Quando era criança e comecei a gostar de Formula 1, uma das coisas que costumava fazer era de conseguir identificar o máximo de capacetes numa determinada foto. Num bom dia, até conseguia identificar, lá bem no fundo, o capacete de um Pierluigi Martini, no seu Minardi, ou de Phillipe Alliot, no seu Larrousse. Lembro-te até, em 1991, de uma revista ter feito, quando fizeram um especial sobre o GP de Portugal, terem perguntado aos pilotos o que significavam os desenhos nos seus capacetes, e eles contavam em poucas linhas a razão porque escolheram este ou aquele desenho, estas ou aquelas cores. Muitas delas tinham a ver com orgulho nacional, razões ou gostos pessoais, tributos a outros pilotos e muitas vezes eram eles mesmos que tinham feito o desenho, mostrando ao desenhador para este o aprimorar.
Isto era assim até ao inicio deste século. Hoje em dia, as coisas estão totalmente diferentes. Os pilotos de agora acham que a sua identidade é... mudar de desenho todos os Grandes Prémios. Este fim de semana, no Mónaco, eu vi pelo menos dez pilotos a mudarem de desenho só para esta corrida. Uns, para homenagear o local onde irão correr. Outros, por motivos absolutamente egoisticos, como o Lewis Hamilton. E um terceiro grupo resolveu homenagear pilotos do passado, como Kimi Raikkonen (sempre admirador de James Hunt) ou Jean-Eric Vergne, que desenhou um capacete em tributo a Francois Cevért, morto há 40 anos.
Francamente, tou a ficar velho, mas acho que esta tendência é idiota. Não aprovo, pois isso significa um espelho desta geração. Parece que não têm referências, não têm identidade. O desenho de um piloto, mais do que identificar ao espectador que está a ver a corrida nas bancadas ou em casa, significa também quem é e de onde vêm e porque escolheu aquele padrão de cores. Lembro de Mark Blundell ter escrito "Will to Win" no seu capacete e as suas iniciais na frente, apenas para colocar em cima quando os patrocinadores o pediram. Curiosamente, isso deu origem a uma tendência e alguns pilotos seguiram-na ao longo da década de 90 e inicio deste século.
Curiosamente, o primeiro piloto que lembro de fazer esta transformação de "mudar de cores como quem muda de cueca" foi um piloto de motociclismo, Valentino Rossi. Ele pode ter mudado imenso de cores, mas nunca deixou de abdicar do seu desenho. Como cada geração é influenciado por alguém, custa-me a crer que pilotos de Formula 1, que têm quatro rodas, tenham sido influenciados por alguém que andou toda a sua carreira em dias rodas. Se assim for, provavelmente é mais um sinal de que a Formula 1, apesar de todo o dinheiro em caixa e de todo o glamour, perdeu o seu carisma e deixou de ter modelos (no sentido de estar na vida) para a juventude.
Eu não sei como vai ser no futuro. Como é que um dia, quando olhar para uma foto de uma grelha de 2013, vou identificar os pilotos? Andarei com um catálogo na mão, intitulado "Todos os capacetes que Sebastian Vettel usou na Formula 1?" Andarei com outro livro a tentar ver qual foi o desenho que Lewis Hamilton usou no GP da India de 2014? Que identidade é que estes dois pilotos irão deixar nas suas carreiras, para a geração futura, para além das vitórias e títulos? Que geração será esta no futuro, que muitos afirmam ser uma "geração dourada". Até pode ser, mas outros irão provavelmente dizer que foi "a geração dos capacetes de quinze dias"...
Felizmente, nem toda a gente muda de cor de quinze em quinze dias. Jenson Button, Mark Webber, Felipe Massa e Nico Rosberg são alguns dos pilotos que mantêm as suas cores ao longo do ano, e com algumas modificações, ao longo da sua carreira. Mas parece que são cada vez mais uma minoria e eles estão cada vez mais velhos. Até prova em contrário, são muito poucos os jovens que andam a manter o desenho dos seus capacetes ao longo da sua carreira.
2 comentários:
ai mas essa coisa da variação dos desenhos nos capacetes é reflexo dessa idéia de identidade liquida contemporânea. assim como hoje (quase) nada se fixa(olha o face pedindo a cada 5min pra ser atualizado; ~fazer carreira~ por anos num emprego só é considerado sinal de fracasso, as reportagens na tv são cd vez mais rasas e breves) as identidades dos pilotos variam. a fluidez é estimulada em todos em espaços. e os pilotos seguem essa noção. não tou dizendo que concordo com essa variação imensa dos capacetes (até pq eu me confundo na hora de identificá-los) mas a coisa vai além da F1 e, mais uma vez, temos o esporte como um espaço de representação de um milhão de coisas que se dão ao redor dele (eita escrever isso me fez lembrar pq mesmo eu qro/qria estudar esporte)
Alguns pilotos por exemplo, para diferenciar precisa do capacete do outro.
Eu só descubro que é o Vettel quando vejo que não é o capacete do Webber.
Infelizmente, capacete com identidade está em extinção na F1, onde a nova moda são bandeiras estilizadas e muito grafiti.
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