sábado, 22 de maio de 2010

Grand Prix (seize, à Le Mans)

(continuação do capitulo anterior)

Passadas duas horas, o Porsche de Aaron encosta á boxe para ser entregue às mãos de John O'Hara, com a sensação de dever cumprido. Do último lugar à partida, tinha recuperado grande parte do tempo perdido, colocando-se no sexto posto, na mesma volta do lider, o Ferrari 312P da dupla Peter Reinhardt e Patrick Van Diemen, os pilotos oficias da equipa na Formula 1. O melhor Porsche vem a seguir, e também tinha as cores oficiais, guiado pela dupla Muller/Linzmayer.

Saindo do carro, Aaron troca instruções com O'Hara sobre como andava o carro e sobre os perigos que existiam na pista. Ainda não tinham sido tirados todos os destroços do que restava do Porsche de Peter Holmgren, mas toda a gente já tinha conhecimento do seu fatal destino.

Pete desloca-se para dentro das boxes e senta-se numa cadeira, ao lado da sua mulher. Pega numa garrafa de Evian de litro e bebe para matar a sede. Ao mesmo tempo, vê Sinead O'Hara, que vai ter com eles. Fica ao lado de Pamela, para observar a tabela de tempos que ela têm, para apontar as voltas dos dois carros presentes, mais o "camera car" laranja. Com a sede saciada, Pete coloca a garrafo no seu devido lugar e reflete sobre os acontecimentos das duas últimas horas. Mike Weir, vendo-o nessa situação, vai ter com ele.


- Olá Pete. Foi uma bela corrida aquela que fizeste.
- Obrigado, Mike, afirmou com algum desalento no seu tom de voz. Quem foi o que pegou fogo?
- Foi o Porsche do Holmgren. Ele ia lá dentro.
- Como está?


Mike soltou um suspiro e disse:

- Infelizmente não sobreviveu ao acidente. Ainda bateu num Ferrari, mas o piloto sobreviveu.
- Quem era?
- O Teddy Solana, mas não sofreu nada de especial, pelo que me disseram. Está no centro médico, mas acho que terá alta dentro em breve.


Pete levantou-se dali e foi a passo para a direcção do motorhome branco, equipado com um posto de pronto-socorro e uma mesa de operações, algo muito bom para a época. Logo a seguir, Sinead acompanhou-o. Notando o que se passava, Pete virou-se e disse:

- Porque vens atrás de mim?
- Eu... também vou vê-lo.
- Sinead, agradeço, mas acho que não é só por isso que vens atrás de mim.
- Quero saber uma coisa. Aquele gesto que tiveste... foi o quê?

Pete calou-se um momento. Ia dizer aquilo que pensava, mas logo apareceu Michael Delaney, que rondava as boxes, acompanhando uma equipa de filmagens, que estava ali a captar imagens do ambiente de Le Mans. Eles não iam atrás dele, pois estava à civil, mas sendo um filme produzido por ele, queria saber se eles estavam a fazer a coisa certa.

- Ah! eis o homem do momento, afirmou Michael.
- Porquê?
- Toda a gente fala do teu gesto. Uns falam bem, outros nem tanto. Parece que só te perdoam se ganhares as 24 Horas.
- Pessoalmente, que achas?
- Pete, sou teu amigo. Certamente tens razões para teres tal gesto. Ainda por cima, depois do que aconteceu com o Peter Holmgren, acho que tomaste, voluntária ou involuntáriamente, uma posição.
- E o Teddy?
- Que eu saiba, não tem nada. Acho que um corte ou uma queimadura ligeira, nada mais. Teve muita sorte, para te ser honesto.
- Queria vê-lo. Ainda está no centro?
- É capaz. Podes ir tentar a tua sorte. Vemo-nos na boxe.


Pete rumou direito á motorhome branca, para saber de noticias sobre ele. Foi tão determinado ao assunto que ignorou os pedidos de autógrafo pelos fãs, afirmando que ia ver um amigo. Quando lá chegou, alguns jornalistas e fotógrafos estavam lá acampados, para saber quando é que Teddy iria sair de lá. Chegou lá no preciso momento em que ele abandonava as instalações. De cima, via o seu amigo Pete e este verificava que não tinha lesões visiveis. Desceu as escadas e foi ter com ele.

- É bom ver-te.
- É bom ver-te que estás vivo, respondeu Pete.
- Infelizmente para o outro, não houve nada a fazer.
- Acredito. E agora?
- Carro irrecuperável, fico a ver o resto da corrida. Ou então volto para o hotel e rumo a Paris ainda hoje. Zandvoort é na semana que vêm...
- Ah pois. Estás-te a dar bem na BRM?
- Francamente... não sei. Aquilo é uma confusão. Ninguém se entende por lá. Estou a pensar na McLaren no próximo ano, para complementar os meus serviços na Can-Am. Ainda por cima... aquelas asas.
- Eu sei, mas isso fica para outra altura.
- E o teu projecto?
- Vai andando. Este ano é com o John e o Eagle, mas no ano que vem vai ser diferente. Chassis próprio e coisas assim.
- Se calhar posso ajudar-te. Mas aqui e agora não é o momento ideal. Temos de marcar um encontro e falar com calma. Se der certo... diabos, até corro contigo em 70, se me arranjares lugar.
- Vou pensar nisso. Agora vai descansar, tu precisas.

Ambos trocaram um abraço e foram cada um para as suas vidas. Sinead assistiu tudo à distância e foi ter logo com ele, enquanto se dirigia para o motorhome da equipa. La chegados, perguntou:

- O que vai na tua cabeça?

Pete calou-se por momentos. A sua expressão era dura, amarga talvez. Sentou-se pesadamente no sofá da caravana e afirmou:

- Não devia estar aqui. Não devia.
- Como assim?
- Não sei como responder a isto. Não sei se devo rir ou chorar, para ser honesto. Estou aqui por amor ao automobilismo, às amizades que aqui fiz, ao projecto ao qual me comprometi. Não tenho nada a perder, excepto a vida, confesso. Hoje... hoje... sabes o que quero hoje?
- O quê?
- Chegar ao fim vivo. Para saber se tudo aquilo é verdade.
- Devo preocipar-me?
- Com o teu irmão? Não. Ele sabe fazer o seu trabalho. Se tudo correr como visionei, vai tudo correr bem.
- Como assim?
- Sinead, antes de te contar, chama o Mike e a minha mulher. Eu fico aqui a descansar um pouco, tá bem?
- OK.


Sinead sai e Pete deita-se, de olhos abertos, refletindo no que se passou nas últimas horas. Com os olhos fixos no teto da caravana, pensava no passado, presente e futuro, em tudo o que pensava na sua mente. Depois, os três apareceram na motorhome e este sentou-se para falar com eles. Sorriu e disse:

- Estão prontos para uma revelação chocante?

Eles continuaram em silêncio, atentos ao que ia dizer. Visto que estavam atentos ao que dizia, continuou:

- Esta noite, antes de vir para aqui, sonhei com isto. Sonhei com a corrida, sonhei que tinha um acidente na Maison Blanche e que ficaria preso no carro. Sonhei, se quiseremos ser melodramáticos, com a minha própria morte. Não é bonito, mas era tão real que assustei-me a valer.
- Foi por isso que tu atrasaste-te na partida?
- Para te ser honesto, sim. Mas também era um teste de sobrevivência, era a minha determinação em dizer que fazia isto pela última vez... tudo. Sempre achei que o acidente de Watkins Glen era o aviso do qual deveria abandonar a competição para sempre, enquanto fosse vivo. Foi por isso que hesitei quando me convidaram para correr no lugar do Michael.


Entretanto, Michael Delaney aparece na motorhome. Pete nota e diz:

- Senta-te, amigo. Acho que também deves saber disto.
- O quê?
- De como iremos ganhar em Le Mans, sorriu.
- E agora, Pete? Queres continuar? disse Mike Weir.
- Claro que quero. Agora é até ao fim. E se correr bem, vamos ganhar.
- É convicção ou outra coisa?
- Agora estou determinado a vencer. Para fechar isto com chave de ouro. Podes usar isto para o teu filme, se quiseres. Como se chamará a tua personagem, Michael?... John McClaine?
- Steve McQueen.
- Eu sabia que era um nome escocês, respondeu em termos sorridentes.
- É bom saber que estás bem, afirmou Sinead.
- É. Agora temos uma corrida pela frente.
- Acho que tinhas razão, Pete. Aquele gesto anda a ser comentado pelo "paddock" e toda a gente diz que o fizeste em protesto das condições de segurança do circuito. Pode ser que tenhas marcado uma posição, afirmou Mike Weir.
- Só se for para sobreviver. Quero chegar vivo ao fim para poder concretizar o meu projecto.

Entretanto, um mecânico chega ao pé de Mike para dizer que dentro em breve, o carro de Beaufort iria chegar às boxes para ser substituido por Carpentier. este se vai embora para voltar a embrenhar no minuto-a-minuto daquela corrida de Endurance, a mais famosa do mundo. Quando saiu, disse aos restantes:

- Sabem, no inicio da minha carreira, na Cooper, corri com o Maurice Trintignant. Na altura, tinha mais de 40 anos e os seus dias de competição já tinham ido há muito. Perguntei-lhe o que significaria correr às voltas num circuito, mesmo depois de terem passado os nossos melhores dias. Respondeu-me: "Filho. Correr é vida. A nossa vida. Tudo o que fazemos antes ou depois das corridas é apenas uma longa espera. Muitas pessoas andam nesta vida a tropeçar ou a fazer coisas frustrantes, num emprego burocrático, numa repartição do Governo, e os sonhos de aventura são enterrados para sustentar uma familia ou algo assim. Nós somos um bando de sortudos. Muitos de nós terão uma vida curta, mas será imensamente proveitosa, acredita". Essa frase nunca mais me saiu da cabeça. Tenho agora 41 anos e acho que sou um homem muito privilegiado. Não pelos títulos que alcancei, mas por ter sobrevivido para os poder disfrutá-los. Se tudo correr bem, amanhã à tarde a minha carreira de piloto acabará. E se acabar com uma vitória, tanto melhor.

Todos ficaram em silêncio. Michael disse:

- Acho que vou aproveitar isso no meu filme. Não tens caneta e papel por aí?

Todos rebentaram num riso incontrolado. Todos os sustos, desgostos e receios tinha ido embora por instantes, numa descompressão humorada. Lá fora, as máquinas combatiam o desgaste, à medida que o sol descia no horizonte. As 24 Horas de Le Mans ainda continuavam no auge, sem vencedores definidos.

(continua)

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