Confesso ter um enorme fascinio por Zeltweg, seja qual for o desenho. É claro, o original era bem mais desafiante. Alain Prost disse certo dia que aquele era o circuito perfeito, onde a unica coisa que modificaria era a colocação de áreas de escape maiores e melhores condições de segurança. Fora disso, o traçado era magnifico e hoje em dia poderia se correr facilmente com os carros atuais. Mas hoje em dia, num autódromo pertencente à Red Bull e com o Hermann Tilke a meter o bedelho na pista, apesar de não ter perdido muita da sua velocidade, sente-se que antes era melhor.
Mas deixando as criticais atuais de parte, esta é uma semana interessante, pois por causa do calendário, e num tempo em que se corrida também em agosto, esta era a semana onde nos anos 70 e 80 se corrida o GP da Austria. No bucólico e veloz circuito de Zeltweg, situado no meio do pais, numa região chamada de "Spielberg", que traduzido do alemão significa "vale dos jogos" ou "vale das brincadeiras". E acho que aquele circuito estava na localização mais apropriada, digo eu.
Felizmente, vi algumas corridas em Zeltweg, e sempre me surpreendeu pela sua velocidade. Recordo-me particularmente bem do de 1987, do qual sobre ela escrevi um pouco ontem e escrevei um pouco mais amanhã. É que hoje quero falar sobre a corrida que aconteceu cinco anos antes, em 1982.
Essa corrida, como sabem, acontecera numa temporada que foi tudo menos agradável. Tudo que queriam que não acontecesse, aconteceu: uma greve, um boicote, a morte do piloto mais carismático do pelotão, o canadiano Gilles Villeneuve, e naquela altura, passavam por outro momento dificil, pois uma semana antes, o líder do campeonato, o francês Didier Pironi, tinha tido um grave acidente que o tinha ferido gravemente nas suas pernas, colocando provavelmente um ponto final na sua carreira.
Zeltweg era a primeira corrida depois de Hockenheim e a Ferrari, claro, alinhava com apenas um piloto, o francês Patrick Tambay, que tinha substituido Villeneuve, e que curiosamente, tinha vencido a sua primeira corrida na Formula 1 oito dias antes.
Zeltweg era uma pista por eleição dos Turbo, como Hockenheim e Monza. Nelson Piquet e Riccardo Patrese fcaram naturalmente com a primeira fila da grelha, e os cinco primeiros eram carros propulsionados com motores V6 turbocomprimidos. Mas para quem consulta hoje a tabela de tempos ficaria chocado ao ver que, por exemplo, a regra dos 107 por cento existisse, apenas 21 carros teriam entrado. E outros seis ficariam em perigo. E a diferença de Piquet para o sétimo classificado, o Lotus de Elio de Angelis, era de quatro segundos. Incrível a potência dos turbos em altitude, não acham?
Mas o mais engraçado é que aquilo que se tornou icónico naquela tarde de há trinta anos aconteceu com dois carros de motor Cosworth, e só aconteceu a quatro voltas do fim, quando um carro com motor Turbo deu o seu último suspiro, que foi o Renault de Alain Prost. Para quem viu - e pode ver hoje em dia essas imagens graças ao Youtube - aquelas chamas da traseira do carro francês significavam o que era aquela temporada: os motores Turbo podiam ser os mais potentes, mas eram os mais frágeis. E apesar de os motores Cosworth DFV estarem a tornar-se cada vez mais obsoletos - nessa corrida, as diferenças chegaram a ser de sete segundos na qualificação! - eram sempre os últimos a rir. Como aqui.
Assim sendo, aquelas quatro voltas finais foram vividas numa crescente tensão. Rosberg estava determinado a vencer, pois os pontos eram importantes para a luta pelo título, ainda mais que o seu rival, Didier Pironi, estava numa cama de hospital. Ambos os pilotos nunca tinham vencido na Formula 1, e tinham sentimentos diferentes naquele momento: um não queria largar a oportunidade, o outro queria mesmo vencer, pois assim podia alcançar o título mundial, inédito para ele, inédito para a Finlândia das classificativas, dos ralis, dos Markku Alen, Hannu Mikkola e Ari Vatanen.
A tensão aumentava, e quem assistia à transmissão televisiva daquele 15 de agosto de 1982 reparava em dois estilos distintos, antagónicos. De Angelis, de condução limpa e calma, em contraste com o veloz, agressivo e lutador Rosberg. Até pareciam que tinham nascido em latitudes erradas, pois o educado De Angelis era italiano e Rosberg era um bruto finlandês nascido na Suécia. Os estereótipos estavam decisivamente trocados naquela altura... mas eles eram assim.
Todos prenderam a respiração até à meta. Acredito que muitos devem ter ficado "azuis" por terem retido a respiração por tanto tempo, até que ambos os carros atravessaram a meta, lado a lado, como já não viam há muito tempo, especialmente desde que em Monza tinham decidido instalar umas chicanes para cortarem com a velocidade média do circuito, e que tinha colocado cinco carros lado a lado na prova de 1971. Onze anos depois, estavam a ver a mesma coisa. Mas eram dois carros, e ambos tinham motores Cosworth.
E em dois "virgens", o batismo calhou ao jovem romano. De Angelis foi o vencedor por meros 0,050 segundos. Um grande final de corrida.
Acredito que Keke Rosberg tenha ficado frustrado com o resultado. Tinha feito tudo para vencer, especialmente porque sabia que, apesar de Pironi estar na cama do hospital e provavelmente não mais aceleraria num carro de Formula 1, tinha outros candidatos ao título, especialmente o irlandês John Watson, no seu McLaren. E "Wattie" tinha algo que o finlandês não tinha: vitórias. Ele tinha vencido em Zolder, no fim de semana da morte de Gilles Villeneuve, e tinha vencido em Detroit. Era veloz, tinha fartado de mostrar essa velocidade, e era lutador, como poucos tinham sido. Tendo essa garra e determinação, e com aquele "bigode à viking", ele sabia que merecia uma vitória.
E tinha de ser. Queria aproveitar a oportunidade concedida no inicio daquele ano, depois de uma temporada frustrante na Fittipaldi. Tinha começado como segundo piloto de uma Williams aparentemente em transição entre Alan Jones e Carlos Reutemann, para um eventual futuro com motores Turbo, parecia uma "caçada aos gambuzinos" em busca de uma vitória que sempre lhe fugia.
Para Elio de Angelis, deve ter sido o seu grande dia. Aquele em que demonstrou que a sua juventude e a sua confiança tinha sido provada. Ele, que em 1979, aos 21 anos, estava num carro de Formula 1, na decadente Shadow, querendo provar que apesar da juventude, era veloz. E no ano seguinte, surpreendeu ainda mais gente quando Colin Chapman o escolheu para titular, ao lado do veterano Mário Andretti. A diferença entre ambos os pilotos, para ficarem com uma ideia, era de 18 anos. Bem poderiam ser pai e filho. E a escolha foi acertada: em Interlagos, acabou a corrida no segundo lugar, e ele ainda nem tinha completado 22 anos...
Quanto ao construtor vencedor, provavelmente Colin Chapman deve ter visto aquele momento como um sinal de que o futuro iria ser fabuloso. Tinha assinado um acordo naquele final de semana com a Renault para o fornecimento de motores Turbo a partir de 1983. Ele sabia que tinha de os ter, se queria estar na linha da frente. E aquela vitória tinha sido um raro raio de sol em tempos conturbados. 1978 já era um pensamento distante, as polémicas com o Lotus 88 de chassis duplo, no ano anterior e a controversa associação com David Thiemme tinham-no envelhecido bastante.
Chapman, apesar de ter "apenas" 54 anos, parecia que tinha mais vinte. E tinha uma ideia para aqueles motores, uma daquelas ideias que somente vindo de uma mente genial como a dele é que poderia elaborar: uma suspensão ativa, um dispositivo eletrónico do qual o carro acompanhava as irregularidades do solo, do qual o carro seria mais eficaz. Achava que assim, teria uma vantagem em relação à concorrência. Ele queria voltar ao de cima na Formula 1, e precisava disso.
Só que por aqueles dias, o caso De Lorean começava a explodir nas suas mãos. Ele, que estava envolvido até à medula com o esquema, especialmente na parte dos pagamentos "debaixo da mesa" do qual já se começava a investigar. E a De Lorean tinha pedido - e conseguido - apoios do governo conservador britânico para construir uma fábrica em Belfast, numa Irlanda do Norte agitada pelos "Troubles", a violência sectária entre católicos e protestantes. Em dezembro daquele ano, a fábrica fechou, e Thatcher queria o dinheiro de volta.
Aquele gesto de Chapman, de elevar o chapéu em caso de vitória, tão tipico dele, e que muitos esperaram quatro anos para ver de novo, mal sabiam que estavam a assistir tudo pela a última vez. Algum tempo depois, na madrugada de 14 de dezembro, após ter assistido a uma reunião da FIA em Paris, já com o escândalo De Lorean em toda a sua plenitude, Chapman estava morto, vítima de um ataque cardíaco enquanto dormia. Algumas horas depois, iriam experimentar num chassis a ideia da suspensão ativa.
Sem comentários:
Enviar um comentário