, aqueles que largaram com pneus de chuva começaram a trocar de pneus a partir da 10ª volta. Na 15ª, Gilles é o último a faze-lo e a vantagem de 15 seg sobre Jody que era o segundo, evaporou-se.
Contudo, os pneus de Jody não estavam bons, fruto do desgaste a que tinham sido submetidos pelas várias voltas com a pista molhada, e Gilles ataca furiosamente até á volta 50, quando o apanha. Como tinha prometido, Gilles não tentou ultrapassar Jody, apesar de poder rodar normalmente 1,5 segundos mais rápido. Contudo, numa travagem do circuito, Jody bloqueou o seu pneu dianteiro direito, e com as vibrações decorrentes disso, o carro ficou inguiável e perigoso, obrigando-o a ir ás boxes colocar um novo jogo de pneus.
A situação inverteu-se, pois agora era Gilles que tentava poupar os pneus e era Jody a atacar, mas não o suficiente, pois na bandeirada final, apenas 3.5 segundos separavam os dois Ferraris. Gilles declarou depois que estava muito contente por ter dado á Ferrari a ultima vitória do T3 e a primeira do T4. Estava também satisfeito por ter feito a volta mais rápida da corrida, que era o novo recorde do circuito. A eloquência, definitivamente, não era um dos seus pontos fortes...
Foi uma vitória inteligente de Gilles, que mostrou que os seus atributos não eram somente a coragem e uma dose importante de loucura. Houve muita gente a ter que engolir “sapos” … como se diz no Brasil.
E mais “sapos” engoliram estes, pois no GP seguinte que se realizou em Long Beach na Califórnia, Gilles, categoricamente, venceu de novo. Desta vez foi “barba, cabelo e unhas” pois o rapaz fez a Pole-Position, a Volta Mais Rápida e ganhou a corrida, com 30 segundos de vantagem para o seu companheiro de equipa Jody Scheckter.
No fim da corrida, declarou: “As pessoas disseram que tive sorte em Montreal porque o Jarier desistiu. Que na Africa do Sul ganhei pela chuva e pelos pneus, mas digam o que disserem, esta corrida foi toda minha.” Saiu dos EUA como líder do campeonato, e parecia o grande favorito á conquista do título. Que era rapidíssimo, já o mundo todo sabia, mas agora parecia saber ser rápido e conseguir acabar as corridas. Enfim...
Gilles correu a seguir a Corrida dos Campeões, em Brands Hatch, como único representante da Ferrari. Correu com o velho 312 T3, e ganhou á frente de Piquet, Andretti e Lauda. “Ele é soberbo, e eu acredito que ele vai melhorar cada vez mais” disse Jackie Stewart.
“A equipa supostamente era para ser constituída por mim e por aquele baixote Canadiano. Supostamente também era eu que ganhava tudo e era ele que deveria ficar a ver-me, e a aprender como é que se faz”, disse um retorcido, mas sem graça, Jody Scheckter aos jornalistas antes do GP seguinte, no circuito espanhol de Jarama. A competição estava ao rubro dentro da equipa Ferrari, e nos treinos, Gilles e Jody digladiaram-se brutalmente, sendo que contudo os Ligier reencontraram a competitividade perdida nos dois últimos GP's e ocuparam a primeira linha. Gilles conseguiu o terceiro tempo, e Jody foi quinto.
A corrida foi ao contrário, pois Gilles rodou duas vezes ao tentar passar Reutemann e depois o brasileiro Nelson Piquet. Como resultado, estragou os seus pneus e teve que ir troca-los. Quando voltou, estabeleceu a melhor volta da corrida 1,5 seg mais rápido que o segundo, que foi Alan Jones. Ganhou Depailler seguido por Reutemann, Andretti, Scheckter, Jarier e Pironi. Gilles foi sétimo.
A Bélgica foi o próximo destino do “circo”, e se na 6ª feira, debaixo de chuva, Gilles conseguiu dar a pole provisória á Ferrari, no sábado, os pneus de qualificação da Goodyear ditaram as regras e Gilles e Jody foram sexto e sétimo, respectivamente. Os inevitáveis Ligier ocupavam a primeira linha.
Na corrida, as coisas seriam diferentes. Gilles larga mal e perde dois lugares para Scheckter e Regazzoni e no final da primeira volta é oitavo. Na volta seguinte, os três carros seguem colados e Rega atacou Jody, tendo o sul-africano lhe fechado a porta na cara. Regazzoni trava a fundo e Gilles, numa repetição dos acidentes que teve em Fuji com Peterson e em Long Beach, com o mesmo Regazzoni, “sobe” pelo Williams acima e sobrevoa-o.
O Williams ficou logo ali, mas desta vez Gilles conseguiu continuar até as boxes para trocar a frente destruída. Retornou em ultimo, mas endiabrado e com a faca nos dentes, enceta uma recuperação espectacular que o levou ao 3º lugar na penúltima volta, estando a poucos segundos do segundo classificado, Jacques Lafitte.
Contudo, o ambiente na Ferrari era preocupante: “Ele andou depressa demais, ficou sem gasolina!” gritou Mauro Forghieri, quando viu e ouviu o Ferrari de Gilles a passar na recta da meta. Dito e feito: Gilles desiste a 300 metros da linha de chegada. Jody ganhou, mas Gilles faz a volta mais rápida. “O mínimo que podemos fazer é bater palmas a Villeneuve” disse Forghieri sobre a extraordinária corrida de Gilles.
“Gilles queria ganhar curvas, queria ganhar voltas. Ele não queria realmente ganhar corridas ou campeonatos… era um rapaz inteligente mas na minha opinião ele queria as coisas erradas da competição” disse Scheckter, alguns anos mais tarde.
Em Mónaco, na 5ª feira antes dos treinos, um Scheckter realista também disse: “Não vale a pena discutir este assunto, Gilles é simplesmente mais rápido que eu e ponto final.” Com efeito, nessa sessão Gilles foi mais rápido, mas no Sábado, devido a problemas de tráfico e a uma fuga de óleo que o obrigou a passar grande parte do treino na box, Jody melhorou e Gilles não o conseguiu bater. Assim sendo, os Ferrari ocuparam a 1ª linha da corrida. Depailler, Lauda, Jarier e Lafitte vinham a seguir.
Assim a corrida entre os Ferrari, e fiel ao código de ética assumido, resumiu-se ao arranque. Nesse momento, Jody manteve a liderança enquanto Lauda consegue ultrapassar Gilles que saia do lado “sujo” da pista. Gilles reage e após uma forte pressão que durou duas voltas, ultrapassa o austríaco no final da “recta” da meta em St. Devote. Rapidamente, Gilles apanha Jody e, mais uma vez não o ataca, seguindo-o como uma sombra durante 50 voltas. Infelizmente, problemas de transmissão levaram-no ao abandono. Jody ganhou, seguido de Regazzoni, Reutemann, Watson, Depailler e Mass.
O campeonato a meio da época estava assim:
1º - Scheckter, 30 pts.
2º - Lafitte, 24 pts.
3º - Villeneuve, Reutemann e Depailler, 20 pts.
6º - Andretti, 12 pts.
Amanhã, há mais!
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