domingo, 27 de fevereiro de 2011

Carta a um espirito livre

"As capacidades que qualquer piloto tem são encontradas quando ele puxa pelos seus próprios limites. Para fazê-lo, tem de o fazer dando o seu melhor, sem qualquer preconceito. Quando alcançar esse limite, verá que a partir dali existe uma fina linha entre a bravura e a simples estupidez".

Peter Revson, 1939-74

Dear Peter:

Nasceste em berço de ouro. O teu pai e o teu tio foram felizes em fazer fortuna a vender batôns e produtos de beleza para milhões de mulheres um pouco por todo o mundo e o dinheiro serviu para tu ires estudar para a Universidade de Cornell. Um dia, encontraste um grupo de colegas que partilhavam essa paixão e ficaste viciado pela velocidade para todo o sempre. Tu, Teddy Mayer e o seu irmão Tim e Roger Penske, entre outros. Quando começaste a correr, primeiro num Morgan e depois noutras máquinas, todos olharam para ti como sendo um "playboy". Mas não eras: simplesmente tinhas um espirito livre, tipico daqueles tempos.

O chato é que tu tinhas MESMO talento. Contudo, até os outros se convencerem que eras mais do que um rico menimo mimado, demorou. Os teus primeiros tempos foram custosos, a familia não te dava dinheiro algum para as corridas, e teve de sair do teu próprio bolso a tua primeira tentativa de correres na Europa, sem grande sorte.

Depois, um dia, começas a ter bons resultados quer nos monopostos, quer nos Turismos, e apareces certo dia em Sebring com outra pessoa feita da mesma massa do que tu. Era o Steve McQueen, o "king of cool" do seu tempo. Muitos deverão ter torcido o nariz por ver um ator e um menino rico a correrem nas 12 horas de Sebring. É certo que fizeste boa parte da corrida, pois McQueen estava magoado no pé. Mas para perderem por pouco pelo Ferrari oficial, com três pilotos profissionais do calibre de Mario Andretti, Ignazio Giunti e Nino Vacarella... tenho de vos tirar o chapéu! Afinal de contas, nunca um segundo lugar tinha sido tão comentado.

O sucesso veio mesmo no final da tua existência. Tinhas 34 anos e eras bem mais maduro do que quando começaste. Corrias num McLaren e fazias Can-Am, a USAC - houve um ano em que fizeste a "pole-position" nas 500 Milhas de Indianápolis e o recorde ficou lá por onze anos - e ainda fazias a Formula 1. Foste campeão na Can-Am e viajavas dezenas de milhares de quilómetros por ano, corridas quase todas as semanas, e simplesmente adoravas fazer isso. As tuas vitórias foram tão memoráveis como confusas. Em Silverstone foram onze carros eliminados por um dos teus companheiros de equipa, Jody Scheckter, e em Mosport, foi uma confusão causada pelos organizadores porque decidiram colocar na pista um "pace car" no momento errado na hora errada. E esperaste à chuva durante duas horas até te anunciarem como vencedor...

Depois da McLaren, resolveste tentar a tua sorte na Shadow. Um americano num carro americano até soava bem para ti. Eras feliz, tinhas arranjado noiva e tudo, uma ex-Miss América, e tudo indicava que irias herdar a fortuna do teu tio. Mas oito dias antes do GP da Africa do Sul, quando testavas o carro, perdeste o controlo dele e tudo acabou por ali. Foi pena, tiveste o mesmo destino do teu irmão, sete anos antes, quando participava numa corrida de Formula 3 na Dinamarca. Mas enfim, queremos acreditar que ao menos estavas a fazer aquilo que mais gostavas.

Tenho de tirar o chapéu a pessoas como tu. Chegaram a uma posição onde que, sem problemas com o dinheiro, poderiam fazer o que quisessem. Escolheste esta forma e só poderemos respeitar-te por isso. Uns poderão dizer que é estupido, egoista, que o dinheiro poderia ter sido usado, blá, blá, blá... mas pelo aspeto, não estavas para aí virado, pois não?

Gostaria de ter cruzado contigo, mas não deu. Acho que foi uma questão de dois anos e qualquer coisa, e foste cinco meses e meio depois de outro piloto do teu tempo, Francois Cevért. Vocês dois eram feitos da mesma massa, perseguindo os mesmos objetivos. E por aí, tenho de no minimo curvar-me em sinal de respeito. Tenho pena que a tua vida tenha sido implacávelmente curta, mas vê as coisas de um lado positivo: não só a viveste no máximo como o teu legado é a de um excelente piloto com talento, que deixou para trás a imagem de "menino rico".

Podes descansar em paz, estás vingado. Espero que de onde quer que estejas, os que ainda andam por aqui e gostam da velocidade, te recordem sempre.

Happy Birthday, Peter. Vêmo-nos por aí, um destes dias.

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