sexta-feira, 3 de março de 2023

A(s) image(ns) do dia (II)





Neste dia, há precisamente meio século, acontecia o GP da África do Sul, em Kyalami, terceira corrida do campeonato. Poderia falar de diversas coisas que aconteceram nesse final de semana, como a estreia da Shadow, com o DN1, desenhado pelo Tony Southgate. Ou então do McLaren M23, o carro que marcou toda uma era para a equipa de Bruce McLaren, e que ali deu a única pole-position para Dennis Hulme, ou então, no final, por mais uma vitória de Jackie Stewart, que o colocava perto dos recordes de vitórias de Jim Clark e Juan Manuel Fangio

Mas não, falarei de algo que hoje em dia parece estar um pouco esquecido. Falo de um salvamento. Nessa corrida, o britânico Mike Hailwood, conhecido pelos seus feitos no motociclismo, salvou das chamas o suíço Clay Regazzoni, da BRM. 

Tudo aconteceu na segunda volta quando o Lotus do local Dave Charlton tentava ganhar posições depois de uma grande largada. Quando se chegou ao BRM do suíço, ambos colidiram, e o depósito de gasolina do carro rompeu-se, acabando em chamas. Regazzoni tentou sair, mas ficou preso, enquanto o carro era pasto das chamas. Não conseguia abrir o cinto de segurança. 

E em questão de segundos, Hailwood apareceu. Primeiro, pegou num extintor, de um comissário de pista, mas sem conseguir apagar as chamas, e com o tempo a passar, entrou dentro do BRM para abrir os cintos de segurança e libertá-lo. Conseguiu, apesar do seu próprio fato de competição ter começado a pegar fogo! Rolou no chão, para tentar apagar as chamas, e de uma certa maneira, conseguiu o que queria. Ambos foram salvos, mesmo com a corrida a decorrer - eram outros tempos - apenas com a amostragem de bandeiras amarelas, para que os carros abrandassem.

No final, Stewart ganhou a sua primeira corrida do ano, com Emerson Fittipaldi em terceiro. Entre eles, o McLaren de Peter Revson, ainda com o chassis antigo. Mas naquele dia, o centro das atenções era Hailwood, o piloto motociclista que como o seu patrão, John Surtees, tinha a sua aventura nas quatro rodas. 

Foi uma personagem interessante. Nascido a 2 de abril de 1940, Hailwood chegou aos 17 anos ao Mundial de Motociclismo, correndo sobretudo no Man TT, a corrida mais desafiante da competição. Acabaria por ganhar por 14 vezes, a última das quais em 1978, aos 38 anos. Correu em simultâneo em corridas de 125, 250, 350 e 500cc - eram outros tempos... - e acabou campeão na classe 250cc em 1961, nas 500cc por quatro ocasiões seguidas entre 1962 a 1965, campeão das 250 e 350cc em 1966 e 1967, sendo vice-campeão nas 500cc nessas duas temporadas. Ele correu sobretudo com Hondas e Agustas. 

Em pleno auge nas duas rodas, aos 27 anos, trocou para as quatro. A Honda abandonou a competição no final dessa temporada e queria novos desafios. Foi para a Endurance, mas cedo iria para a Formula 1, a convite de Surtees. Tinha tido uma chance em 1963 e 64, em carros privados, conseguindo apenas um ponto no GP do Mónaco de 1964, num Lotus 25 da Reg Parnell Racing. Chegado à Formula 1 no final de 1971, conseguiu logo um quarto lugar no GP de Itália, naquela mítica corrida onde os cinco primeiros ficaram separados por meio segundo. Sim, também poderia ter ganho...

Mo ano seguinte, conseguiu o seu primeiro pódio, também em Monza, na corrida ganha por Emerson Fittipaldi e que lhe deu o seu primeiro título mundial. Ao todo, foram 16 pontos ao serviço da Surtees. Mas 1973 foi um ano frustrante, tanto que acabou a temporada sem qualquer ponto! Mas pelo meio, foi campeão europeu de Formula 2 num Surtees, o único piloto de duas rodas que alcançou isso na história.

Em 1974, aproveitou a chance de correr pela McLaren, ficando com o terceiro carro, e patrocinado pela Yardley. Tinha sido uma solução de compromisso que a equipa arranjou, para evitar ser processada pela patrocinadora, que tinha mais uma temporada de contrato, mas pelo meio, arranjaram a Marlboro, que pagou bem para ficar com eles, num acordo que durou - para quem não sabe - 22 anos.

Hailwood teve uma excelente temporada. Conseguiu um terceiro lugar em Kyalami, um ano depois do seu salvamento corajoso, que lhe deu a George Medal, a maior honra por coragem dada a um civil. Outra excelente corrida foi a que teve no GP dos Países Baixos, onde foi quarto, depois de ter andado em segundo por algum tempo. Mas em Nurburgring, no GP da Alemanha, perdeu o controlo do seu McLaren e bateu contra os guard-rails, destruindo o carro e fraturando os tornozelos. Seria o final da sua carreira na Formula 1. Não sem antes amealhar 29 pontos, três pódios e uma volta mais rápida, em 50 corridas. 

Apesar da sua vida aventurosa, o seu final foi trágico. A 21 de março de 1981, foi buscar comida com os seus filhos David e Michelle, quando colidiram com um camião que fazia uma inversão de marcha ilegal. A filha morreu de imediato, o pai resistiu dois dias antes de morrer, aos 40 anos. 

Conta-se que ele já sabia do seu fim, porque contava esta estória. Certo dia, em Durban, na África do Sul, um swami indiano decidiu ler a palma das mãos de alguns pilotos que estavam a jantar num restaurante, Hailwood incluído. Aparentemente, o swami lhes disse que todos estariam mortos antes dos 40 anos, mas ele seria o último. Se for uma estória, é uma enorme coincidência. E Hailwood, acredite-se ou não, teve uma vida muito preenchida.      

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