quinta-feira, 26 de abril de 2012

Os 75 anos de Jean-Pierre Beltoise

Quando Jean Behra morreu, a 1 de agosto de 1959, Maurice Trintignant apelou para  aparecessem mais talentos franceses no automobilismo, pois tirando ele, não havia mais ninguém. E Behra era a última grande esperança de uma vitória tricolor, pois Trintignant nessa altura já tinha 42 anos, e ele tinha sido o unico a fazer tocar "La Marseillese" por duas vezes, no Mónaco.

Quando foi a vez de Trintignant pendurar de vez o capacete, em 1964, parecia que era o deserto na Formula 1, mas nas categorias inferiores, começava-se a trabalhar nisso, graças a competições como o Volant Shell e o Volant Elf, e depois as iniciativas de marcas como a Matra e a Alpine, que depois será absorvida pela Renault, da mesma forma que tinha feito à Gordini, algum tempo antes.

Todo esse trabalho de base iria ter resultados a partir de meados dos anos 70, e a partir da segunda metade, iriam aparecer pilotos como Francois Cevért, Jean-Pierre Jarier, Jacques Laffite, Patrick Depailler, Didier Pironi, Patrick Tambay, Jacques Laffite, Jean-Pierre Jabouille, entre outros. Mas houve antes disso um piloto que por vezes sozinho, carregou a bandeira francesa nas pistas de corridas, e tornou-se na "grand espoir" do hexágono de vencer corridas, e depois, de vencer o campeonato do mundo: Jean-Pierre Beltoise. Entre 1967 e 1974, a bordo de máquinas da Matra e da BRM, deu o seu melhor e sobreviveu para contar a história.

Começou no inicio dos anos 60 no motociclismo, onde foi várias vezes campeão nacional em 125, 250, 350 e 500cc. Teve um acidente grave em Reims, que deu cabo do seu cotovelo, paralisando-o de uma forma. Beltoise pediu que ficasse de forma a poder conduzir automóveis. Ele decidiu seguir essa vertente em 1966 e cedo teve sucesso na Formula 3 e na Formula 2, aproveitando também o sucesso do programa da Matra. Foi assim que chegou à Formula 1, ainda em 1967, ao lado de outro francês talentoso, Johnny Servoz-Gavin.

Em 1968, a Matra tinha decidido atacar o título mundial, com a ajuda de um antigo lenhador inglês, Ken Tyrrell. Este tinha um piloto talentoso, o escocês Jackie Stewart, e motores Cosworth V8, que se tinham tornado no melhor do pelotão. Tyrrell e Jean-Luc Lagardére, patrão da Matra, combinaram que iriam usar esse motor para Stewart, enquanto que Beltoise ficaria com o motor francês. Dito e feito, e a Matra alcançava o seu título mundial no ano seguinte, com Stewart a dominar essa temporada. Mas no ano seguinte, Tyrrell não usou os motores Matra V12 que a marca queria usar, e seguiu a sua vida, com Stewart atrás.

Assim, Beltoise era o primeiro piloto da marca. Mas o sucesso na Formula 1 sempre fugiu a ele, por vários motivos: sorte, azar, talento da concorrência, os recursos demasiado espalhados na Formula 1 e na Endurance, pois Lagardére queria vencer também as 24 Horas de Le Mans. E tinha muitos bons pilotos, para além de Beltoise: Henri Pescarolo, Gerard Larrousse e os acima citados Jarier e Cevért. 

Entretanto, Beltoise sofrera uma tragédia pessoal, pois tinha perdido a sua primeira mulher em 1966, vitima de um acidente de viação. Conhecera e casara-se com Jacqueline, cujo irmão era um dos seus rivais nas pistas: Francois Cevért. Era curioso ver que as duas grandes esperanças francesas tinham uma ligação familiar a uni-los, e provavelmente uma vitória seria um assunto de família. E isso ficava acima de qualquer rivalidade de pista. 

O seu segundo momento infernal aconteceu em 1971, em Buenos Aires. Os 1000 km locais eram uma forma de comemorar o regresso da Argentina ao automobilismo mundial e tinham chamado muitos e excelentes pilotos. Beltoise estava ali, ao serviço da Matra, e mais ou menos a meio da corrida, o seu carro entra em pane seca. Em vez de abandonar o carro e dar o dia por terminado, decidiu empurrá-lo para as boxes e ver se recuperava alguma coisa. Só que o seu carro estava do outro lado da pista e decidiu atravessá-lo ao empurrão. E o tinha no meio da pista quando apareceu os Ferraris de Mike Parkes e Ignazio Giunti, com este último a bater em cheio no carro do francês, matando-o.

O caso causou rebuliço no meio, com muita gente, incluindo os pilotos, a desejaram que se lhe retirasse a licença de piloto, mas acabou por ver apenas suspensa por três meses. A sua temporada na Matra foi fortemente prejudicada, e a sua estrela empalideceu um pouco. Pior ficou quando o seu cunhado conseguiu aquilo que a França perseguia desde 1958: uma vitória na Formula 1, quando bateu Jackie Stewart na pista americana de Watkins Glen.

Mas após um momento mau, aparece sempre um momento bom. E isso aconteceu quando se transferiu para a BRM em 1972. A equipa estava cheia de dinheiro, graças ao patrocinio da Marlboro, e estava num bom momento, depois de duas vitórias no ano anterior. Esse momento de glória aconteceu num Mónaco debaixo de intensa chuva, onde conseguiu bater a concorrência, dando uma volta de avanço a quase toda a gente, menos o segundo classificado, Jacky Ickx. Fora no mesmo local onde Maurice Trintingnant tinha vencido, 14 anos antes, e claro, estava exultante por, enfim, fazer parte da galeria dos vencedores. E alguns meses depois, fazia parte da festa que a Matra fazia por vencer as 24 Horas de Le Mans, embora ele não pilotasse o carro vencedor.   

O seu terceiro momento infernal na sua carreira aconteceu a 6 de outubro de 1973, quando viu uma coluna de fumo e um carro totalmente destruído na berma de uma curva no circuito americano de Watkins Glen. Ao ver um Tyrrell, pensou que o piloto afetado tinha sido Jackie Stewart, que toda a gente pensava que iria abandonar a competição nessa corrida. Mas quando viu o carro de Stewart e do neozelandês Chris Amon, terceiro piloto da marca, encostados na berma, percebeu que o piloto morto era o seu cunhado. E ele tinha de telefonar para a França, no sentido de dar a má noticia à sua mulher. Pensou seriamente seguir a mesma decisão da Tyrrell, de se retirar para a corrida do dia seguinte, mas decidiu correr na mesma.

A página da Formula 1 fechou-se definitivamente no final de 1975, quando Guy Ligier decidiu desafiá-lo num "shoot out" em Paul Ricard, com o seu compatriota Jacques Laffite. No final do ano anterior, Beltoise decidira sair da BRM e fazer um ano sabático, ajudando Ligier no seu projeto da Formula 1. Desenvolvera arduamente chassis que viria a ser chamado de JS5, na esperança de um regresso aos circuitos em 1976. Contudo, nesse "shoot out", quem sai vencedor deste confronto é Laffite, que não era tão novo assim - seis anos de diferença - e tornou-se piloto titular em 1976. Beltoise seguiu a sua vida, correndo nos Turismos franceses até finais dos anos 80, com muito sucesso, diga-se.

Hoje em dia, goza uma velhice tranquila com Jacqueline, a sua mulher. Os seus filhos Anthony e Julien tentaram a sua sorte no automobilismo, como o seu pai e o seu tio, mas nunca chegaram muito longe. Beltoise aparece em algumas corridas históricas, mas de resto anda um pouco recluso. A sua mais recente aparição pública aconteceu em novembro, quando em Montlehry, foi inaugurada uma rua com o seu nome. Estava em forma e agradeceu a homenagem, pois apesar de ser feita em vida - algo que é sempre pouco habitual - demonstra que não foi esquecido no seu país. 

Ao menos isso. Joyeux Anniversarie, Jean-Pierre Beltoise!

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