No jornalismo, há uma frase que se usa muito: "Good news is no news". Quando estava mais ativo nas redações, especialmente quando aconteciam desgraças, ouvia muitas queixas de pessoal que nos viam por ali, a dizer algo do género: "porque é que não aparecem quando acontecem coisas boas?". As pessoas não sabem que, se aparecemos para as coisas boas, é publicidade, se aparecemos para as coisas más, é noticia. E os jornalistas não são (mal) pagos para fazerem relações públicas.
Ontem à tarde, a tragédia abateu-se motociclismo, numa prova do campeonato nacional de velocidade, no circuito do Estoril. O piloto local, Sérgio Leitão, de 42 anos, sofreu um despiste fatal na Curva 6, a famosa Curva do Tanque, que não tem escapatória e tinha sido encerrada em 1994, subsistuida pela chicane.
"Decorria uma das provas pontuáveis para o Nacional de Velocidade, um dia que se antevia de festa, de inauguração do novo asfalto, quando, tragicamente, na sétima volta de uma das corridas do programa, houve um acidente que se revelou bastante grave. De imediato a corrida foi interrompida e foram acionados todos os meios de segurança", relatou António Lima, presidente do Motor Clube do Estoril.
"As manobras de reanimação começaram de imediato no local. O piloto foi estabilizado, depois transferido para o Hospital de Cascais. Nem sequer passou pelo hospital do circuito, dada a gravidade da situação. Após várias tentativas de reanimação, declararam o óbito", acrescentou.
O dirigente afirma que todas as medidas de segurança tinham sido implementadas, e seriam os equivalentes a uma prova do Moto GP, por exemplo.
"As causas tem de ser apuradas posteriormente. O piloto caiu sozinho. Porém, a pancada foi muito forte, quase como se não tivesse travado. Tudo terá de ser averiguado. Gostaria de sublinhar que o Estoril dispões de todos os meios de segurança passivos. As provas do Nacional tem o mesmo efetivo de segurança que as do Campeonato do Mundo. Estamos a falar de uma pista que hoje podia receber o Moto GP. Aqui, qualquer piloto nacional merece tanto ou mais respeito como outro do Mundial. Infelizmente, a competição envolve riscos e [ontem] assistimos a um trágico acidente", lamentou António Lima.
Descrito como "uma pessoa afável" e "um piloto do meio da tabela" e que "vivia a velocidade não para ser campeão, mas para se divertir com os amigos a cada fim de semana", ele levava a familia consigo para que assistissem às corridas e aplaudissem a sua performance. E eles estavam lá quando aconteceu o seu acidente fatal. E hoje, quem lê os jornais, as noticias sobre o seu acidente fatal estão em todo o lado, e quase todos tem chamadas de primeira página. E as televisões fizeram noticias sobre esse acidente.
E posso dizer que nos muitos anos que levo disto - e pouco ligo ao motociclismo, confesso - nunca vi nenhuma noticia do campeonato português de motociclismo cujas impressões tenham sido positivas. Se tudo corre bem, fica na sua seção, lida pelos aficionados. Se tudo corre mal, todos lêm e os aficionados, justificadamente, revoltam-se por ver "os outros" lerem sobre isto a falaram coisas dos quais não tem nada a ver com o assunto. E com imensa razão. Mas deveriam saber que é assim o jornalismo, é assim o seu humano. Somos voyeuristas em termos de desgraças, aprendi isso na minha terceira ou quarta aula na faculdade.
E ainda por cima, ontem, Filipe Albuquerque venceu as 4 Horas de Spa-Francochamps, prova a contar para o Europeu de Endurance. E tirando as revistas e os sites de automobilismo, não há qualquer referência. E no desportivo que peguei hoje para ler sobre esta noticia, ambas estão na mesma página, mas a vitória do piloto de Coimbra ocupa meia coluna, partilhando a outra meia com as vitórias do filho de Michael Schumacher na Formula 3 europeia.
Agora, voltando ao circuito. A temida Curva do Tanque é aquela do qual o Alex Caffi bateu forte no GP de Portugal de 1990, obrigando ao encurtamento da corrida desse ano. Não tem escapatória porque ali é rocha, e fazer algo é muito, muito dificil. Foi por causa disso que fizeram a chicane, pois era mais fácil, e a Curva do Tanque foi abandonada. Durante mais de vinte anos, não se usou aquela parte. Só que este verão, a organização decidiu colocar uma capa nova de asfalto no circuito, e aproveitaram para reativar a curva. Mas não fizeram a escapatória que aquela parte merecia ter, apesar de haver reforço nos guard-rails. Mas não chega. É um circuito que tem tudo e é relativamente fácil de se reequipar para o Grau 1 exigido pela FIA, é verdade, mas sabem que o motocilismo tem muito mais riscos que o automobilismo.
À familia, endereço as minhas condolências. E aos amantes do motocilismo, entendo bem a sua dor e a sua indignação. Depois da desgraça, todos se vão embora e voltarão às suas vidas, voltando o campeonato de novo para a sua obscuridade. Mas é assim o ser humano, por muito que o tentemos modificar.
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