terça-feira, 21 de agosto de 2007

O homem do dia - Alfred Neubauer

Na semana em que se comemora mais um aniversário da sua morte, acho útil mostrar às gerações mais novas como é que surgiram muitas das coisas que se vêm actualmente na Formula 1. Uma delas é o posto de “director de corrida”. O nome e o posto foram inventados pelo mesmo homem: Alfred Neubauer. E é dele que vou falar hoje.


Ao contrário do que se julga, Alfred Neubauer não é alemão, é austríaco. Nasceu a 29 de Março de 1891 em Marhrisch-Ostrau, actualmente… na Republica Checa. É a actual Ostrava. Cresceu no meio de automóveis, então uma novidade, e cedo aprendeu os segredos do ofício. Na Primeira Guerra Mundial, Neubauer serviu no exército austro-húngaro, como oficial mecânico. No final da Guerra, Neubauer vai trabalhar na Austro-Daimler, uma filial da marca alemã, tendo sido piloto durante boa parte dos anos 20, com resultados modestos. O melhor foi um 12º lugar na Targa Florio de 1922

Por esta altura, encontra e começa a trabalhar com outro grande nome da história do automóvel: Dr. Ferdinand Porsche. Por essa altura, Neubauer era o principal piloto de testes da marca, experimentando as inovações que Porsche desenhava. Em 1923, ele começa a trabalhar na Daimler, e leva Neubauer com ele, continuando a ser piloto de testes. Três anos depois, decide terminar a carreira de piloto, e cria um posto só para ele: director desportivo (Rennleiter).

Logo de inicio, Neubauer apresentou a sua primeira inovação: as placas que avisavam os seus pilotos da sua posição na corrida. Antes, os pilotos nada sabiam da sua performance nem das distâncias que estavam perante os outros concorrentes. Em eras onde as pistas tinham dezenas de quilómetros de distância, a luta do piloto contra os concorrentes, o tempo e a meteorologia podia ser épica, mas muito solitária…

Neubauer começou a testar o sistema na corrida de Solitude, um circuito nos arredores de Stuttgart. Quando ele começou a aplicar a sua invenção, o organizador, irritado, exigiu a Neubauer para que saísse da pista. Este, impávido, afirmou que era "Das Rennleiter". Achando a brincadeira de mau gosto, o organizador respondeu: "Está louco? O Rennleiter sou eu!”

Contudo, as suas estratégias tiveram sucesso. No final dos anos 20, os Mercedes SS e SSK eram máquinas vencedoras, normalmente às mãos de um piloto: Rudolf Caracciola. Não só isso, mas também a organização quase militar que Neubauer imprimia às suas equipas, quer nas estratégias de corrida, quer nas boxes serviu de inspiração para outras equipas e outros directores desportivos, como Enzo Ferrari, Colin Chapman, e mais recentemente, Jean Todt.

Com os anos 30 e a chegada de Adolf Hitler ao poder, assistiu-se ao início de uma nova era no automobilismo: as Flechas de Prata. E esse nome começou… com um equívoco. Na primeira corrida do campeonato, em 1934, os Mercedes, pintados de branco (a cor da Alemanha) tinham 752 quilos, mais dois do que o regulamento. Neubauer ordenou que se raspasse a tinta branca, e se deixasse à mostra o chassis original, em alumínio, que era cinzenta-prata. Deu à justa, e os carros não mais largaram essa cor…


De 1934 e 1939, os “Flechas de Pratadominaram as pistas europeias, através de pilotos como Rudolf Caracciola, Hermann Lang, Manfred Von Brauchitsch e o primeiro grande piloto inglês: Richard Seaman. Com a II Guerra Mundial, a actividade competitiva foi interrompida, e quando esta terminou, a Mercedes-Benz, ao mesmo tempo que reconstruía as suas fábricas, aproveitou para retomar a actividade competitiva. E Neubauer, com quase 60 anos, voltou ao activo.

Quando a Mercedes decidiu voltar à competição, mais concretamente à Formula 1, aproveitando a nova fórmula de motores de 2,5 Litros, implementada em 1954, a marca de Stuttgart decidiu adaptar o seu modelo 300 para construir o 300 SL. Com isso, ganhou a Carrera Panamericana, através de Kark Kling e Hermann Lang, e depois através de Kling e Juan Manuel Fângio estreou o seu modelo de Formula 1 no Grande Prémio de França, vinte anos depois da estreia das Flechas de Prata. Fângio ganhou e Kling foi segundo. No final da época, os Mercedes eram campeões do Mundo, graças ao talento de Neubauer nas estratégias de corrida.

O ano de 1955 prometia mais domínio, agora com mais um talento inglês: Stirling Moss. A marca da estrela de três pontas tinha agora um novo modelo: o W196. Projectado por Rudolf Uhlenhaut, tinha um motor de oito cilindros, 257 cavalos de potência e uma velocidade de ponta de 300 km/h na versão de rodas cobertas. Dominaram grande parte das corridas, através de Fângio e Moss, e estendiam esse domínio a outras provas, como as 24 Horas de Le Mans. E Neubauer estava à frente das boxes às 6 da manhã de Domingo, quando um dos seus Mercedes, o do francês Pierre Levegh perdeu o controlo, ao bater no Jaguar de Mike Hawthorn, catapultou em chamas para cima dos espectadores, matando mais de 80, no pior acidente de sempre do automobilismo mundial. Foi ele que deu a terrível noticia à sede da marca, em Estugarda, e ordenou a retirada dos restantes carros da corrida.

No final da temporada, com o título de pilotos no papo, por intermédio de Juan Manuel Fangio, a Mercedes abandona a competição. Para Alfred Neubauer, foi o fim dos seus dias enquanto director desportivo, que ficou simbolizado no dia em que Fangio, o novo campeão, tapou com uma coberta o seu W196. Neubauer, que sempre foi sólido como uma rocha nunca transparecendo as suas emoções, derramou lágrimas de tristeza. Nesse dia, Neubauer pediu a reforma da marca.


Até à sua morte, a 22 de Agosto de 1980, aos 89 anos, Neubauer tornou-se conselheiro técnico da marca, especialmente no departamento de restauro do Museu Mercedes, em Estugarda. Ainda assistiu ao renascimento do departamento da marca, nos anos 70, através da AMG, mas não foi a tempo de ver o regresso vitorioso das Flechas de Prata a Le Mans, em 1988 e 1989, através da Sauber, e à Formula 1 em 1993, primeiro na Sauber, e depois na McLaren. Mas o legado deste touro austríaco está presente hoje em dia nos gestos e nas estratégias que vemos todos os fins de semana, quando assistimos a uma qualquer corrida de automóveis.

1 comentário:

Anónimo disse...

Excelente matéria! Outras obra de arte do maior blogueiro historiador de automobilismo. Parabéns pela atenção aos detalhes.