segunda-feira, 24 de março de 2014

O pioneiro do dia - Jules Albert, Conde de Dion

Pioneiro, polémico e curioso. Provavelmente, poderemos dizer com certeza que foi o primeiro piloto de automóveis, e ajudou imenso para a sua divulgação nos seus primeiros tempos. Mas o que poucos sabem que este entusiasta da mecânica, para além de ter sido o fundador do Automobile Club de France, foi que “ajudou” a organizar a Volta a França por causa da mais famosa polémica do final do século XIX em terras francesas: o caso Dreyfuss.

No seguimento do meu trabalho sobre os pioneiros do automobilismo, apresento a primeira biografia das personagens que ajudaram a moldar os automóveis e o automobilismo como conhecemos: o Conde Jules-Albert De Dion.

Nascido a 9 de março de 1856, em Nantes, Jules-Albert de Dion interessou-se pela mecânica na sua juventude, aprendendo a construir motores a vapor. Em 1881, aos 25 anos, viu um carro a vapor exposto numa loja e quis saber mãos pormenores. A máquina tinha sido construída por dois homens: Georges Bouton, um engenheiro que construía brinquedos científicos e o seu cunhado Georges Trépardoux, que para além de ajudar Bouton, sonhava em construir um carro a vapor. Os três conheceram-se e De Dion decidiu investir a sua fortuna no projeto de ambos.

Dois anos depois, em 1883, os esforços dos três fizeram nascer a De Dion-Bouton, com o objetivo de construir motores a vapor para navios. Contudo, logo em 1884, estão a construir motores a vapor para carros. O sucesso é grande, e De Dion pensa em formas de comercializar os seus carros a vapor. E De Dion é um “Sportsman” consumado, especialmente quando se envolve em picardias politicas. Ele é temido por ser um exímio esgrimista, principalmente quando desafiava alguém para um duelo…

De Dion está ligado ao automóvel desde a primeira hora, e quer aproveitar todas as oportunidades para o publicitar. Quando em 1887, o “Le Velocipéde Ilustrée” decide fazer uma corrida de automóveis, De Dion torna-se no único a aparecer na corrida, mas ele conseguiu completar o percurso determinado num carro a vapor com o seu nome.

Nos anos seguintes, os carros De Dion são comercializados e ganham reputação por serem fiáveis e duradoiros, mas as desavenças entre os sócios começam a aparecer apareceram. De Dion e Bouton tinham plena consciência de que os motores de combustão interna eram o futuro do automóvel, mas Trepardoux acha que os motores a vapor serão mais úteis. Assim sendo, este último demite-se da empresa no inicio de 1894, não sem antes inventar um tipo de suspensão não independente, mas fléxivel, que fica com o nome da marca.

Quando no inicio desse ano, o “Le Petit Journal” decidiu organizar uma corrida (mais uma exibição de automóveis do que uma competição pura) entre Paris e Rouen, De Dion decide inscrever um dos seus carro a vapor, no sentido de promover o seu automóvel e de se ver em relação à concorrência. De Dion dominou a corrida, mas os juízes do jornal decidiram que o carro tinha um sistema de alimentação do qual era necessária a presença de um fogareiro, e só lhe deram o segundo prémio.

Contudo, apesar desta contrariedade, o seu entusiasmo pelos automóveis não diminuiu. No ano seguinte, participa e ajuda a elaborar os regulamentos da corrida Paris-Bordéus-Paris, e inscreve um dos seus carros a vapor. Apesar de ter liderado a corrida por algum tempo, acabou por desistir. A 12 de novembro de 1895, vai ser na sua casa que ele, mais o diretor do Le Petit Journal, Pierre Giffard, bem como pilotos e construtores como o Conde de Gasteloup Chaubat e Émile Levassoir, vão ajudar a criar o Automobile Club de France (ACF)

Em 1896, ele participa na corrida entre Paris-Marselha-Paris, a bordo de um carro a vapor com o seu nome, mas cedo abandona a corrida quando os pneus não aguentam o peso e o ritmo do seu automóvel. Dois anos mais tarde, enquanto continua a participar em corridas, ajuda também a fundar o Mondial De L’Automobile, o embrião do atual Salão Automóvel de Paris, a primeira do mundo.

Mas para além do automobilismo, De Dion participa ativamente na politica. Monárquico, católico integralista, e defensor da união do Estado e da Igreja, colocou-se do lado anti-Dreyfuss, um oficial francês de origem judaica, acusado de passar segredos militares aos alemães. O caso começa em 1894, e divide a França entre aqueles que acreditam que o capitão Alfred Dreyfuss está inocente e foi um bode expiatório, por ser de origem judaica, e os que acham que, de facto, Dreyfuss era um traidor.

Por esses tempos, De Dion é um ardente defensor da sua posição, e não hesita em atacar os que lhe são contra. Até o então presidente da República, Émile Loubet, é vitima da ira de De Dion! Em 1899, durante uma corrida de cavalos no hipódromo de Auteuil, De Dion e Loubet trocam um acalorado debate sobre o caso que termina com De Dion a daer bengaladas em Loubét. O resultado final é uma multa de cem francos e 15 dias de prisão, por agressão.

O caso mereceu críticas duras por parte do seu amigo Pierre Giffard no seu novo jornal, o “Le Velo” (A Bicicleta). De Dion ficou enfurecido com esta “traição” que decidiu retirar o financiamento e a publicidade ao seu jornal. Pouco tempo depois, já em 1900, De Dion e um grupo de amigos endinheirados como Adolph Clement e Edouard Michelin, todos eles “anti-Dreyfusianos”, decidem fundar um jornal que fosse rival do “Le Velo”. Chamaram-lhe “Le Auto-Velo”, de início, mas depois de um problema legal, decidiram chamá-lo apenas de “Le Auto” e decidiram que iriam publicar sobre papel amarelo. As vendas não eram animadoras, e o seu primeiro diretor, Henri Desgrange, iria ter depois a ideia salvadora: fazer uma grande volta ciclística por toda a França, concretizada em 1903 com o “Tour de France”. O “Le Auto” acabaria depois por ser o atual “L’Équipe”.

Em 1903, sucede ao seu pai e transforma-se em “Jules-Albert, Marquês de Dion.” E também por essa altura, a De Dion-Bouton era uma das marcas mais vendidas do mundo, com 400 exemplares fabricados por ano, e já há muito se tinham convertido para os motores a gasolina. No ano seguinte, já tinha subido para dois mil carros, todos feitos à mão por cerca de 1300 operários. E em 1912, era a primeira companhia do mundo a fazer um motor V8 comercializável.

Contudo, depois da I Guerra Mundial, De Dion desinteressou-se da sua companhia a favor da politica. Desde 1902 que era deputado à Assembleia Nacional pelo Loire-Inferieure. Alinhava pela extrema-direita católica e não tinha deixado de expressar as suas opiniões anti-Dreyfusianas. Em 1923 passou a Senador, mas em 1940, aos 84 anos, dá nas vistas quando, em Vichy, após a debandada do governo com a invasão alemã, decidiu abster-se na votação de 10 de julho, onde foram concedidos plenos poderes ao Marechal Philippe Pétain. E apelou depois à resistência contra o invasor alemão.


O Marquês de Dion acabaria por morrer a 19 de agosto de 1946 em Paris, aos 90 anos. O seu corpo foi sepultado no cemitério de Montparnasse, enquanto que existe uma placa memorial no túmulo da família, no Pas-de-Calais. 

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