quinta-feira, 27 de março de 2014

Motores: uma discussão já que roça a palhaçada

Nunca falei aqui sobre o ruído dos motores porque, até agora, achei este assunto uma perigosa distração de outros assuntos bem mais pertinentes e do qual a Formula 1 terá de lidar num futuro próximo, um deles será a sucessão de Bernie Ecclestone. Contudo, esta quinta-feira, cheguei a um ponto de saturação sobre este caso quando vi as declarações do Sebastian Vettel, quatro vezes campeão do mundo, sobre este assunto, dizendo as coisas de uma forma brutal.

"É uma merda", começou por dizer o tetracampeão alemão, no paddock de Sepang. "Eu estava no muro das boxes durante a corrida e lá estava mais silencioso do que em um bar. Acho que para os fãs essa mudança não foi ótima. Creio que uma das coisas mais espetaculares da Formula 1 é o som dos carros, uma das coisas mais importantes. Eu me lembro, embora não tanto porque só tinha seis anos, que quando fui ver os treinos livres na Alemanha a única coisa que ficou foi o som. Eu lembro que o barulho era muito alto, dava para sentir o chão vibrar. É uma pena que não tenhamos mais isso", concluiu.

Com todo o devido respeito, as declarações do Vettel, mais do que pura propaganda para os ouvidos do Bernie, roçam a total palhaçada. E é isso que já acho de toda esta história do ruido dos motores: uma palhaçada total. Se o Vettel não gosta do ruido da coisa, sabe onde fica a porta de saída, não sabe? E também ele sabe - ou deveria saber - que isto foi acordado no passado (em meados de 2011, com o acordo de todos, incluindo Bernie Ecclestone!), e as suas declarações na minha opinião, constituem uma grave ofensa para todos os engenheiros que trabalharam, dia e noite, para construir e desenvolver estes motores.

E também é ofensivo para os construtores, que investiram centenas de milhões de euros nesta tecnologia, só porque não gostam do ruido que soam. Gosto muito do Vettel, sou fã e defendi-o em situações como o do "Multi 21", no ano passado, contra Mark Webber, mas desta vez, e com todo o devido respeito, as suas declarações são de uma pura idiotice. E só por dizer isto, deve um pedido de desculpas aos engenheiros e às marcas que dedicaram todos o seu tempo e o seu dinheiro para isto. Pare de resmungar e de ouvir o Bernie Ecclestone e os seus patrões, e comece a dedicar-se mais tempo ao seu carro, que você neste momento está bem atrás na luta pelo título.

Felizmente, Jenson Button respondeu a esta questão como deveria de ser, quer a Vettel, quer aos críticos do ruído: “Se você não está feliz, vá correr noutra categoria”, começou por afirmar. “Como pilotos, nós não temos uma opinião sobre onde os carros estão em termos de som e sensação. Quando você cruza a meta em primeiro lugar, você venceu um Grande Prémio. Você não quer saber para como o carro soa ou como ele parece. Você bateu os melhores do mundo, e isso é tudo com que você se importa", concluiu.

Contudo, se só hoje falo sobre este assunto, por causa do que o Vettel disse - e do qual perdeu uma oportunidade para estar calado - não sou virgem nestas coisas. Há uns dias, escrevi sobre isto para o Nobres do Grid, e apesar de só daqui a uns dias isso ser publicado, decidi, dadas as circunstâncias, antecipar as coisas.

"A diferença é "gritante"? Claro que é. Mas acho muito estranho, sabem? Sabia-se há muito tempo que estes iriam ser os motores a partir de 2014, e desde o final do ano que os sons desses motores foram divulgados ao público pelas marcas. Mas francamente, nunca vi tamanho "amor" pelos roncos dos V8 como agora. Sabem porque digo isso? Porque quando esses mesmos motores V8 foram introduzidos, em 2006, não foram recebidos de braços abertos. Bem pelo contrário: houve muitos que disseram que "era o fim da Formula 1". Como sabem, ela sobreviveu e prosperou. É por isso que digo que tudo isto é estéril, e só ajudam à propaganda de Bernie Ecclestone, que está a apontar baterias a Jean Todt, numa crescente guerra surda entre ambos, pelo motivo do costume: dinheiro.

E já agora, quem cresceu ou viveu nos anos 80, quando os motores Turbo de 1.5 litros lideravam o pelotão? Francamente, como sou daqueles que cresci a ouvir esses motores, não me recordo de ler ou ouvir em lado algum queixas sobre o ronco dos motores ou pessoas a afirmarem ser "anti-Turbo". Excepto aquele anão.

Querem um exemplo? Uma entrevista feita em... fevereiro de 1977 à revista brasileira Quatro Rodas. No meio da entrevista, o jornalista Roberto Ferreira faz uma pergunta sobre os motores turbo, e ele responde da seguinte forma:

QR – Como vê a entrada dos motores turbo na Fórmula 1?

BE – Não será possível admitir motores turbo na Fórmula 1, porque teríamos que fazer uma modificação total nos regulamentos, utilizar outro tipo de combustível, mais complicado. E, por favor, acredite-me, não há possibilidades. A utilização do motor turbo nos protótipos é diferente, porque tem outro coeficiente de cilindrada 2.200cc com turbo para elevar para 3.000, enquanto que na Fórmula 1 os motores turbo têm que se ter apenas 1.500cc. Fui assistir a uma competição com carros turbo e a diferença de potência entre eles é muito grande, não havendo competitividade. A Porsche tentou uma vez utilizar um motor turbo e não deu certo. Acredito que não temos nada mais avançado que os atuais motores da Fórmula 1.

Conhecem o resto da história, não conhecem? A Renault introduziu o motor em julho de 1977 e dois anos mais tarde, vencia corridas. E no inicio de 1982, um ano depois da Ferrari ter colocado um motor Turbo no seu carro (Enzo Ferrari podia já estar velho, mas nunca foi parvo), Ecclestone colocava motores BMW Turbo no seus Brabham, dois anos depois de um acordo assinado com a montadora alemã. Como podem ver, o anão de burro, não tem nada."

No final, eu quero dizer isto. Desculpem lá a linguagem usada por aqui, mas em muitos aspectos é um desabafo. Desabafo porque vocês são facilmente manipulados pelos "soundbytes" de um qualquer fazedor de opinião. De vocês, cuja memória distante fica muitas vezes esquecida, e já não se lembram que isto já aconteceu no passado. E também de muitos de vocês, que têm uma maneira de ser "nazista" em termos de ruido, do tipo de motores que a Formula 1 ou outras categorias deveriam ter, e até do aspecto que os carros devem ter! Eu sou daqueles que acreditam plenamente na velha frase do Commendatore Enzo: "Carro bom é aquele que vence corridas". Com ou sem barulho.

É certo que escrevo sobre o passado, mas não vivo nele. Contudo, muitos de vocês vivem do passado. Francamente, quer queiram, quer não, este é o futuro. Os carros terão crescentemente o ruido de "aspiradores" ou de "cortadores de relva", isto é, quando terão barulho. Porque os carros elétricos, quer queiram, quer não, vieram para ficar, e nos próximos anos ganharão um espaço cada vez maior quer no dia-a-dia, quer no automobilismo. Parem de choramingar a habituem-se ao futuro. Os roncos ruidosos irão de vez para os museus e para as corridas históricas. Daqui a duas gerações, os vossos netos olharão para tudo isto e dirão coisas como "estes tipos eram ridículos", "que discussão ridícula" ou então "como é que eram contra coisas como estas, que nós damos por garantidos no dia-a-dia?"

Parabéns: não vos congratulo por estarem a ser manipulados, mas porque gostam de ser manipulados. E caro Vettel: pare de ouvir o Bernie Ecclestone e os seus patrões e dedique-se a desenvolver o seu carro, ele que está bem atrás na luta pelo título. Como disse atrás, Vettel perdeu hoje uma oportunidade de ouro para ficar calado.

5 comentários:

Bino disse...

Eu concordo com o Vettel sem saber o que o Bernie pensa sobre o assunto. Não gosto do som dos turbos.
Eu preferia o som dos motores com saída de escape directa era mais puro, agora com os gazes a serem canalizados pelo colector para a turbina do turbo é natural que o som seja abafado e reduzido. Sem falar que as rotações são inferiores. Estamos a falar de motores a explosão, portanto é normal que haja barulho e quanto mais melhor não fosse a F1 o melhor que há em termos de competição motorizada com esse tipo de motor. Quando estes motores forem reduzidos ao mínimo enquanto a componente electrica for aumentando até chegar ao ponto de se inverterem os papeis, o electrico ficar e o "explosivo" ser eliminado. Aí concordo, que olharemos para trás e acharemos estranho o ruído que os carros faziam... mas até lá acho que a F1 não deveria ser como outras categorias inferiores, porque se formos apenas pela lógica do "importante é ganhar seja lá qual for o carro", então deixem de investir em tantas categorias e participe-se apenas noutras mais baratas. Para quê ter uma categoria de elite se afinal não o é?

Anselmo Coyote disse...

Como dizemos por aqui, na terra brasilis, é puro mimimi do Vettel porquê não fez a pole nem ganhou a corrida andando de 1,5 a 3s mais rápido do que os demais. E, pior, ainda foi obrigado a ver o Ricciardo esfregar na cara dele o que todo mundo sabe: com carro bom (ainda que ilegal) não é preciso ser gênio para andar na frente e ganhar com os pés nas costas.
Abs.

Tortugo disse...

Querem saber? Bem vindo motores menos barulhentos! Voltei a ouvir o som dos pneus!!!
Serei eu um herético ao pensar que carros de competição deveriam ser mais silenciosos em vez de barulhentos? Será o barulho sinônimo de desempenho?
Queria ver se em vez de motores turbo, sistemas híbridos e outros quetais, tivessem sido instituídos SILENCIOSOS e CONVERSORES CATALÍTICOS nos sistemas de escape, medindo-se os decibéis máximos. Quem ultrapassasse os limites sonoros ou de poluição estaria sumariamente desclassificado. Sem grandes investimentos, isso poderia simplesmente limitar o desempenho e estar mais alinhado com o futuro ecológico da categoria. Não se iludam, isso não vai demorar tanto a acontecer.
Mas por hora, isso não iria funcionar, a grita seria muito maior.

Daniel "Tortugo" Margotti
Cuiabá, MT, Brasil.

João Carlos Viana disse...

Quando o Vettel ganhar, o som do V6 lhe parecerá como música1

Unknown disse...

O som e o aspecto do automóvel no desporto motorizado são dois dos factores essenciais para a atracção do público.
Os v8 não eram os v12, nem os v10 mas continuavam a ser o expoente máximo do desporto automóvel.
Os novos F1 não são o expoente máximo do desporto automóvel, quer ao nível de visual, quer ao nível sonoro.
Um carro de competição, é como um cantor. Afónico não serve.