A passagem do carro negro e dourado de Peter Reinhardt na meta assinalava a 38ª volta ao circuito de Kyalami e a corrida já estava a alcançar a primeira hora de duração. O piloto alemão liderava com cerca de três segundos de avanço sobre o Apollo de John O'Hara, e ambos já tinham um avanço considerável sobre o segundo Apollo de Teddy Solana, o Ferrari de Patrick Van Diemen e o carro de Bruce McLaren. Após a passagem do carro do neozelandês, cerca de 26 segundos depois do de Reinhardt, o buraco para o segundo Jordan de Bob Bedford seria de dez segundos. Mas quando os cronómetros comçearam a contar mais segundos do que o esperado, começaram a olhar para a pista, em busca do carro que começava a não aparecer... Quando tal aconteceu, estava a ser acossado pelo Eagle de Philipp de Villiers e pelo Jordan da Holmgren conduzido por Brian Hocking. Com os três a passarem, vinha o BRM de Gustafsson a tentar debater com o seu carro, e alguns notavam que a uma das rodas estava fora do sítio.
- Que diabo passou? perguntou alguém na tribuna de imprensa
- Boa pergunta, suspeito que houve uma batida, respondeu outro.
De facto, tinha sido assim. Bedford e Gustafsson estavam a discutir o sexto posto quando nos Esses, o sueco tentou ultrapassá-lo, com os dois a tocarem-se devido ao desentendimento quanto ao local onde passar. Ou então uma tentativa de defesa de um para avisá-lo dos perigos em o ultrapassar, ou então de o ultrapassar naquela zona. Gustafsson arrastou o seu carro até às boxes, onde parou de vez, deitando fora uma boa hipótese de pontuar. Bedford não foi longe. Entre a Crawthorne e a Barbeque Bend, ele encostou o seu Jordan danificado e abandonou o carro, triste pela sua corrida ter acabado mais cedo do que o habitual. Começava a acontecer a temida hecatombe, mas não pelos motivos que muitos esperavam.
Ao fim de 40 voltas, Reinhardt liderava, seguido por O'Hara, Solana, Van Diemen, McLaren - que se aproximava do piloto belga - e os sul-africanos De Villiers e Hocking. Bernardini era um pálido oitavo, com Pieterse em nono e Revson no décimo posto. Havia mais dois carros locais, mas já estavam a duas voltas dos da frente. Estavamos exactamente a meio da corrida e já metade do pelotão estava fora de combate. Haveriam carros suficientes para chegar ao fim?
À medida que os carros encaravam a segunda metade da corrida, a diferença entre Reinhardt e O'Hara tinha-se estabilizado nos três segundos. O calor continuava forte, e a falta de emoção na pista, pois todos ou quase todos queriam levar o carro até ao fim começava a aborrecer as pessoas de morte. Ainda por cima, os "stocks" de bebidas voavam rapidamente, pois todos estes quase cem mil brancos bebiam tudo que fosse liquido como se não existisse mais o amanhã. De repente, na 50ª volta, Thomas Nel, que estava encostado nas boxes, vai ter com Pete Aaron e segreda algo no ouvido, dado que o barulho dos carros o impedia de dizer o que queria.
- Diz ao John para acelerar o ritmo.
- Tens a certeza? Quero que ele chegue ao fim...
- Tenho. O Reinhardt não consegue afastar-se dele. Ele já poupou o carro tempo suficiente.
- É passar para o ataque?
- É, garanto-te que o carro aguenta. E diz ao Teddy para que acelere também.
- Qual é a ideia?
- Rebentar com a concorrência, ora.
- De certeza que não nos rebentamos?
- Eu como o meu chapéu se estiver enganado. Temos 30 voltas para ganharmos isto. Força!
Pete ouviu isto e coloca o sinal mais para O'Hara, dando a diferença que tinha para Reinhardt. Logo a seguir, sinaliza o mesmo para Teddy, que tinha Van Diemen à sua vista, pouco mais de um segundo e meio, numa batalha à distância pelo lugar mais baixo do pódio. O ritmo acelerou, e o irlandês começou a apanhar o alemão. Em cinco voltas, baixa o tempo da volta mais rápida de 21.2 para 20.6, aumentando o ritmo e mantendo a consistência. Na volta 56, estava encostado a Reinhardt e ambos começaram a lutar pela vitória, aumentando a emoção nas bancadas do circuito. O'Hara, que começava a ganhar fama de piloto consistente, algo que Reinhardt não era muito. O alemão ainda cometia erros e num dia mau fazia tempos péssimos, algo que não acontecia hoje, claro.
A batalha continuou nas quinze voltas seguintes, com ele a aguentar os ataques de O'Hara pelo comando, ao mesmo tempo de Solana e Van Diemen se aproximavam dos dois pilotos. À entrada da volta 72, um estranho ruído começou a ser ouvido do carro de Reinhardt. Não era o motor a patir, mas quase. Um dos cilindros começou a funcionar mal e o alemão baixou o ritmo. Quase a seguir, no inicio da volta 73, abdica do comando e deixa passar O'Hara. Agora, o seu combate era pela sobrevivência, tentando levar o carro até ao fim.
Tal como um bom alemão, começou a calcular. O pódio era quase um combate perdido, e começou a olhar para as placas na meta para saber quantos segundos estava do carro de Bruce McLaren. Aparentemente, teria 25 segundos, mas não tinha a certeza. Tentava encontrar um ritmo conveniente para levar o carro até ao fim, retardando o mais possivel as inevitáveis ultrapassagens por parte de Solana e de Van Diemen. Na volta 76, era ainda segundo, mas mal aguentava os ataques de Solana, que aguardava o mais que podia, mas já começava a ser acossado pelo Ferrari do belga, revitalizado pelo o que via à sua frente. Neste momento, O'Hara tinha aberto uma vantagem de seis segundos.
Na boxe, Thomas disse a Pete para que este abrandasse, pois o essencial estava feito. Imediatamente colocou-se o sinal de SLOW para que O'Hara pudesse ler, e na parede da boxe, a sua irmã Sinead não cabia de si de contente. Passou o cronómetro a Pat e foi para o muro das boxes, juntamente com os mecânicos. Ela tinha um chapéu na cabeça, calças cor de creme, óculos escuros e um polo branco, suficientemente opaco para não notar que não tinha nada por debaixo. A seguir, Jackie, que tinha um vestido colorido e também um chapéu grande e óculos escuros, veio também ao muro das boxes, para ver as últimas voltas da corrida, junto com os mecânicos, especialmente Pete e Thomas, no seu fato-macaco macaco azul. Estavam felizes, mais ainda não podiam comemorar. Faltavam três voltas e tudo podia acontecer.
Mais atrás, enquanto que Peter Revson finalmente se rendia e encostava o seu carro com a caixa de velocidades partida, com mais de três de atraso sobre os da frente, Brian Hocking e Philip de Villiers duscutiam entre si o quinto lugar da corrida, numa disputa tão intensa como se fosse a liderança. De fato, até era, mas para o melhor piloto da casa. Com chassis relativamente datados, com com vantagem para Hocking, pois o seu carro era semi-oficial, este queria demonstrar que era melhor do que ele, por enquanto. Hocking assediava De Villiers, mas este aguentava-se bem num carro já com dois anos, mas soberbamente afinado por mãos capazes.
Nas tribunas, o speaker anunciava a última volta da corrida. John O'Hara levantava o pé e cumpria burocraticamente o processo de levar o carro até à meta, enquanto que Peter Reinhardt não aguentara mais e deixara passar Solana e Van Diemen. Agora os outros dois lutavam pelo segundo posto, com o mexicano a levar vantagem, e ia conseguir algo inédito, impensável até há pouco tempo: uma dobradinha.
Oliver Henderson, o presidente do automóvel clube, mostrava a bandeira de xadrez, esperando pela chegada de John O'Hara. O pessoal da Apollo já tinha saltado para a pista, encostado ao muro, também esperando por ele. Estavam apenas oito carros a rodar em Kyalami ao final de 80 voltas, e quando o carro de O'Hara surgiu, a pequena multidão acenava. Ele levantou o braço no ar em sinal de triunfo, e todos atiraram os chapéus no ar. Era a primeira vitória da Apollo com chassis próprio, a primeira desde género desde 1954. Todos esperaram mais um pouco para ver se Teddy ficava com o segundo posto. Afastados um do outro por pouco mais de 150 metros, Solana estava na frente de Van Diemen, mas a dobradinha estava assegurada. E aí, todos se abraçaram uns aos outros, festejando o feito.
E algum tempo depois, comemoraram também a chegada de Philip de Villers à sexta posição, depois de Reinhardt, o quarto, e McLaren, o quinto, dando o primeiro ponto da carreira ao piloto local, à frente de outro sul-africano, Brian Hocking. Pouco tempo depois, no pódio, John O'Hara era cumprimentado, beijado, abraçado por todos os que o viam. Cansado, abriu o champanhe, que jorrou sobre a multidão que estava à sua frente, com Teddy Solana e Patrick Van Diemen ao seu lado. O irlandês era um homem feliz, pois mais do que vencer aqui, tinha conseguido algo raro: vencer a última prova do ano anterior e a primeira do novo ano. Era um inicio auspicioso para a equipa e um motivo de conversa, mais logo, quando telefonasse à mãe e ao tio Arthur.
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