Sábado, 30 de Abril de 1994
O pelotão da Formula 1 poderia ter ficado assustado com os acontecimentos do dia anterior, mas continuou as suas actividades de forma normal. Os médicos tinham dado alta a Rubens Barrichello, e este correu ao circuito, e saudado por tudo e por todos, aliviados por ter sobrevivido quase incólume a um acidente tão forte. Mas as sequelas do acidente eram mais do que evidentes: um colar ortopédico no pescoço, um penso no nariz, e a proibição dos médicos de correr o Grande Prémio. Iria ser depois a sua única não-qualificação da carreira. Depois de um aquecimento de manhã, a segunda sessão de qualificação à tarde iria ser uma nova batalha entre Ayrton Senna e Michael Schumacher pela pole-position, com Damon Hill e Gerhard Berger à espreita.
Para além da luta pelos melhores lugares na grelha de partida, havia a luta para fugir aos lugares não-qualificáveis, e nesse ano, duas equipas lutava para fugir delas: os recém-chegados Pacific e Simtek. David Brabham não tinha problemas em fugir dali, mas o seu companheiro Roland Ratzenberger não. Com um contrato assinado apenas por cinco corridas, e tendo gasto todos os tostões para conseguir comprar o bilhete para a elite, ele não podia falhar. Já tinha falhado no Brasil, e usado os seus conhecimentos para qualificar-se em Aida, Imola era outra chance do qual não podia desperdiçar. Porque para ele, aquilo era o seu sonho, e prolongá-lo tornara-se na sua missão.
Para isso tinha que dar o seu melhor e aproveitar todos os momentos para dar o seu máximo. Na sua primeira volta lançada, um exagero na chicane Acqua Minerale o faz passar por cima da zebra, mas o carro, aparentemente, estava em condições de correr. Assim sendo, após a passagem pela meta, tentou novamente outra volta lançada. Era o minuto 18 da sua segunda sessão de qualificação.
Nessa altura, era passada da hora do almoço na Europa, quando assistia à sessão na casa de um vizinho meu, pois era o único que tinha o Eurosport, um canal pan-europeu de desporto. Os comentadores da altura eram Ben Edwards e John Watson, e faziam um trabalho ainda melhor do que os da BBC, com a dupla Murray Walker e Jonathan Palmer, que substituira James Hunt, morto um ano antes.
As câmaras na altura captavam os vários carros que passavam na zona mais rápida do circuito: o complexo Tamburello-Villeneuve-Tosa. A Curva Villeneuve teve o seu nome graças a uma forte batida do mítico piloto canadiano, durante o GP de Itália de 1980, que excepcionalmente se realizou naquele circuito. Era, tal como a Tamburello, uma falsa curva, pois aí, os pilotos não reduziam a sua velocidade, somente na travagem para a curva Tosa, onde reduziam dos 330 km/hora para os 120 km/hora. De repente, uma das câmaras capta um pedaço de carbono a voar, e um carro a bater forte por duas vezes no muro, deslizar por ela e parar no meio da Curva Tosa. Era o Simtek de Roland Ratzenberger.
Os socorristas acorreram ao local, mas aos olhos de muita gente, algo de muito grave se tinha passado. O Simtek S941 tinha um grande rombo no cockpit do lado esquerdo, onde se podia ver o braço do infortunado piloto austríaco, A sua cabeça inerte, podia-se ver um fio de sangue, e do carro, não sobrava muito mais do que o cockpit e o motor, pois todo o resto se encontrava espalhado no chão. E dele, não havia sinais de vida.
Sabia da gravidade da situação, pelo tom de voz dos comentadores ingleses, e pela quantidade de repetições que o canal tinha colocado no ar, mas não imaginava que naquele momento, estaria morto. Ratzenberger tinha sofrido com o impacto, uma fractura basal do crânio, suficientemente potente para o matar, devido á desaceleração do carro, nesse impacto duplo contra o muro. Ao ver os paramédicos a tratar o piloto, julgava-o inconsciente, mas vivo, devido às várias outras situações ao qual tinha visto.
Mas durante os 45 minutos seguintes, os paramédicos tentaram inutilmente reavivar as funções vitais, quer na pista, quer depois no helicóptero que o levou ao Hospital Maggiore de Bolonha, quer depois na sala de urgências do mesmo hospital. Às 15:05 minutos, hora local, Roland Ratzenberger, de 34 anos, era oficialmente declarado como morto.
A sessão tinha sido interrompida por mais de 40 minutos, para serem feitos os procedimentos habituais em casos como estes: recolher os destroços da pista e levá-los para as boxes. Entretanto, muitos pilotos decidiram acabar a qualificação por ali. Senna fora um deles. Decidiu ir para um canto e chorar a perda de um piloto, que apesar de não o conhecer bem, encarava-o como mais um dos que arriscavam a vida pelo prazer de competir.
Cerca de uma hora mais tarde, o piloto brasileiro foi ter com o Dr. Syd Watkins. Conversaram longamente, e o médico da FIA pede para que considere a retirada da competição. Senna recusa: “Existem coisas que estão fora do meu controlo, preciso de continuar”, afirmou em resposta.
A Formula 1 ficava em estado de choque. Era a primeira vez desde Junho de 1982 que assistia em directo a uma morte na Formula 1. A última vez que tal aconteceu tinha sido na partida do GP do Canadá, quando o Osella do italiano Riccardo Paletti embateu em cheio na traseira do Ferrari de Didier Pironi, causando ferimentos fatais na zona do tórax, provocados pelo volante. Agora, doze anos depois, devido ao facto de tudo ter sido transmitido em directo, as ondas de choque eram ainda maiores.
Pouco depois, Senna volta à sua motorhome, para reflectir um pouco, e depois encara os jornalistas sobre os acontecimentos daquela tarde. Pede à direcção da corrida para que considere o cancelamento puro e simples da corrida. Em resposta, não só negam o pedido, como também o ameaçam de punição pelo facto de ter ido ter ao local do acidente sem autorização expressa.
Senna estava nitidamente preocupado. Sabia que, para além dos inúmeros problemas que o seu FW16 tinha, em termos de estabilidade (ele pediu que a coluna de direcção fosse ajustada para si. Hoje em dia, é consensual que isso poderá ter sido a causa do seu despiste fatal), as desconfianças que todos tinham com o Benetton B194 de Michael Schumacher, que poderia ter qualquer tipo de controlo de tracção fora da lei, e agora, uma morte na pista.
As dúvidas que ele tinha criavam dúvidas nos outros. Frank Williams pergunta ao jornalista Galvão Bueno se acha que ele iria correr no dia seguinte. Bueno garante que não só corre, mas também que iria fazer tudo para ganhar. No final do dia, Williams e Senna conversam durante mais de uma hora sobre o carro. Senna garantiu que o carro lhe dava todas as garantias para correr amanhã, mas horas mais tarde, perante a imprensa, diria o contrário: “O meu automóvel é difícil de conduzir, é nervoso”.
E quanto ao circuito: “Escorregadio e perigoso. Faltam escapatórias”. De facto, Tamburello e Villeneuve eram duas falsas curvas, e desde 1980 tinham sido palco de acidentes espectaculares, mas até aquele dia, nenhum deles tinha sido fatal. Gilles Villeneuve, Nelson Piquet, Gerhard Berger e Michele Alboreto escaparam com pouco mais do que escoriações. Roland Ratzenberger não tinha tido essa sorte.
No final do dia, depois do jantar e da conversa com Frank Williams, ao mesmo tempo que a Europa inteira via o Eurofestival da Canção, a ser transmitida da Irlanda, na Quinta do Lago, no Algarve, um telefone toca numa das casas para mulitmilionários existentes naquela zona. A rapariga que atende o telefone é Adriane Galisteu. Do outro lado da linha, o seu namorado desabafa sobre os acontecimentos do dia, e revela as suas angústias ao telefone. Por vezes em lágrimas, falam sobre um pouco de tudo. E uma das frases que ela retém é esta: “Não estou com um bom pressentimento, e se pudesse, não corria”.
Outro que estava com lágrimas nos olhos nessa noite era Gerhard Berger. O austríaco da Ferrari conversava com o repórter Heinz Prüller, o equivalente austríaco ao Murray Walker, e soltou a seguinte desabafo. “Eu esperava por um acidente como este. Tinha de acontecer, já tivemos sorte por muito tempo. E eu temo que esta série negra vai continuar. A morte de Roland não foi nossa última na Fórmula 1.” Um pressentimento que infelizmente, o dia seguinte se revelaria verdadeiro…
Para além da luta pelos melhores lugares na grelha de partida, havia a luta para fugir aos lugares não-qualificáveis, e nesse ano, duas equipas lutava para fugir delas: os recém-chegados Pacific e Simtek. David Brabham não tinha problemas em fugir dali, mas o seu companheiro Roland Ratzenberger não. Com um contrato assinado apenas por cinco corridas, e tendo gasto todos os tostões para conseguir comprar o bilhete para a elite, ele não podia falhar. Já tinha falhado no Brasil, e usado os seus conhecimentos para qualificar-se em Aida, Imola era outra chance do qual não podia desperdiçar. Porque para ele, aquilo era o seu sonho, e prolongá-lo tornara-se na sua missão.
Para isso tinha que dar o seu melhor e aproveitar todos os momentos para dar o seu máximo. Na sua primeira volta lançada, um exagero na chicane Acqua Minerale o faz passar por cima da zebra, mas o carro, aparentemente, estava em condições de correr. Assim sendo, após a passagem pela meta, tentou novamente outra volta lançada. Era o minuto 18 da sua segunda sessão de qualificação.
Nessa altura, era passada da hora do almoço na Europa, quando assistia à sessão na casa de um vizinho meu, pois era o único que tinha o Eurosport, um canal pan-europeu de desporto. Os comentadores da altura eram Ben Edwards e John Watson, e faziam um trabalho ainda melhor do que os da BBC, com a dupla Murray Walker e Jonathan Palmer, que substituira James Hunt, morto um ano antes.
As câmaras na altura captavam os vários carros que passavam na zona mais rápida do circuito: o complexo Tamburello-Villeneuve-Tosa. A Curva Villeneuve teve o seu nome graças a uma forte batida do mítico piloto canadiano, durante o GP de Itália de 1980, que excepcionalmente se realizou naquele circuito. Era, tal como a Tamburello, uma falsa curva, pois aí, os pilotos não reduziam a sua velocidade, somente na travagem para a curva Tosa, onde reduziam dos 330 km/hora para os 120 km/hora. De repente, uma das câmaras capta um pedaço de carbono a voar, e um carro a bater forte por duas vezes no muro, deslizar por ela e parar no meio da Curva Tosa. Era o Simtek de Roland Ratzenberger.
Os socorristas acorreram ao local, mas aos olhos de muita gente, algo de muito grave se tinha passado. O Simtek S941 tinha um grande rombo no cockpit do lado esquerdo, onde se podia ver o braço do infortunado piloto austríaco, A sua cabeça inerte, podia-se ver um fio de sangue, e do carro, não sobrava muito mais do que o cockpit e o motor, pois todo o resto se encontrava espalhado no chão. E dele, não havia sinais de vida.
Sabia da gravidade da situação, pelo tom de voz dos comentadores ingleses, e pela quantidade de repetições que o canal tinha colocado no ar, mas não imaginava que naquele momento, estaria morto. Ratzenberger tinha sofrido com o impacto, uma fractura basal do crânio, suficientemente potente para o matar, devido á desaceleração do carro, nesse impacto duplo contra o muro. Ao ver os paramédicos a tratar o piloto, julgava-o inconsciente, mas vivo, devido às várias outras situações ao qual tinha visto.
Mas durante os 45 minutos seguintes, os paramédicos tentaram inutilmente reavivar as funções vitais, quer na pista, quer depois no helicóptero que o levou ao Hospital Maggiore de Bolonha, quer depois na sala de urgências do mesmo hospital. Às 15:05 minutos, hora local, Roland Ratzenberger, de 34 anos, era oficialmente declarado como morto.
A sessão tinha sido interrompida por mais de 40 minutos, para serem feitos os procedimentos habituais em casos como estes: recolher os destroços da pista e levá-los para as boxes. Entretanto, muitos pilotos decidiram acabar a qualificação por ali. Senna fora um deles. Decidiu ir para um canto e chorar a perda de um piloto, que apesar de não o conhecer bem, encarava-o como mais um dos que arriscavam a vida pelo prazer de competir.
Cerca de uma hora mais tarde, o piloto brasileiro foi ter com o Dr. Syd Watkins. Conversaram longamente, e o médico da FIA pede para que considere a retirada da competição. Senna recusa: “Existem coisas que estão fora do meu controlo, preciso de continuar”, afirmou em resposta.
A Formula 1 ficava em estado de choque. Era a primeira vez desde Junho de 1982 que assistia em directo a uma morte na Formula 1. A última vez que tal aconteceu tinha sido na partida do GP do Canadá, quando o Osella do italiano Riccardo Paletti embateu em cheio na traseira do Ferrari de Didier Pironi, causando ferimentos fatais na zona do tórax, provocados pelo volante. Agora, doze anos depois, devido ao facto de tudo ter sido transmitido em directo, as ondas de choque eram ainda maiores.
Pouco depois, Senna volta à sua motorhome, para reflectir um pouco, e depois encara os jornalistas sobre os acontecimentos daquela tarde. Pede à direcção da corrida para que considere o cancelamento puro e simples da corrida. Em resposta, não só negam o pedido, como também o ameaçam de punição pelo facto de ter ido ter ao local do acidente sem autorização expressa.
Senna estava nitidamente preocupado. Sabia que, para além dos inúmeros problemas que o seu FW16 tinha, em termos de estabilidade (ele pediu que a coluna de direcção fosse ajustada para si. Hoje em dia, é consensual que isso poderá ter sido a causa do seu despiste fatal), as desconfianças que todos tinham com o Benetton B194 de Michael Schumacher, que poderia ter qualquer tipo de controlo de tracção fora da lei, e agora, uma morte na pista.
As dúvidas que ele tinha criavam dúvidas nos outros. Frank Williams pergunta ao jornalista Galvão Bueno se acha que ele iria correr no dia seguinte. Bueno garante que não só corre, mas também que iria fazer tudo para ganhar. No final do dia, Williams e Senna conversam durante mais de uma hora sobre o carro. Senna garantiu que o carro lhe dava todas as garantias para correr amanhã, mas horas mais tarde, perante a imprensa, diria o contrário: “O meu automóvel é difícil de conduzir, é nervoso”.
E quanto ao circuito: “Escorregadio e perigoso. Faltam escapatórias”. De facto, Tamburello e Villeneuve eram duas falsas curvas, e desde 1980 tinham sido palco de acidentes espectaculares, mas até aquele dia, nenhum deles tinha sido fatal. Gilles Villeneuve, Nelson Piquet, Gerhard Berger e Michele Alboreto escaparam com pouco mais do que escoriações. Roland Ratzenberger não tinha tido essa sorte.
No final do dia, depois do jantar e da conversa com Frank Williams, ao mesmo tempo que a Europa inteira via o Eurofestival da Canção, a ser transmitida da Irlanda, na Quinta do Lago, no Algarve, um telefone toca numa das casas para mulitmilionários existentes naquela zona. A rapariga que atende o telefone é Adriane Galisteu. Do outro lado da linha, o seu namorado desabafa sobre os acontecimentos do dia, e revela as suas angústias ao telefone. Por vezes em lágrimas, falam sobre um pouco de tudo. E uma das frases que ela retém é esta: “Não estou com um bom pressentimento, e se pudesse, não corria”.
Outro que estava com lágrimas nos olhos nessa noite era Gerhard Berger. O austríaco da Ferrari conversava com o repórter Heinz Prüller, o equivalente austríaco ao Murray Walker, e soltou a seguinte desabafo. “Eu esperava por um acidente como este. Tinha de acontecer, já tivemos sorte por muito tempo. E eu temo que esta série negra vai continuar. A morte de Roland não foi nossa última na Fórmula 1.” Um pressentimento que infelizmente, o dia seguinte se revelaria verdadeiro…
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