terça-feira, 27 de março de 2007

Extra-Campeonato: o acidente de Tenerife

Faz hoje 30 anos que ocorreu o pior desastre de sempre da aviação mundial: dois Boeings 747 colidiram na pista de Los Rodeos, em Tenerife, no Arquipélago das Canárias, matando ao todo 584 pessoas. Por incrível que pareça, neste acidente houve ainda 61 sobreviventes.

Mas a anatomia deste desastre começa… com um atentado à bomba. Na manhã do dia 27 de Março de 1977, um Domingo, duas bombas explodem no Aeroporto de Las Palmas, fazendo com que diversos voos sejam desviados para o Aeroporto Los Rodeos, em Tenerife. A pista tinha capacidade para caber Jumbos, mas a sua localização (entre dois montes) era propícia à formação de nuvens baixas…

Entre os aviões desviados para Tenerife estavam dois Boeing 747 “Jumbo Jet”, um da americana Pan Am, (PAA 1736) outra da holandesa KLM (KLM 4805). A pequenez do aeroporto implicou que este ficasse rapidamente cheio de tráfego, e a enorme dimensão dos Jumbos, estacionados na gare do aeroporto, dificultava a circulação.

Cerca das 14:30 da tarde, o Aeroporto de Las Palmas reabre, e os comandantes de ambos os aviões se preparam para levantar voo. No avião holandês, o seu capitão, Jacob Van Zanten (considerado um dos melhores da companhia), decidiu reabastecer o seu avião com combustível suficiente para efectuar o voo de regresso à Holanda. Meteu 55 mil litros de combustível no avião, numa operação que durou 35 minutos.

Por volta das 16:50, já com nuvens baixas a cobrir a pista, reduzindo a visibilidade para 500 metros, ambos os aparelhos resolveram abandonar a pista, rumando para Las Palmas, num voo que iria durar 30 minutos. O primeiro a sair foi o avião da KLM, com o avião americano logo a seguir. O PA 1736 tinha ordens para seguir, desviando-se na saída C-3. Entretanto, o KLM 4805 vai até ao fundo da pista, dando uma volta de 180 graus, para se preparar para a descolagem.




O primeiro erro começa aqui: o comandante do Pan Am julgava que a terceira saída à esquerda era a C-4, já que a C-1 estava inutilizada, e a saída C-3 (a indicada pela torre de controlo) implicava uma viragem muito brusca de 148 graus. Para piorar as coisas, a pouca visibilidade implicava que o avião holandês não conseguia ver o avião americano, nem mesmo a torre de controlo, pois o aeroporto não estava equipado com um radar de terra.

Às 17:03, o avião holandês está pronto para descolar, mas o avião americano ainda não saiu de pista. Sem ser visto pelo KLM, a torre de controlo dá ordem para o avião holandês se preparar. Mas aqui se comete o erro fatal: Jacob Van Zanden, o comandante, entende que recebeu ordem para avançar, e põe os motores na potência máxima. Eis a transcrição dos momentos finais:


17h02:50 - Controle: KL 4805, quantas intersecções vocês já passaram?


17h02:56 - KL4805 F/O: Acredito que acabamos de passar pela quarta.


17h03:36 - Controle: Saia da pista na terceira intersecção, senhor. Um, dois, três, terceira saída.


17h03:39 - PA1736 F/O: Ah, afirmativo, muito obrigado!


17h03:44 - Controle: Clipper 1736, reporte livrando a pista.


17h03:48 - PA1736 F/O: Reportará livrando, Clipper 1736.


KLM F/O: Ligo os limpadores de parabrisa?


KLM Cap: As luzes de decolagem estão ligadas.


KLM F/O: Não, os limpadores de parabrisa?


KLM Cap: Ah!... Não, se precisar deles eu peço.


KLM F/O: Check-list completo.


17h06:18 - Controle: Ok...


17h06:18 - PA1736 F/O: Controle! Estamos ainda taxiando pela pista, este é o Clipper 1736.


17h06:18 - Controle: (finalizando sua transmissão para o 747 da KLM) ...aguarde autorização para decolagem, chamarei quando autorizado.


17h06:20 - Controle: PA1736, reporte livrando a pista.


KLM F/E: Ele ainda não liberou a pista?


KLM Cap: O que você disse?


KLM F/O: O Pan Am ainda não liberou a pista?


KLM Cap e F/O: Ah, sim!


PanAm Cap: Vamos dar o fora daqui!


PanAm F/O: O KLM está ansioso, não está?


PanAm F/E: Depois de nos retardar por mais de uma hora e meia, agora ele está com pressa!


PanAm Cap: Está lá... Olha pra ele lá esse... esse filho da mãe vem pra cima da gente!


PanAm F/O: Sai da pista! Sai! Sai!


KLM Cap: Ohhh.

No momento da colisão, o avião da KLM ainda conseguiu descolar uns metros, antes de se despedaçar no meio da pista, envolta numa bola de fogo. Todos os 234 passageiros, mais os 14 tripulantes tiveram morte imediata. No caso do outro Jumbo da Pan Am, a colisão cortou-o a meio, permitindo que 63 pessoas sobrevivessem ao impacto, incluindo o comandante americano. No avião seguiam 380 pessoas e 16 tripulantes.


Um dos sobreviventes contou que os motores de ambos os aviões ainda estiveram a funcionar durante largos minutos depois da colisão. Somente alguns minutos depois é que os funcionários da torre de controlo é que deram conta do desastre, e durante largos minutos, os bombeiros não se tinham apercebido que estavam dois aviões, logo, acorreram aos destroços do avião holandês.

Uma comissão de inquérito tripartida (Espanha, Holanda e Estados Unidos) analisou durante largos meses o local do acidente, bem como os destroços de ambos os aviões. Logo se chegou à conclusão de que o acidente se deveu a erro humano, potenciado pela tensão acumulada durante as horas anteriores: o comandante holandês estava ansioso por regressar a Amesterdão, devido às rígidas leis do tempo de serviço, que implicava, entre outros, não poder voar à noite. Na altura, Van Zanden não tinha mais do que três horas para descolar de Los Rodeos e regressar a Amesterdão. Daí se explica porque ele decidiu reabastecer ali, em vez de o fazer em Las Palmas. Também o erro na contagem da pista de onde deveria virar por parte do comandante da Pan Am foi outro factor para o desastre. E claro, o nevoeiro na pista.

Devido a esse desastre, foi construído um segundo aeroporto no sul da ilha, o Reina Sofia, deixando o Los Rodeos para voos regionais. Agora, 30 anos depois, o aeroporto foi largamente modernizado e pode voltar a acolher voos internacionais, devido ao aumento do tráfego aéreo (“charters” e “low-costs”).

Actualmente, existem três memoriais do desastre: um na Holanda, outro
nos estados Unidos e um terceiro, que foi inaugurado hoje, em Tenerife.
Aqui, podem ver um documentário em duas partes sobre o desastre. Parte 1 e Parte 2.

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