Pioneiro, polémico e curioso.
Provavelmente, poderemos dizer com certeza que foi o primeiro piloto de
automóveis, e ajudou imenso para a sua divulgação nos seus primeiros tempos.
Mas o que poucos sabem que este entusiasta da mecânica, para além de ter sido o
fundador do Automobile Club de France, foi que “ajudou” a organizar a Volta a
França por causa da mais famosa polémica do final do século XIX em terras
francesas: o caso Dreyfuss.
No seguimento do meu trabalho sobre
os pioneiros do automobilismo, apresento a primeira biografia das personagens
que ajudaram a moldar os automóveis e o automobilismo como conhecemos: o Conde
Jules-Albert De Dion.
Nascido a 9 de março de 1856, em Nantes, Jules-Albert de
Dion interessou-se pela mecânica na sua juventude, aprendendo a construir
motores a vapor. Em 1881, aos 25 anos, viu um carro a vapor exposto numa loja e
quis saber mãos pormenores. A máquina tinha sido construída por dois homens: Georges Bouton, um engenheiro
que construía brinquedos científicos e o seu cunhado Georges Trépardoux, que para
além de ajudar Bouton, sonhava em construir um carro a vapor. Os três
conheceram-se e De Dion decidiu investir a sua fortuna no projeto de ambos.
Dois anos depois, em 1883, os esforços dos três fizeram
nascer a De Dion-Bouton, com o objetivo de construir motores a vapor para
navios. Contudo, logo em 1884, estão a construir motores a vapor para carros. O
sucesso é grande, e De Dion pensa em formas de comercializar os seus carros a
vapor. E De Dion é um “Sportsman” consumado, especialmente quando se envolve em
picardias politicas. Ele é temido por ser um exímio esgrimista, principalmente
quando desafiava alguém para um duelo…
De Dion está ligado ao automóvel desde a primeira hora, e quer
aproveitar todas as oportunidades para o publicitar. Quando em 1887, o “Le
Velocipéde Ilustrée” decide fazer uma corrida de automóveis, De Dion torna-se no
único a aparecer na corrida, mas ele conseguiu completar o percurso determinado
num carro a vapor com o seu nome.
Nos anos seguintes, os carros De Dion são comercializados e
ganham reputação por serem fiáveis e duradoiros, mas as desavenças entre os
sócios começam a aparecer apareceram. De Dion e Bouton tinham plena consciência
de que os motores de combustão interna eram o futuro do automóvel, mas
Trepardoux acha que os motores a vapor serão mais úteis. Assim sendo, este
último demite-se da empresa no inicio de 1894, não sem antes inventar um tipo
de suspensão não independente, mas fléxivel, que fica com o nome da marca.
Quando no inicio desse ano, o “Le
Petit Journal” decidiu organizar uma corrida (mais uma exibição de automóveis do que uma competição pura)
entre Paris e Rouen, De Dion decide inscrever um dos seus carro a vapor, no
sentido de promover o seu automóvel e de se ver em relação à concorrência. De
Dion dominou a corrida, mas os juízes do jornal decidiram que o carro tinha um
sistema de alimentação do qual era necessária a presença de um fogareiro, e só
lhe deram o segundo prémio.
Contudo, apesar desta
contrariedade, o seu entusiasmo pelos automóveis não diminuiu. No ano seguinte,
participa e ajuda a elaborar os regulamentos da corrida Paris-Bordéus-Paris, e
inscreve um dos seus carros a vapor. Apesar de ter liderado a corrida por algum
tempo, acabou por desistir. A 12 de novembro de 1895, vai ser na sua casa que
ele, mais o diretor do Le Petit Journal, Pierre Giffard, bem como pilotos e
construtores como o Conde de Gasteloup Chaubat e Émile Levassoir, vão ajudar a
criar o Automobile Club de France (ACF)
Em 1896, ele participa na corrida
entre Paris-Marselha-Paris, a bordo de um carro a vapor com o seu nome, mas
cedo abandona a corrida quando os pneus não aguentam o peso e o ritmo do seu
automóvel. Dois anos mais tarde, enquanto continua a participar em corridas,
ajuda também a fundar o Mondial De L’Automobile, o embrião do atual Salão
Automóvel de Paris, a primeira do mundo.
Mas para além do automobilismo,
De Dion participa ativamente na politica. Monárquico, católico integralista, e
defensor da união do Estado e da Igreja, colocou-se do lado anti-Dreyfuss, um
oficial francês de origem judaica, acusado de passar segredos militares aos
alemães. O caso começa em 1894, e divide a França entre aqueles que acreditam
que o capitão Alfred Dreyfuss está inocente e foi um bode expiatório, por ser
de origem judaica, e os que acham que, de facto, Dreyfuss era um traidor.
Por esses tempos, De Dion é um
ardente defensor da sua posição, e não hesita em atacar os que lhe são contra.
Até o então presidente da República, Émile Loubet, é vitima da ira de De Dion! Em
1899, durante uma corrida de cavalos no hipódromo de Auteuil, De Dion e Loubet
trocam um acalorado debate sobre o caso que termina com De Dion a daer
bengaladas em Loubét. O resultado final é uma multa de cem francos e 15 dias de
prisão, por agressão.
O caso mereceu críticas duras por
parte do seu amigo Pierre Giffard no seu novo jornal, o “Le Velo” (A
Bicicleta). De Dion ficou enfurecido com esta “traição” que decidiu retirar o
financiamento e a publicidade ao seu jornal. Pouco tempo depois, já em 1900, De
Dion e um grupo de amigos endinheirados como Adolph Clement e Edouard Michelin,
todos eles “anti-Dreyfusianos”, decidem fundar um jornal que fosse rival do “Le
Velo”. Chamaram-lhe “Le Auto-Velo”, de início, mas depois de um problema legal,
decidiram chamá-lo apenas de “Le Auto” e decidiram que iriam publicar sobre
papel amarelo. As vendas não eram animadoras, e o seu primeiro diretor, Henri Desgrange, iria ter depois a
ideia salvadora: fazer uma grande volta ciclística por toda a França,
concretizada em 1903 com o “Tour de France”. O “Le Auto” acabaria depois por
ser o atual “L’Équipe”.
Em 1903, sucede ao seu pai e
transforma-se em “Jules-Albert, Marquês de Dion.” E também por essa altura, a
De Dion-Bouton era uma das marcas mais vendidas do mundo, com 400 exemplares
fabricados por ano, e já há muito se tinham convertido para os motores a
gasolina. No ano seguinte, já tinha subido para dois mil carros, todos feitos à
mão por cerca de 1300 operários. E em 1912, era a primeira companhia do mundo a
fazer um motor V8 comercializável.
Contudo, depois da I Guerra
Mundial, De Dion desinteressou-se da sua companhia a favor da politica. Desde
1902 que era deputado à Assembleia Nacional pelo Loire-Inferieure. Alinhava
pela extrema-direita católica e não tinha deixado de expressar as suas opiniões
anti-Dreyfusianas. Em 1923 passou a Senador, mas em 1940, aos 84 anos, dá nas
vistas quando, em Vichy, após a debandada do governo com a invasão alemã,
decidiu abster-se na votação de 10 de julho, onde foram concedidos plenos
poderes ao Marechal Philippe Pétain. E apelou depois à resistência contra o
invasor alemão.
O Marquês de Dion acabaria por
morrer a 19 de agosto de 1946 em Paris, aos 90 anos. O seu corpo foi sepultado
no cemitério de Montparnasse, enquanto que existe uma placa memorial no túmulo
da família, no Pas-de-Calais.
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