sábado, 29 de julho de 2023

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Era para ser um dia de festa. Mas acabou em tragédia. E depois, quando se soube das circunstâncias, ela virou indignação. 

Como podem imaginar, não era nascido quando tudo aconteceu. Mas com o tempo, soube de tudo, das circunstâncias. Que estava um belo dia de verão no mar do Norte. que tinham ido 90 mil espectadores à pista para ver a corrida. Que foi uma prova onde os Tyrrell dominaram, com o escocês Jackie Stewart a levar a melhor sobre Francois Cevért e foi o local do primeiro pódio de James Hunt, naquela que foi a sua 26ª vitória, superando o seu compatriota Jim Clark no quesito do piloto mais vitorioso de sempre.

E era o regresso da Formula 1 a Zandvoort, depois de um ano de ausência, onde se gastou mais de um milhão de dólares para remodelações, nomeadamente uma nova capa de asfalto e guard-rails em toda a extensão da pista. 

Mas tudo isso foi esquecido por causa do acidente da volta sete. Se as pessoas achavam que é tudo romântico ter alguém que vive constantemente com o perigo e que a morte está sempre à espreita, ver tudo a acontecer diante dos teus olhos, num sábado à tarde, na tua sala de estar, à frente da tua televisão a cores - ou a preto e branco - acho que todo o teu romantismo se foi, naquele dia.

O que aconteceu ali foi homicídio por negligência. Porque - a comissão de inquérito depois afirmou isso, dois anos depois - que Roger Williamson ainda estava vivo depois do acidente e o começo do incêndio. Aliás, os comissários impediram que David Purley continuasse a tentar levantar o carro porque julgavam que ele tinha morrido no impacto, para além de não estarem equipados com fatos anti-fogo, por exemplo. Não foi. Nem eles se prontificaram a ajudar a levantar o carro e a levá-lo para o centro médico do circuito. E nem falo do diretor ter interrompido a corrida com uma bandeira vermelha. no inquérito, alegou que quando viu Purley a tentar empurrar o carro, pensava que era ele o acidentado e estava a colocar o carro de pé. 

Claro, pode-se afirmar "ah, mas a mentalidade é diferente na altura". Claro que era. O espetáculo tinha de continuar, e não interessava se fosse um "zé ninguém" ou o campeão do mundo. Mas, por incrível que pareça, o acidente de Williamson foi o virar de pagina em termos de mentalidade. Até entre os pilotos. Não foi por acaso que numa das fotos, pode-se ver o BRM de Niki Lauda a passar pelos destroços do March de Williamson. Tempos depois, disse que, se soubesse o que se tinha passado, não teria hesitado em parar e tentar salvá-lo. Bem vistas as coisas, pode agradecer ao sacrifício dele porque foi isso acabou por salvar a sua própria vida, quando três anos e três dias depois, quatro pilotos - Brett Lunger, Guy Edwards, Arturo Merzário e Harald Ertl - o retiraram do seu carro em chamas, no Nurburgring Norschleife. 

Dezenas de milhões de pessoas, um pouco por toda a Europa ocidental e América do Norte, viram, em direto e via satélite, a morte de uma pessoa diante dos seus olhos, e não esqueceram do que viram. E a partir dali, pediram para que agissem de forma mais robusta perante uma situação destas. E foi o que aconteceu, quando a segurança aumentou muito em termos de carros, circuitos, comissários e pilotos. 

Contudo, não impediu outros acidentes graves, como o de Niki Lauda, ou mortais, como Francois Cevért, Ronnie Peterson ou Gilles Villeneuve, mas ali a segurança melhorou imenso. As corridas são paradas - e até concluídas quando acontecem um acidente. Os circuitos são muito melhores, os comissários são mais ágeis - por vezes, exageram, como no caso das corridas à chuva. Mas a mentalidade "o espetáculo tem de continuar" já não existe mais. 

Aliás, já nem querem mais. O que desejam é um equilíbrio entre um lado e o excesso de cautelas em relação à segurança, especialmente quando o tempo se põe cara feia, como está na Bélgica nesta final de semana. 

Quem conhece a história, sabe como acabou: Williamson acabou por ser um dos maiores talentos desperdiçados do automobilismo, Purley, um antigo soldado de elite e herdeiro do maior fabricante de frigoríficos no Reino Unido, foi condecorado pelo seu ato de coragem, e morreu num acidente aéreo em 1985, oito anos depois de um grave acidente em Silverstone, na qualificação para o GP britânico. 

E hoje passa meio século. Muito provavelmente, quem ver as imagens dessa corrida, não esquecerá mais.    

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